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quarta-feira, 15 junho 2022 08:14

Café salva Serra da Gorongosa, floresta única em Moçambique

As encostas da Serra da Gorongosa, localizada no centro de Moçambique, no parque nacional do mesmo nome, já foram cobertas por uma floresta tropical verdejante, a única no país. Durante a guerra dos 16 anos e o conflito que se seguiu (2013 ∕2019), os rebeldes da Renamo usaram a serra como base e fortaleza, e exploraram os recursos naturais do parque à beira do colapso ambiental.

 

Quilómetros de encostas foram limpos, dando lugar a terras secas onde apenas gramíneas e arbustos crescem. Mas, nos últimos anos, a floresta renasceu graças a uma cultura praticamente desconhecida até agora em Moçambique: o café.

 

A serra da Gorongosa foi praticamente dizimada pela desflorestação durante as últimas décadas, pelo que a plantação de café contribui para a sua reflorestação, devolvendo o equilíbrio ao ecossistema e garantindo em simultâneo a subsistência dos agricultores e trabalhadores locais.

 

"O café precisa de sombra para crescer. Então, para cada cafeteira, plantamos outra árvore", explica Juliasse Samuel Sabão, funcionário do parque, a partir de um ponto onde se vê uma floresta espessa e acres de plantas de café sabiamente alinhadas, a uma altitude de mil metros.

 

Fugindo da guerra civil (1975-1992) que deixou um milhão de mortos após a independência nacional, Juliasse descobriu o cultivo de café no vizinho Zimbabwe. Há dez anos, ele cuida das plantações da Serra da Gorongosa, que permaneceram inacessíveis por anos. Vinte anos após a guerra civil, Moçambique viveu um novo conflito entre os homens armados da Renamo e o governo, que durou até 2019.

 

O local tem sido uma fortaleza rebelde. E durante todos esses anos, o maciço serviu como um reservatório de recursos naturais. Os combatentes limparam a floresta para cultivar a terra e garantir o seu sustento, alguns dos quais ainda vivem nas montanhas.

 

"Nomadismo agrícola"

 

Na véspera do último conflito, o director do parque, Pedro Muagara, engenheiro agrónomo por formação, havia plantado as primeiras árvores de café. Em seu retorno, as plantas floresceram na indiferença dos ocupantes do local, a maioria milicianos e suas famílias.

 

"Essas pessoas dependem da agricultura de subsistência, porque não podem pagar máquinas como tractores, e isso cria nomadismo agrícola", diz Muagara.

 

"Eles limpam várias áreas e o desmatamento priva o solo dos seus nutrientes. A terra está a ficar mais pobre, eles vão então limpar outra terra", continua. Mas "quando perdem uma árvore, é o seu próprio sustento que perdem com ela."

 

Na tentativa de incluir os moradores da montanha, o projecto intercala o cultivo de café, que leva vários anos para dar as primeiras sementes, com culturas alimentares essenciais.

 

Tendo em conta os resultados obtidos, o projecto de produção de café no Parque Nacional da Gorongosa é um dos maiores casos de sucesso de recuperação da vida selvagem em África.

 

Tem como objectivo a implementação de um sistema de produção de café sustentável, mitigando os efeitos da desflorestação e das alterações climáticas, a promoção do agro-negócio e o aumento do rendimento e a segurança alimentar das famílias rurais.

 

O projecto tem promovido, em particular, o envolvimento das mulheres, pelo seu papel fundamental para o sustento das famílias. Algumas dezenas de trabalhadores locais estão a colaborar com o projecto, o que tem permitido não só a sua aprendizagem e envolvimento no plantio de café e de arvores nativas, bem como a obtenção de rendimento para as famílias.

 

O Banco Mundial diz que Gorongosa tem agora cerca de 300.000 pés de café, bem como 400.000 cajueiros, 400 colmeias e 300 novos empregos e beneficiando 200.000 habitantes da região. O café da Gorongosa é exportado para todo o mundo, com os lucros reinvestidos na plantação.

 

O renascimento da floresta reflecte o maior renascimento da Gorongosa, ao abrigo de uma parceria de 20 anos estabelecida em 2008 entre Moçambique e a fundação do filantropo americano Greg Carr. O programa também está alinhado com o objectivo do governo de melhorar a agricultura e ir além das exportações de matérias-primas brutas, disse Celso Correia, ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

 

“Um dos maiores desafios do sector agrícola é a falta de mecanização e a necessidade de transferência de tecnologia. A prioridade é mobilizar recursos, mas também melhorar a mobilidade, desenvolvendo infra-estrutura e transporte, para que possamos melhorar a cadeia de valor”, disse Correia.

 

Com a guerra na Ucrânia, "a inflação dos preços dos produtos também está a afectar Moçambique. Precisamos de aliviar essa pressão...e aumentar a produção. A agricultura é um sector essencial, não podemos depender de projectos internacionais, devemos ser auto-suficientes", acrescentou Celso Correia.

 

O café da Gorongosa, cujas vendas são inteiramente doadas para o projecto apoiado pelo milionário e filantropo americano Greg Carr, agora é exportado para os quatro cantos do mundo. De acordo com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), cerca de 70% dos moçambicanos trabalham no sector agrícola, mas apenas 16% das terras aráveis são cultivadas. (Carta)

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