As VII Eleições Gerais e IV Provinciais, consideradas as mais fraudulentas da história do país, voltaram a ser tema de debate, desta vez, na cerimónia de abertura do Ano Judicial de 2025. Procuradores e Advogados defendem a adopção do Código Eleitoral e a despartidarização do Conselho Constitucional, como forma de garantir credibilidade e estabilidade no sistema eleitoral.
Segundo o Procurador-Geral da República, Américo Julião Letela, os acontecimentos vividos recentemente, em todo o país, “desafiam-nos a acelerar a reforma da legislação eleitoral”, avançando para a “adopção de um verdadeiro código eleitoral”, que garanta a unicidade, sistematização e estabilidade, não só das normas, como também das instituições do sistema eleitoral.
“Não podemos permitir que em todos os pleitos eleitorais passemos por convulsões sociais que muitas vezes resvalam para comportamentos que configuram crimes, com consequências graves para a vida dos cidadãos e para a consolidação da nossa democracia”, defendeu o Procurador-Geral da República, para quem a sociedade tudo deve fazer para que o respeito pela dignidade da vida humana e das instituições preval__eça. “Não se pode corrigir uma injustiça recorrendo a outra injustiça!”, defende.
Moçambique viveu a maior crise pós-eleitoral da sua história democrática, caracterizada por protestos populares aos resultados oficiais, que culminaram com a morte de pelo menos 300 pessoas, entre civis e agentes da Polícia, e a destruição de infra-estruturas públicas e privadas.
Já o Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Carlos Martins, defende ser tempo de se “despartidarizar” o Conselho Constitucional, reduzindo-se o número de juízes conselheiros designados pela Assembleia da República, permitindo-se a sua designação por outras entidades.
“É incontornável uma discussão franca, aberta e urgente sobre a revisão constitucional, desde logo, quanto ao modo de designação dos Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional, em que cinco dos sete juízes são designados pela Assembleia da República, segundo o critério da representação proporcional”.
Para Carlos Martins, os membros do Conselho devem ser eleitos pelos Conselhos Superiores das Magistraturas Administrativa e do Ministério Público e organizações relevantes profissionais da sociedade, como é o caso da própria Ordem dos Advogados, “afastando-se as inevitáveis desconfianças da sociedade sobre a integridade e imparcialidade deste pilar essencial do Estado de Direito Democrático, que é a justiça constitucional, com reflexos no seu prestígio e imagem”.
O Conselho Constitucional é composto, actualmente, por sete juízes, sendo um nomeado pelo Presidente da República (que preside o órgão), um designado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial e cinco eleitos pela Assembleia da República, com base no critério de representação proporcional.
Assim, para o actual mandato (que termina em Junho de 2029), a Frelimo elegeu três juízes, enquanto a Renamo elegeu dois. No entanto, um dos juízes eleito pela Frelimo, Mateus Saize, foi nomeado, na semana finda, para ocupar o cargo de Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, quase um mês depois de ter validado as polémicas eleições.
Por sua vez, o Presidente do Tribunal Supremo, Adelino Muchanga, exige a clarificação do “papel de cada interveniente no contencioso das eleições”, de modo a se garantir a efectiva realização da justiça eleitoral, preservando a harmonia entre os princípios estruturantes do Estado de Direito Democrático”.
“O equilíbrio entre a segurança jurídica e a justiça material deve permanecer como bússola orientadora de qualquer reforma, de modo a assegurar que as instituições judiciais possam cumprir cabalmente a sua missão, em benefício da legalidade democrática e da confiança dos cidadãos nas instituições”, sublinhou.
Já Daniel Chapo, eleito Presidente da República nas polémicas eleições, convida o judiciário para se juntar ao processo de reforma do pacote eleitoral, alegadamente porque “tem um papel crucial”. “Efectivamente, a integridade e transparência do processo eleitoral constituem pilares das democracias representativas, como a que estamos a edificar em Moçambique, e não podemos falar de uma democracia plena sem um processo eleitoral que seja claro, justo e acessível a todos”, defendeu.
O Chefe de Estado sublinha haver necessidade de se assegurar que as regras democráticas “sejam respeitadas e que os cidadãos possam depositar plena confiança nas instituições judiciárias, como garantes legítimos da integridade e transparência do processo democrático”.
Refira-se que as Eleições Gerais de 09 de Outubro foram caracterizadas pela publicação de resultados com dados diferentes sobre o número de votantes entre as eleições provinciais, legislativas e presidenciais, num cenário em que o eleitor recebe todos os boletins eleitorais ao mesmo tempo, no acto da votação.
As discrepâncias foram justificadas como tendo sido originadas pela falsificação de editais e actas pelas Comissões Distritais de Eleições, segundo Conselho Constitucional, porém, o processo foi validado pelos juízes do Conselho Constitucional sob alegação de que as irregularidades verificadas não influenciaram substancialmente no resultado. (A.M.)