A Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) confirmou, no último fim-de-semana, a contratação da consultora internacional Knighthood Global para liderar o processo de reestruturação da companhia, para reforçar a sua sustentabilidade operacional, por um lado, e aumentar a sua competitividade nos mercados doméstico, regional e internacional, por outro, para além de garantir a prestação de um serviço aéreo eficiente, seguro e alinhado com os padrões internacionais de qualidade.
A confirmação da chegada da firma sediada em Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) veio quatro dias depois de a própria consultora ter anunciado a sua contratação pelo Governo moçambicano. Igualmente, veio quatro dias depois de o IGEPE (Instituto de Gestão das Participações do Estado), entidade pública que controla o sector empresarial do Estado, ter comunicado a constituição de um novo Conselho de Administração da LAM, composto pelos novos accionistas (CFM, HCB e EMOSE) e a criação de uma Comissão de Gestão, liderada por Dane Kondic, ex-CEO e Presidente do Grupo EuroAtlantic Airways e I-Jet Aviation.
Liderada por James Hogan, antigo Presidente e CEO da Etihad Airways Group, companhia aérea nacional dos Emirados Árabes Unidos e uma das principais do mundo, a Knighthood Global descreve-se como “uma empresa líder em serviços de consultoria e investimentos”, tendo escritório em Genebra (Suíça) e em Malta. O novo consultor da LAM vai substituir a sul-africana Fly Modern Ark (FMA), que assessorou a LAM entre Março de 2023 e Setembro de 2024, sem sucesso.
Para o jornalista Alves Gomes, especialista em aviação civil, as recentes escolhas da LAM são acertadas, mas alerta que o sucesso depende da clarificação das responsabilidades sobre o pagamento da dívida da companhia, que considera ser o seu principal problema. Em conversa com “Carta”, o especialista lembra que, sem os consultores, a LAM teve resultados operacionais positivos, em 2022, que foram sufocados pelas dívidas acumuladas da empresa.
“É uma empresa [Knighthood Global] que tem credibilidade, tem mais credibilidade do que a FMA. O seu gestor esteve ligado à Etihad, uma companhia que funciona bem. Quanto ao Presidente da Comissão de Gestão, é uma pessoa com um bom curriculum. As escolhas parecem bem acertadas”, defende Gomes.
“Agora vamos a outra parte, que é a funcionabilidade e rentabilidade da LAM. O problema de sempre da LAM sempre foram as dívidas. Do ponto de vista operacional, a LAM já teve lucros sem consultores, pelo menos nos resultados de 2022, esses lucros incluíram o pagamento de uma pequenina percentagem da dívida que a LAM tem com a banca. Ou seja, é uma demonstração de que, do ponto de vista operacional, a LAM pode ser rentável”, disse o analista, sublinhando que o grande constrangimento da LAM é a dívida que a companhia tem, sobretudo com a banca comercial, facto que “limita qualquer tipo de gestão”.
Aliás, para Alves Gomes, é preciso clarificar o papel da HCB, CFM e EMOSE na estrutura de gestão da LAM, em particular o destino dos 130 milhões de USD, que se destinam à compra de acções ou ao investimento na companhia. “À partida, disseram que era para compra das acções (91%), mas agora falam que é para aplicar. Isto não está claro. Qual é o papel destes gestores não executivos. Se for para aplicar apenas, essa solução não resolve o problema da dívida”, sublinha.
Informações não oficiais avançadas pelo jornal SAVANA indicam que os 130 milhões de USD vão entrar directamente para a conta de investimentos da LAM e o Estado irá assumir as dívidas “tóxicas”. “É preciso clarificar a questão da dívida porque não há nenhum gestor que vá recuperar, em um ou dois anos, uma empresa aérea, particularmente num mercado pequeno como o moçambicano, com dívidas acumuladas do passado”, alerta Alves Gomes.
“O que vai fazer [o consultor], e que já o disseram os estudos do Banco Mundial e Ethiopian Airlines, é resolver as dívidas da LAM e quem tem de resolver é quem as fez, que é o Estado e o IGEPE não apresenta soluções para isso. Pode vir o melhor gestor do mundo, com esta situação é difícil resolver o problema. Essa nova gestão pode ter lucros operacionais, mas não vai resolver o problema da dívida, mesmo voando para Lisboa”, reitera.
De acordo com a nota de imprensa emitida na noite de sábado, a Knighthood Global tem como missão reestruturar a base financeira da LAM, alinhando-a com os padrões do sector, reduzindo o nível de endividamento e fortalecendo o seu perfil de investimento; e prestar suporte estratégico na avaliação, selecção e fornecimento de aeronaves adequadas às necessidades operacionais da companhia, contribuindo para a modernização e eficiência da sua frota.
Também deve implementar sistemas de tecnologia de informação, indicadores-chave de desempenho e mecanismos de engajamento com as partes interessadas, promovendo a transparência e alinhamento estratégico no processo de transformação da LAM; e prestar suporte no redimensionamento, adequação e optimização dos recursos humanos da empresa, para assegurar maior eficiência, eficácia e aumento da produtividade da mão-de-obra, com impactos na qualidade dos serviços prestados e nos resultados da companhia.
A LAM refere que o substituto da FMA tem larga experiência no lançamento, reestruturação e gestão de companhias aéreas, tendo tido intervenções bem-sucedidas na Air Tanzania, Air Malta, start–up Global Airlines, entre outras. A informação é ressaltada pelo portal luso de notícias sobre a aviação, Newsavia.com, que garante que uma das transformações mais notáveis da firma foi a criação de um plano de negócios para a nova companhia aérea nacional maltesa, a Air Malta.
Para além dos “bons feitos” da firma, há também bons testemunhos do seu líder. Morgan, um australiano, foi CEO da Etihad Airways, entre Setembro de 2006 e Setembro de 2017. Deixou a companhia após algumas aquisições (participações em companhias aéreas) terem fracassado, com destaque para Air Berlin e a Alitalia (já extinta), que perderam dinheiro e pressionavam os lucros da Etihad, de acordo com a agência de informação britânica Reuters.
A Reuters revela que, em 10 anos de gestão de James Hogan, a Etihad Airways “deixou de ser uma transportadora regional com 22 aeronaves para se tornar uma operação global com 120 aeronaves”.
“Seu crescimento ajudou a atrair visitantes para Abu Dhabi, à medida que o rico emirado, buscando diversificar sua economia baseada no petróleo, desenvolvia uma indústria de turismo”, acrescenta a agência de informação britânica, para quem “transformou a Etihad Airways numa rival agressiva da Emirates de Dubai e da Qatar Airways”.
Em 2011, por exemplo, a Etihad relatou o lucro de 14 milhões de USD; 42 milhões de USD para 2012; 73 milhões de USD, em 2014; e 103 milhões de USD, em 2015. Já em 2016, um ano antes de Morgan, a companhia registou um prejuízo líquido de 1,87 bilião de USD, um resultado influenciado por imparidades pontuais em aeronaves e investimentos de capital, de acordo com o portal aviator.