Ainda não se encontra operacional o “badalado” Fundo Soberano de Moçambique e muito menos se atingiu o período de maturação dos projectos de exploração de gás natural, mas já há indícios de desvio de receitas provenientes da exploração do Gás Natural da Bacia do Rovuma.
De acordo com o Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2023, emitido pelo Tribunal Administrativo, até Março de 2024, a Conta Transitória, a sub-conta da Conta Única do Tesouro onde é depositado o valor das receitas do Gás Natural da Bacia do Rovuma – antes da sua transferência para o Orçamento do Estado (60%) e para o Fundo Soberano (40%) –, tinha um saldo de 60.589.023,82 USD, dos quais, 47.582.992,19 USD depositados em 2023 e 13.006.031,63 USD canalisados nos primeiros três meses do ano passado.
No entanto, o Tribunal Administrativo revela que o valor apresenta uma diferença de 33,65 milhões de USD em relação ao montante declarado pelo Governo no Relatório de Execução do PESOE (Plano Económico e Social e Orçamento do Estado). Segundo o auditor das contas públicas, o Relatório do Governo refere que, de 2022 a Março de 2024, foram cobrados 94,2 milhões de USD.
Na sua exposição, o Tribunal Administrativo mostra que o valor cobrado em 2022 (800 mil USD) não foi depositado na Conta Transitória, enquanto em 2023, dos 73,36 milhões de USD anunciados, apenas 47,58 milhões de USD foram depositados, faltando 25,78 milhões de USD. Já no Primeiro Trimestre de 2024, foram declarados 20,08 milhões de USD, mas somente 13,01 milhões de USD foram depositados, faltando depositar 7,07 milhões de USD.
“Ademais, adita o BdPESOE em alusão que as referidas receitas foram depositadas na Conta Transitória sediada no Banco de Moçambique, nos termos do artigo 6 da Lei n.º 1/2024 de 9 de Janeiro que cria o Fundo Soberano de Moçambique, afirmação não confirmada em sede da auditoria por conta da diferença anteriormente referida”, sublinha.
Para o Tribunal Administrativo, a diferença de 33,65 milhões de USD apurada na auditoria “constitui uma violação” do artigo 49 da Lei do SISTAFE, que determina que “a Conta Geral do Estado deve ser elaborada com clareza, exactidão e simplicidade” e “configura infracções financeiras previstas no n.º 2 e nas alíneas b), e) e j) do n.º 3, ambos do artigo 98,conjugado com o artigo 99 da Lei n.º 8/2015, de 6 de Outubro”.
No Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2023, o Tribunal Administrativo explica que as constatações basearam-se nas informações constantes do Mapa I da Conta Geral do Estado de 2023 e da auditoria à Direcção Nacional do Tesouro e Cooperação Económica e Financeira (DNTCEF), que incidiu sobre os fluxos financeiros da Conta Única do Tesouro e de Outras Contas do Tesouro.
No geral, o Tribunal Administrativo revela ter constatado, no capítulo dos movimentos de fundos das contas bancárias do Tesouro, a contabilização, na rubrica “recebedoria” (saldo do ano anterior), de 10.809,625 mil Meticais como saldo em numerário, “quando o mesmo integra elementos que não constituem receitas cobradas”; a omissão dos montantes recebidos no âmbito das receitas provenientes da exportação do Gás Natural da Bacia do Rovuma; e a persistência do registo indevido de saldos de Outras Contas do Tesouro na rubrica Conta Única do Tesouro.
O Tribunal Administrativo constatou, igualmente, a fraca intervenção da DNTCEF junto do Sector Empresarial do Estado e de outras instituições públicas que arrecadam receitas de capital; a movimentação de recursos fora do circuito normal de execução orçamental; e que os saldos inicial e final da Conta Única do Tesouro divergem dos registados no Mapa I da Conta Geral do Estado de 2023.
O auditor das finanças e contas públicas notou também a retenção e utilização indevida de receitas consignadas; que ainda persistem diferenças entre o montante registado na rubrica Outras Instituições de Estado e o valor calculado com base nos Anexos Informativos; e que parte significativa das disponibilidades financeiras apuradas no fim do exercício económico não se encontra na Conta Única do Tesouro, estando dispersas em diversas contas bancárias não controladas directamente pelo Tesouro Público.
“Importa referenciar que parte considerável das situações acima elencadas tem vindo a constar dos relatórios e pareceres sobre a Conta Geral do Estado, que também tem emitido as correspondentes recomendações que, por sua vez, têm sido acolhidas pelas Resoluções da Assembleia da República, pelo que a sua preval_ência revela violação das Resoluções daquele órgão de soberania”, sublinha o documento.
Refira-se que a Conta Geral do Estado de 2023 é referente ao penúltimo ano do segundo e último mandato de Filipe Jacinto Nyusi e vai a debate, na Assembleia da República, nesta quinta-feira.