Estamos a voar sem escala no carrancudo 737 da LAM há mais de seis horas, numa viagem que devia levar pouco mais de 120 minutos, mesmo assim os comissários de bordo não páram de sorrir. A informação que temos é de que chove torrencialmente em Pemba, com descargas atmosféricas de grande magnitude. Apagaram-se as luzes da pista e de toda a cidade.
Mas porquê que não desviam a rota para outro aeroporto aqui perto? Também chove a cântaros em Nampula, com granizo em todo o lado, e na Zambézia os ventos que fustigam trazem poeiras de mau agoiro. E agora como é que vai ser? É só esperar, isto vai passar, não obstante a autonomia de voo poder estar em causa.
Estamos por cima das nuvens numa máquina cujo motor é imperceptível aqui dentro. Há um silêncio de morte no bojo, e deste modo pode ser que estejamos numa câmara de gás à espera de ser acionada pelos verdugos para que o cianeto goteje, e ainda assim trazem-nos taças de vinho em carrinhos leves para irmos bebendo, mas ninguém aceitou aquela bebida da cor de sangue, e eu então lembrei-me da música de Chico Buarque e Milton Nascimento “pai, afasta de mim esse cálice...”.
A minha cadeira está por cima da asa, que tremilica, e já atingi o limite do medo. Restam-me, todavia, as últimas reservas de esperança.
“Apertem os cintos por favor, estamos para aterrar no aeroporto de Pemba”! A ansiedade e o medo não desvaneciam, aumentavam. A voz feminina soava a música sinistra, provavelmente o comandante tenha decidido fazer o poiso sobre a própria morte, os pássaros morrem no chão. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas seja como for, se for para morrer, já estamos mortos. Morremos todos os dias. Moçambique vive de morte em morte.
De qualquer das formas parece termos saído, após aquela voz cantante vinda dos altifalantes roufenhos que mais parecem megafones, da antecâmara do diabo. Pemba estende-se na plenitude aos nossos pés como um paraíso, entretanto essa vista será ilusória, Pemba treme em toda a placa. Senti isso quando saí do avião: todos olham para os passageiros que desembarcam com olhar profundamente inexpressivo como quem diz, o quê que eles querem aqui?
Neste momento em que chegamos, há muitos aviões que partem. De meia em meia hora uma máquina busca os ares, até não haver mais nenhum aeroplano para descolar, a não ser o “nosso” que igualmente vai voltar ao espaço daqui a pouco, com gente entulhada como no “My love” onde somos tratados tipo gado de abate.
Quando embarquei em Maputo, o meu plano era hospedar no Wimbe e ir desfrutar da vida no restaurante Dolphin, mas alguém, que está fugindo como os outros em massa, diz-me que o Dolphin está fechado, o Nazaré não está lá. Fugiu da chuva que penetra pelo tecto sem fissuras e janelas fechadas molhando tudo. O peixe conservado nas arcas ressuscitou e voltou para o mar ensanguentado. O arquipélago das Quirimbas está a tremer, as aves marinhas sucumbiram ao cheiro da pólvora e das baionetas e das facas.
Mas eu quero ir ao Wimbe, mesmo assim. Sentir a brisa no Dolphin e ouvir a música da natureza cantada pelas gaiovotas que não estarão nos galhos, fugiram inesperdamente, deixando para trás os mangais transformados em matadouros de homens. Então lá fui em contramão daqueles que deixavam o mítico Paquitequete, o Metuge e toda Pemba, e todo o Cabo Delgado.
No Dolphin não está ninguém, a não ser um homem longelíneo vestido de turba negra, que me estende a enorme bandeja de prata contendo uma cabeça humana acabada de ser decepada.
Eu ia receber a bandeja pensando tratar-se de cabeça de peixe, de xerewa. Afinal era um pesadelo, numa noite com temperaturas jamais sentidas em Inhambane.
Esta fora a conclusão de um turbulento debate, este domingo, na rota BaixaBoane. O debate, ocasional e que reunira uma dezena de passageiros junto ao banco traseiro do autocarro, decorrera em torno do perfil ou critérios para o próximo candidato presidencial do partido no poder,
Enquanto o debate decorria ia pensando em que perfil ou critérios teriam sido baseados as escolhas anteriores para a chefia do partido e∕ou candidatura presidencial. Neste exercício veio-me à memória, mais uma vez, uma entrevista de Marcelino dos Santos, falecido membro sénior e fundador do partido no poder.
