As encostas da Serra da Gorongosa, localizada no centro de Moçambique, no parque nacional do mesmo nome, já foram cobertas por uma floresta tropical verdejante, a única no país. Durante a guerra dos 16 anos e o conflito que se seguiu (2013 ∕2019), os rebeldes da Renamo usaram a serra como base e fortaleza, e exploraram os recursos naturais do parque à beira do colapso ambiental.
Quilómetros de encostas foram limpos, dando lugar a terras secas onde apenas gramíneas e arbustos crescem. Mas, nos últimos anos, a floresta renasceu graças a uma cultura praticamente desconhecida até agora em Moçambique: o café.
A serra da Gorongosa foi praticamente dizimada pela desflorestação durante as últimas décadas, pelo que a plantação de café contribui para a sua reflorestação, devolvendo o equilíbrio ao ecossistema e garantindo em simultâneo a subsistência dos agricultores e trabalhadores locais.
"O café precisa de sombra para crescer. Então, para cada cafeteira, plantamos outra árvore", explica Juliasse Samuel Sabão, funcionário do parque, a partir de um ponto onde se vê uma floresta espessa e acres de plantas de café sabiamente alinhadas, a uma altitude de mil metros.
Fugindo da guerra civil (1975-1992) que deixou um milhão de mortos após a independência nacional, Juliasse descobriu o cultivo de café no vizinho Zimbabwe. Há dez anos, ele cuida das plantações da Serra da Gorongosa, que permaneceram inacessíveis por anos. Vinte anos após a guerra civil, Moçambique viveu um novo conflito entre os homens armados da Renamo e o governo, que durou até 2019.
O local tem sido uma fortaleza rebelde. E durante todos esses anos, o maciço serviu como um reservatório de recursos naturais. Os combatentes limparam a floresta para cultivar a terra e garantir o seu sustento, alguns dos quais ainda vivem nas montanhas.
"Nomadismo agrícola"
Na véspera do último conflito, o director do parque, Pedro Muagara, engenheiro agrónomo por formação, havia plantado as primeiras árvores de café. Em seu retorno, as plantas floresceram na indiferença dos ocupantes do local, a maioria milicianos e suas famílias.
"Essas pessoas dependem da agricultura de subsistência, porque não podem pagar máquinas como tractores, e isso cria nomadismo agrícola", diz Muagara.
"Eles limpam várias áreas e o desmatamento priva o solo dos seus nutrientes. A terra está a ficar mais pobre, eles vão então limpar outra terra", continua. Mas "quando perdem uma árvore, é o seu próprio sustento que perdem com ela."
Na tentativa de incluir os moradores da montanha, o projecto intercala o cultivo de café, que leva vários anos para dar as primeiras sementes, com culturas alimentares essenciais.
Tendo em conta os resultados obtidos, o projecto de produção de café no Parque Nacional da Gorongosa é um dos maiores casos de sucesso de recuperação da vida selvagem em África.
Tem como objectivo a implementação de um sistema de produção de café sustentável, mitigando os efeitos da desflorestação e das alterações climáticas, a promoção do agro-negócio e o aumento do rendimento e a segurança alimentar das famílias rurais.
O projecto tem promovido, em particular, o envolvimento das mulheres, pelo seu papel fundamental para o sustento das famílias. Algumas dezenas de trabalhadores locais estão a colaborar com o projecto, o que tem permitido não só a sua aprendizagem e envolvimento no plantio de café e de arvores nativas, bem como a obtenção de rendimento para as famílias.
O Banco Mundial diz que Gorongosa tem agora cerca de 300.000 pés de café, bem como 400.000 cajueiros, 400 colmeias e 300 novos empregos e beneficiando 200.000 habitantes da região. O café da Gorongosa é exportado para todo o mundo, com os lucros reinvestidos na plantação.
O renascimento da floresta reflecte o maior renascimento da Gorongosa, ao abrigo de uma parceria de 20 anos estabelecida em 2008 entre Moçambique e a fundação do filantropo americano Greg Carr. O programa também está alinhado com o objectivo do governo de melhorar a agricultura e ir além das exportações de matérias-primas brutas, disse Celso Correia, ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural.
“Um dos maiores desafios do sector agrícola é a falta de mecanização e a necessidade de transferência de tecnologia. A prioridade é mobilizar recursos, mas também melhorar a mobilidade, desenvolvendo infra-estrutura e transporte, para que possamos melhorar a cadeia de valor”, disse Correia.
Com a guerra na Ucrânia, "a inflação dos preços dos produtos também está a afectar Moçambique. Precisamos de aliviar essa pressão...e aumentar a produção. A agricultura é um sector essencial, não podemos depender de projectos internacionais, devemos ser auto-suficientes", acrescentou Celso Correia.
O café da Gorongosa, cujas vendas são inteiramente doadas para o projecto apoiado pelo milionário e filantropo americano Greg Carr, agora é exportado para os quatro cantos do mundo. De acordo com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), cerca de 70% dos moçambicanos trabalham no sector agrícola, mas apenas 16% das terras aráveis são cultivadas. (Carta)