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12 de May, 2025

Governo de Chapo copia Angola e Ruanda, e asfixia sociedade civil

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O Governo de Daniel Chapo já elaborou a proposta de “Mecanismos de Coordenação e Acompanhamento das Actividades das Organizações Não-Governamentais em Moçambique”. É um passo decisivo rumo a introdução de um instrumento que as organizações da sociedade civil já repudiaram e que prometem combater de todas as formas legais, dentro e fora do país.

A proposta, ou “draft”, como o executivo designa o documento, expressamente em inglês, concretiza uma informação que o Presidente da República, Daniel Chapo, e o porta-voz do Conselho de Ministros, Inocêncio Impissa, já haviam adiantado em Março último. O mais intimidante no documento é que Angola e Ruanda, países hostis a uma sociedade civil independente, são expressamente referidos na proposta como inspiração para alguns aspectos do até agora “draft”.

O documento preconiza fórmulas consideradas draconianas pela sociedade civil, como – ipsis verbis – “maior controlo sobre o espaço cívico e o discurso público, especialmente em contextos em que algumas ONG têm agendas políticas ou activistas”, no tópico sobre “regulação e controlo político”. Deve-se ainda “assegurar o reforço da autoridade do Estado sobre os actores não-estatais que operam no país”, garantir que todas as acções no território estejam alinhadas com as prioridades e políticas nacionais, e assegurar que as actividades das ONG estejam alinhadas com os programas e planos nacionais de desenvolvimento”.

A proposta defende ainda que deve ser evitada a duplicação de esforços, advogando que o trabalho das ONG tem de ser orientado para a promoção de uma distribuição equitativa e equilibrada de apoio no território nacional. O trabalho das organizações da sociedade civil não tem de ser visto como estando em concorrência com as acções desenvolvidas pelo Governo, lê-se no texto.

Pretende-se ainda garantir maior prestação de contas das ONG, especialmente no uso de fundos e na planificação e programação, controlo sobre fluxos financeiros externos e ajuda no combate à corrupção e má gestão, assegurar a coordenação na colecta e gestão de dados sobre as actividades, resultados e impacto das ONG e melhor planificação e resposta a crises, como desastres naturais, pandemias, conflitos.

Os “Mecanismos de Coordenação e Acompanhamento das Actividades das Organizações Não-Governamentais em Moçambique” visam ainda o fortalecimento da capacidade institucional e redução da percepção de dependência de ajuda externa e o reforço da posição do governo perante os parceiros financiadores das ONG.

No referido “draft”, o executivo entende que algumas organizações da sociedade civil podem estar a ser politicamente instrumentalizadas, comprometendo assim a sua vocação, independência e credibilidade. Considera também que a estabilidade política é um requisito que favorece a actuação das ONG e uma mudança política pode impactar no financiamento e na regulamentação das ONG.

Por outro lado, a relação com o Governo enfrenta desafios, especialmente em áreas sensíveis como direitos humanos, democracia e governança. Para o executivo de Daniel Chapo, a concorrência por financiamento, com o aumento do número das ONG, pode tornar a captação de recursos mais desafiadora. Verifica-se uma ausência de transparência no uso dos recursos e há a necessidade de actuar nos territórios onde há maior demanda, segundo o executivo. Existe ainda o risco de actividades ilícitas ou não recomendáveis, que podem pôr em causa a integridade territorial, a estabilidade e a unidade nacional, defende o documento.

“Repudiamos este mecanismo!”

Uma activista social disse à “Carta” que as organizações da sociedade civil já manifestaram a sua contestação junto do Governo sobre o aludido mecanismo e prevê-se um encontro entre as partes na próxima semana.

Em entrevista ao nosso jornal, em Março último, Paula Monjane, então directora-executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), considerou que o actual executivo de Daniel Chapo dá um sinal de que os governos da Frelimo estão a flectir em direcção a tendências autoritárias e de policiamento das ONG.

“Eu, pessoalmente, recebo esta pretensão [de introduzir o mencionado mecanismo] com desconfiança e, também, com um pouco de sarcasmo, ao mesmo tempo. Desconfiança, porque a intenção de controlo das organizações da sociedade civil não é nova. Se estamos lembrados, o anterior governo da Frelimo, há cerca de dois anos, tentou passar uma proposta de lei das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos totalmente draconiana. Uma proposta de lei considerada draconiana pelas Nações Unidas, União Africana e pelo próprio parlamento moçambicano, que fez uma consulta ampla e concluiu, realmente, que a proposta violava os direitos fundamentais dos cidadãos de se associarem, desde o controlo de um direito privado de se associar até à ‘admnistratização’ das organizações sem fins lucrativos”, declarou na altura.

Aquela activista social assinalou que a intenção é “administratizar” e até a expropriar, porque, agora, há um elemento novo: expropriação de recursos. “Sendo instituições de direito privado e não recebendo, muitas delas ou quase todas, recursos do Estado, onde entra o governo no meio desse controlo? Não entra. Este impulso por parte do executivo gera a desconfiança de que pretende controlar as organizações e, particularmente, aquelas que trabalham na área da governação e advocacia. O sarcasmo com que eu encaro este propósito tem a ver com a exequibilidade deste objectivo. Parece que não se entende o sector de actuação das organizações da sociedade civil sem fins lucrativos”.

Dados constantes do documento sobre “Mecanismos de Coordenação Acompanhamento das Actividades das Organizações Não-Governamentais em Moçambique” referem que o país conta com 552 ONG Internacionais e cerca de 6.906 pessoas colectivas sem fins lucrativos e que actuam em áreas de interesse social, das quais 6.746 revestem a forma jurídica de associações e 160 a forma de fundações.

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