Na aludida entrevista, Marcelino dos Santos mencionara de que na escolha de Samora Machel, depois da morte de Eduardo Mondlane, pesara o facto de Samora, sendo o comandante militar e hábil líder, poder responder melhor ao objectivo de intensificação da luta armada como resposta de vitalidade contra o poder colonial.
Quando da sucessão de Samora Machel, Marcelino dos Santos afirmara que para a escolha de Joaquim Chissano, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, pesara o seu carácter diplomático e capacidade em "engolir sapos", características que seriam vitais para o contexto de mudanças mundial e internamente da época.
Na escolha de Armando Guebuza, então Secretário-geral do partido, quando da sucessão de Joaquim Chissano, Marcelino dos Santos dissera que valera a liderança e capacidade deste em poder dinamizar o partido para as mudanças e respostas necessárias aos desafios do país na altura, sobretudo socioeconómicos.
Na entrevista, que fora durante o reinado de Guebuza, não se falara sobre o que determinaria na escolha do sucessor de Guebuza. Aliás, o debate da sucessão parece que não consta do lema ”A Vitória Preparase. A Vitória Organiza-se", atendendo e comparando com a antecedência com que o partido no poder trata todos os outros assuntos conexas ao processo eleitoral.
Contudo, decorrente do avançado por Marcelino dos Santos o de uma escolha que resulte da combinação do contexto (internacional, nacional e partidário) a enfrentar e a particularidade e habilidades requeridas face a tal contexto resta saber até que ponto estes critérios terão sido observados na sucessão de Guebuza para Filipe Nyusi e se serão observados na ora sucessão de Nyusi.
"É melhor que seja do Centro (do país), encerrando assim, de uma vez, o "Agora é a nossa vez!". Este pronunciamento, dito em alta e rochosa voz do casual moderador, arrancara aplausos de todo o autocarro em sinal de total concordância. Do pronunciamento também a assunpcção de que o candidato será certamente o próximo presidente.
Os aplausos interromperam a minha viajem ao passado. Do recolhido nada constava que o critério regional fosse determinante para a escolha. Do vigoroso consenso do autocarro, a ideia de que o critério regional vincará com a escolha de alguém do Centro, completando assim o ciclo regional e de que o precedente fora aberto quando da escolha do actual timoneiro.
Sendo assim, e para que o assunto não fique um pendente e uma fonte futura de conflitos: que seja mesmo a última vez do "Agora é a nossa vez!".
“Os novos Municípios deste País, sabe-se, iniciam com zero receita, sendo obrigação de quem os criou dotá-los de recursos básicos para o início de actividades. Entretanto, a solução deste problema não deve passar por ameaças e intimidação aos munícipes. Deve, na minha opinião, iniciar com a organização interna do Município, através da criação de instrumentos normativos, um trabalho interno organizativo, indução aos técnicos e aos próprios vereadores, sobre a Missão que têm. Acredito que muitos não sabem, sequer, o que é o Município, mas com trabalho, acredito, os munícipes irão colaborar. É preciso que se socialize o Município novo!”
AB
“Todos estão a ser notificados para regularizarem as suas obras e espaços. Temos técnicos capacitados para acompanharem o processo de regularização, através do apoio ao preenchimento das fichas, documentação necessária e explicação sobre o pagamento de taxas, sem multas”
In Abdul Gafur, Notícias de 28 de Fevereiro de 2024, página 3
Quando li esta notícia, à partida, fiquei satisfeito, mas, volta e meia, questionei-me: “será possível, em 45 dias, resolver os problemas de regularização de obras e espaços numa autarquia? Mas a minha preocupação cresceu quando, numa passagem da notícia li: “Gafur referiu que, em caso de incumprimento do prazo determinado, serão aplicados os procedimentos legais, tais como multas, embargos e demolições”. Ora, aqui, a coisa muda de figura!
Não sei, como se faz, no caso do Município de Matola Rio, mas para se regularizar a obra é preciso de ter os seguintes dados:
Vi que a Autarquia possui técnicos para o acompanhamento dos munícipes, o que é muito bom, mas à partida esta medida pode ser interpretada como sendo para a atribuição de multas e melhorar a tesouraria do Município, através destas mesmas multas, como parte de recurso de colecta de receita. Entretanto, isto pode desvirtuar tudo de bom que o Município possa vir a realizar em prol dos munícipes.
