Lopes Tembe Ndelana, que faleceu na quarta-feira (04), aos 88 anos, vítima de doença, era um dos fundadores sobreviventes da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e, apesar do percurso épico, pautou o seu trajecto de vida pela humildade, probidade e afabilidade.
Egídio Guilherme Vaz Raposo, historiador, estratega de Comunicação e deputado na Assembleia da República pela bancada da Frelimo escreveu em sua página web: ”A sua vida foi marcada pelo rigor, pela modéstia e pelo compromisso com os valores de independência, unidade nacional e autodeterminação. Com a sua partida, Moçambique perde um dos últimos vivos da geração fundadora.”
Convidado por Carta a oferecer dados ou referências para um tributo devido a Lopes Tembe, com denodo José Óscar Monteiro forneceu-nas e pontuou: ”Vale a pena relevar o seu contributo. Foi um dos heróis discretos e sempre dedicados que fizeram este país”, categorizou o autor de ”De Todos Se Faz Um País”.
Nacionalista de primeira hora, tendo participado na criação da UDENAMO, um dos três movimentos que se fundiram para a criação da frente que derrubou o colonialismo português, Lopes Tembe não se aproveitou do estatuto para procurar os candelabros da visibilidade, mas não se furtou ao testemunho sobre a jornada heróica dos moçambicanos pela emancipação.
Porque não tinha nada a ocultar nem a omitir, recebeu jornalistas e investigadores na sua casa em Maputo, “depondo”, com simplicidade e modéstia, sobre o papel na luta de libertação nacional.
Também porque não havia nada a temer, Lopes Tembe Ndelana não declinava interpelações para dar o seu ponto de vista sobre o momento actual do país, quando era “travado” pela imprensa, à margem das reuniões magnas da Frelimo.
A 12 de junho de 2012, quando o Centro de Integridade Pública (CIP) lançou a base de dados de interesses empresariais, Lopes Tembe Ndelana foi um dos membros da Frelimo que se fez presente ao evento. Discreto, observador, ponderado e cordato, tomou parte de um evento de lançamento de um repositório e motor de busca que expunha os contraditórios e promíscuos interesses privados em conflito com cargos e responsabilidades públicas de seus camaradas.
“A base de dados de interesses empresariais permite fazer a ligação entre as elites e determinadas personalidades do elenco empresarial moçambicano que se aproveitam da sua influência política para fazer prosperar os seus negócios pessoais em situações de conluio (acordos desleais), que, em muitos casos, estão relacionados com o tráfico de influências que se pretende criminalizar com a revisão do código penal”, explicou Edson Cortez, na altura pesquisador sénior do CIP e coordenador da base de dados, hoje Director Executivo do CIP.
A presença de Lopes Tembe Ndelana mereceu elogios e reconhecimento de que fora dos raros frelimistas de primeira hora e de todas as horas que nunca se chafurdou nesse lodaçal de lama da locupletação produto do saque ao erário e a res publica. Nos antípodas desse direito natural de abocanharem o que é de bem comum, nesmo sendo um dos poucos membros fundadores sobreviventes, nunca disputou parangonas, com comentários sensacionalistas, enveredando sempre por relatos sóbrios sobre o seu protagonismo no processo histórico moçambicano.
Durante os anos mais difíceis da luta anticolonial, participou em actividades clandestinas, tendo sido um dos rostos mais respeitados entre os jovens militantes da resistência.
Após a proclamação da independência, em 1975, Lopes Ndelana assumiu funções no aparelho do Estado, destacando-se como chefe do Protocolo de Estado e deputado da Assembleia Popular, entre 1977 e 1994. Serviu como embaixador extraordinário e plenipotenciário em países estratégicos para a política externa moçambicana, como a China, Coreia do Norte, Japão, Paquistão, Zimbabwe, Botswana e Suazilândia (Eswatini).
Homem de pensamento e memória, foi autor do livro “Da UDENAMO à FRELIMO e à Diplomacia Moçambicana”, obra de referência que documenta, em primeira pessoa, o percurso histórico e diplomático do país nas suas fases mais críticas e transformadoras.
Com a sua partida, Moçambique perde um dos últimos vivos da geração fundadora. Lopes Tembe Ndelana, nascido em Maputo a 20 de Março de 1937, será recordado como combatente da liberdade, diplomata íntegro e construtor da nação. (Carta)