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18 de Março, 2025

Venâncio Mondlane e a União Africana: O Silêncio Que Mata

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Imagine um jogo de xadrez em que um dos jogadores nunca mexe suas peças. Ele senta, observa, suspira de vez em quando, mas nunca move um peão sequer. Se perguntarmos a ele por que não joga, talvez ele diga que está “avaliando a situação” ou que “a diplomacia exige paciência” ou espera que alguém com alguma relevância diga o que deva fazer. Esse jogador fantasma poderia muito bem ser a União Africana (UA), que nos momentos mais cruciais, em que esperávamos um xeque-mate contra injustiças, limita-se ao mais perfeito e metódico silêncio. Depois do processo de descolonização física, parece ter entrado num sono profundo que promete ser despertado. Podemos ouvir pálidos gritos do Professor Lumumba, mas, nada mais grita… faz frio ali do alto onde os pequenos demiurgos em fatos presidenciais passeiam com o seu séquito.

Um Silêncio com Eco

Nos últimos anos, a UA tem sido notória por seu silêncio seletivo. Golpes de Estado? Silêncio. Violações dos direitos humanos? Silêncio. Eleições questionáveis? Um leve murmúrio, seguido por mais silêncio. Se não fosse pela ocasional condenação genérica emitida em documentos que parecem escritos por inteligência artificial dos anos 90, até esqueceríamos de sua existência. Esperam novamente que lhe diga o que fazer como no caso Gaddafi?

Agora, vejamos Moçambique

Venâncio Mondlane, figura central das recentes eleições moçambicanas, teve seu nome varrido da cena política como se fosse poeira num canto incômodo. Acusações de fraudes, repressão a opositores, protestos violentamente contidos – ingredientes suficientes para um escândalo internacional. Mas, da União Africana? Nada. Nem um pio. Se houvesse um campeonato mundial de omissão, a UA seria a campeã invicta. Ou aguarda impaciente para que escrevam uma nota de pesar?

A União Africana Serve Para Quê?

Filosofemos: se uma organização continental não intervém em situações de crise, qual é sua finalidade? Aristóteles nos ensinou que tudo tem um telos, um propósito. O telos de um leão é caçar. O telos de uma caneta é escrever. O telos da União Africana… bem, até agora, parece ser organizar cúpulas de líderes onde todos tiram fotos sorridentes e assinam declarações vazias.

Mas por que essa inércia? A resposta está, como sempre, no dinheiro.

Quem Financia a União Africana?

Se seguirmos o rastro do dinheiro, descobrimos algo interessante: a maior parte do financiamento da UA vem de fora da África. Em 2022, mais de 60% do orçamento da organização foi bancado por doadores externos – União Europeia, China, Banco Mundial, e por aí vai. Ora, quem paga a orquestra escolhe a música. E quem paga a União Africana tem seus interesses, que nem sempre coincidem com os dos cidadãos africanos.

Achille Mbembe nos ensina que vivemos sob a necropolítica, onde os Estados decidem quem vive e quem morre. A omissão da UA não é um acaso: é parte do mesmo sistema que trata a vida africana como descartável. Kwame Nkrumah, por outro lado, sonhava com um pan-africanismo forte, onde os africanos controlariam seu próprio destino. Mas enquanto a UA continuar sendo financiada por fora, sua autonomia será uma miragem.

Se a UA não responde aos clamores populares por justiça, talvez seja porque não são esses clamores que sustentam sua existência. Numa democracia ideal, as instituições representam o povo. Mas quando a fonte de recursos vem de fora, a lealdade se desloca.

E Agora?

Se um dia a UA quiser ser levada a sério, precisará recuperar sua independência financeira e ideológica. Até lá, continuará sendo esse jogador de xadrez que nunca mexe as peças – esperando o jogo acabar sem nunca ter participado dele. E Venâncio Mondlane, como tantos outros antes dele, segue como mais uma peça sacrificada num tabuleiro onde as regras já foram escritas antes mesmo da partida começar.

O povo continuará a morrer – não apenas sob balas, mas também sob o peso do silêncio cúmplice. Porque a verdade é dura: muitos dos presidentes africanos não têm moral para condenar fraudes e repressão. Sabem que se apontarem o dedo para Moçambique, acordam os seus próprios VM7’s, que dormem apenas à espera do momento certo para se levantar.

Mas agora que Mondlane se mantém de pé, que faz do tribunal palco e do palco tribunal, será que ele conseguirá transformar esse jogo kafkiano num xeque-mate inesperado? Ou o outro lado, que cospe fogo e manipula as regras do jogo, já decidiu o resultado?

Quid iuris? Ou melhor: quando até a justiça é uma peça do jogo, quem ainda tem coragem para mover um peão?

*Ivanick Lopandza é um jovem intelectual, poeta e activista social santomense, com ADN paternal congolês, membro fundador do colectivo Ilha dos Poetas Vivos em São Tomé no ano de 2022, com seus companheiros santomenses Marty Pereira, Remy Diogo e moçambicano MiltoNeladas (Milton Machel). Autor de livros de poesia, Ivanick é também bloguista, curando seu blogue Lopandzart.

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