O Município da Matola Rio é novo, já tem Postura Municipal para a evocação de “procedimentos legais” como diz, numa das passagens atribuída a Abdul Gafur, Presidente do Município! Caros dirigentes municipais, vão devagar nas decisões que tomam. Os munícipes precisam de se socializar com a nova vida Autárquica e precisam, igualmente, que se divulgue a Postura Municipal.
Repito, a ideia é boa, na minha opinião, peca por conter termos de ameaça. Julgo que não era necessário. Peca também por oferecer prazos apertados, sabido que estamos no mês de Fevereiro, sendo que muitas pessoas ainda se debatem com pendências escolares e outras obrigações sócio-económicas. Ao saber disto, aposto que muitos estar a dizer “já começaram esses de Município” e, certamente, a culpa será atribuída à Frelimo, partido que ganhou a Autarquia de Matola Rio. Lembre que, em Outubro, vêm mais eleições!
Também é verdade que as construções nesse Município estão bastante desordenadas. Fui visitar um casal amigo, diria mesmo irmão e notei essa desordem. A ideia vertida sobre “embargar empreendimentos que obstruem as vias de acesso e corredores de agua” aqui, na minha opinião, está adjacente à ideia de solução dos problemas locais. Repito, a mistura de boas ideias com sanções pode trazer impopularidade. Aliado a isto, o tempo que o Município dá aos munícipes para a regularização dessas pendências, a acontecer, penso que o próprio Município não terá mãos bastantes para a demanda. Espero estar equivocado!
Adelino Buque
Fui nascido com o firme propósito de reverberar com as mãos tenazes. A mulher que me deu à luz no chão, não sabia que com o andar do tempo eu estaria no cume, nem tinha capacidade de perceber que vinha ao mundo para levantar estádios inteiros. A minha missão era essa, mais do que defender as azagaias arremessadas com furor, fui escolhido entre muitos para ser o derradeiro reduto.
Ainda trago de Chimoio e de toda a província de Manica, aqui onde a vida é vivida segundo as parábolas, as lembranças de que o esteito dos matewe (tribo maniquense) era eu. Era em mim que se agarravam nas batalhas dramáticas do futebol, na esperança quase certeza, de que sobre mim ninguém vai passar. E na verdade era isso mesmo, eu serei a última esperança. A esperança infalível!
Diziam sempre, quando me vissem a passar pelas ruas de Chimoio, que a albufeira de Chicamba era eu, pois, segundo eles, sem mim não haveria iluminação no Textáfrica, mas isso era um exagero, Chicamba era toda a equipa, uma das melhores que Moçambique já teve em todos os tempos.
Mas todas essas memórias que hoje me vibram na alma neste lugar onde o futebol tornou-se música, não vão querer dizer mais nada, senão que a minha vida na terra foi uma outra forma de celebrar os sons e os batuques das vitórias, eu dançava na baliza. Ria me dos avançados que desciam em flecha ávidos de celebrar o golo, sem saberem que eu era o baluarte de Chimoio e que nas minhas veias vai circular com verve, todo o sangue dos guerreiros de Chimanimani.
Sou eu, o Zé Luís, o Gato! Rejubilo em todos os momentos neste lugar onde vivo a vida jamais imaginada e jamais esperada. Aqui nada é repetitivo, só existe o crepúsculo do amanhecer. Tudo é novo e reluz-se por si mesmo. É diferente dos dias das derrotas do Textáfrica, e da Selecção Nacional, que me entristeciam profundamente. Sobretudo aquela humilhação nos Camarões! E ainda alguém zombava de nós dizeendo: quem semeaia ventos, colhe tempestades! Mas eu já me esqueci desses vendavais que em determinados momentos tornavam-se em dilúvios.
Sou eu, o Zé Luís, o Gato! Apagaram-se em mim todas as dores, e agora passo a vida a planar, ouvindo de vez em quando a voz do João de Sousa gritando: que defesa espectacular do Zé Luis! E logo a seguir vejo o mar de gente enchendo o Estádio da Machava, ovacionando-me. Mas eu chorava sozinho, de emoção, sentindo os arrepios em todo o meu corpo e espírito, ao ser erguido pelo povo inteiro.
Pois e! Só vinha vos dizer isso, e pedir ao Textáfrica, agora que luta por se levantar outra vez, o favor de levar o canecão ao Monte Binga, como aconteceu em 1976. E para essa luta, contem comigo.
Sou eu, O Zé Luís, o Gato!