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24 de Janeiro, 2025

Fase Turbo V8 Venancista deixou histórico bairro em escombros: Patrice Lumumba, zona de guerra – conta Marta Afonso

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Marta Afonso (MA), repórter e redactora de ”Carta”, e Albino Mahumana, repórter fotográfico freelancer e nosso colaborador permanente, percorreram as artérias, esquinas, becos e arrabaldes do famoso bairro Patrice Lumumba, no Posto Administrativo da Machava, município da Matola. Em dois dias de imersão profunda, a equipa de reportagem empreendeu uma corajosa descida ao abismo das manifestações violentas, suas querelas e sequelas provocadas pelos actos de vandalismo, pilhagem e saque que deixaram o bairro sem praticamente toda a espinha dorsal do seu tecido económico, na semana da famigerada Fase Turbo V8 convocada pelo candidato Venâncio Mondlane Jr., nas suas transmissões em directo do estrangeiro, para que o povo se levantasse contra os promulgados resultados das eleições de 09 de Outubro de 2024. A reportagem, propriamente dita, será publicada amanhã, sábado, na edição número 20 do nosso e-paper semanal: ”Carta da Semana”. Fica, nas linhas a seguir, a transcrição da narração em áudio, em jeito de notas da reportagem que MA fez, esta semana, durante dos dois dias de mergulho no pulmão, coração e útero do histórico bairro com nome do revolucionário líder independentista congolês Patrice Emery Lumumba. Uma crónica nua e crua, pura e dura, qual autópsia de uma certa necropolítica, maior característica do Processo Revolucionário em Curso (PREC) Venancista:  
 
Estou um pouco cansada, depois de andar quase boa parte do Patrice. Consegui fazer uma ronda por quase todo o mercado para perceber, mais ou menos, até que ponto foi este cenário de destruição. Ya, de facto aquilo está totalmente destruído, totalmente! O que está a funcionar neste momento é praticamente o comércio informal, digamos, aquele em que só as mamanas das banquinhas estão a tentar fazer a sua vida ganhando alguma moeda vendendo mais legumes, essas coisinhas. Um e outro carro vem ali para vender outros produtos de primeira necessidade, digamos: Omo, sabão, óleo. Devem ser as ditas mukheristas, estão a aproveitar-se da situação. 
 
De facto, já não há bombas (de combustível), as pessoas para conseguirem abastecer são obrigadas a ir para os outros bairros. As duas bombas que lá existiam foram totalmente destruídas. O BIM que existia lá, já não está a funcionar, mas estão a reabilitar. O BCI já conseguiu reabilitar-se, e reabriu as suas portas. Um e outro comerciante, donos dos contentores, estão a tentar reabilitar (seus estabelecimentos) para ver se retomam o comércio. Alguns até dizem que, epá, optaram mesmo por desistir, como os donos (proprietários) da pastelaria; relatos são de que acabaram desistindo mesmo daquilo. 
  
Mas encontrei também, aliás, tentei falar com as autoridades daquele bairro, têm umas instalações do município dentro do mercado. Eles deram tantas voltas que acabaram dizendo que ”não, não podemos falar, porque os dados que podemos dar, vocês porque não sei o quê…”. Foi muita coisa, que acabei não insistindo…. Recomendaram-nos até a ir à Machava, na sede de não sei o quê, para submeter o pedido; isso pode levar uns tantos ‘’séculos’’, que se calhar a matéria pode sair muito antes disso. 
 
Encontrei também alguns empreendedores a tentarem se reerguer, a fazerem limpeza, a tentarem remover uma e outra coisa, para tentarem reiniciar os seus negócios. Consegui conversar com alguns. Mas, facto curioso, é a história que eu ouvi de dois senhores que estão assim próximos, lá dentro do mercado do Patrice. Um conseguiu contar um pouco sobre as manobras que teve de fazer para conseguir salvar o seu negócio. 
 
Então, ele não sofreu a vandalização, tantos sofreram, mas ele não sofreu, conseguiu fazer umas manobras e diz que neste momento (risos…) está a dormir até por cima dos sacos de feijão e sacos de amendoim dentro da sua casa, porque não tem onde pôr o seu produto e a cada dia ele é obrigado a acordar e levar um ou dois sacos ao mercado para vender…. Está a ser dispendioso para ele, porque tem de estar a alugar o transporte, ir levar o produto em casa, trazer no mercado, o que sobrar devolver, porque ainda estão com aquele receio de que a situação pode vir a piorar…
 
 
Então, conversei também com um senhor, quando me contaram a estória dele disseram-me que foi o único que não sofreu a vandalização ali no Patrice…único com uma loja bem grande, mas que não sofreu a vandalização… populares contaram que não sofreu a vandalização porque, em algum momento a população protegeu o estabelecimento dele… e relatos que nos deram, né, eram de que protegeram as instalações do senhor porque é um revendedor de gás, ele tem um estabelecimento grande, com mais de 3000 botijas de gás, vende gás para boa parte das famílias do Patrice… então a população em algum momento conta que tiveram de proteger o sítio dele, com medo de se invadir, queimar e aquilo provocar uma grande explosão no mercado que se calhar iria trazer um impacto maior. 
 
Mas, tudo bem, o que eu fiz, depois de ouvir essa versão da população? Corri atrás do senhor, procurei por ele, ele não está no Patrice agora, não está no mercado, não abre o seu estabelecimento. Fiz de tudo para o encontrar, fui encontrar-me com ele no Bairro São Dâmaso, fui atrás dele, eu queria entender a estória dele, porque chamou-me à atenção: um mercado onde todo o mundo sofreu e ele foi o único, porquê, o que é que aconteceu, o que ele teria feito para conseguir salvar o seu património. Então, quando cheguei, conversei com o senhor, contei-lhe um pouco daquilo que eu ouvi da população do Patrice. E o senhor disse: ‘’não, não, não Marta, não é bem assim, não é bem essa estória que estão a contar-lhe. A protecção feita ao meu estabelecimento custou-me uma fortuna, custou-me uma verdadeira fortuna. Mas eu protegi por duas coisas: primeiro porque tive medo de perder a mercadoria que eu tinha, tinha mais de 3 mil botijas de gás e, para retomar este tipo de negócio, seria muito difícil para mim…’’ 
 
Adquirir só uma botija de gás nas bombas, ele fala de mais ou menos dois mil e oitocentos. Mais gás, ele fala de por aí 3 (mil) e tal. Então para reiniciar esse negócio seria tao difícil para ele, por essa razão que ele deu unhas e garras para proteger o seu negócio. Dois, diz que protegeu o seu negócio com unhas e dentes porque o estabelecimento comercial de venda de gás do Patrice; ele diz que é o maior que ele tem, de vários, tem outros nas residências de algumas pessoas, distribuídas por aí. Mas ali é o estabelecimento maior que ele tem, de distribuição de gás. Protegeu também porquê? Porque o gás que ele vende, ele diz que não vai à Galp ou à Petrogás, ou não sei, à My Gas adquirir. Ele não leva um dinheiro e chegar a dizer: eu preciso de mil botijas de gás, duas mil, não! A Galp, a Petrogás, a My Gas fornecem-lhe gás, uma boa quantidade, e ele tem de vender e tirar a sua parte e pagar posteriormente a esses fornecedores. Portanto, ele diz que preferiu proteger isso com unhas e garras porque tinha acabado de receber uma mercadoria equivalente a mais de 500 mil (meticais) para a Galp, mais de 500 mil para a Petrogás.
 
Perdendo a mercadoria, perdendo aquele gás todo, ele não teria como pagar aos fornecedores, o que lhes devia de certa forma. Então, ele teve de tirar 400 mil, ele até fala de muito mais do que isso, mas diz que o dinheiro que tirou cash, assim vivo, na hora, foram 400 mil, que ele teve de dar aos manifestantes, mas negociou com o chefe dos manifestantes, porque os manifestantes tinham um chefe, tinham o líder, tinham alguém que liderava o grupo. Conseguiu primeiro negociar com os manifestantes, disseram ‘’não, aqui a negociação não tem de ser connosco, tem de ser com o nosso líder’’; tiveram de chamar o tal líder ou os tais líderes. Negociou, deu aquele valor, quatrocentos mil (meticais), mas, com o tempo foi dando outro valor, os 400 mil ele só deu no dia 23, dia do anúncio dos resultados, e de 23 até por aí 30 a 31 (de Dezembro), ele foi tirando mais algum à medida que ameaçavam de entrar novamente no estabelecimento do senhor.
 
Então, ele foi tirando, foi tirando, foi tirando, faltando mais ou menos uns dois dias (ele fala de dois dias), não me recordo bem para o quê, mas anotei em algum sítio. Quando a situação se acalmou um bocadinho, acho que foi num final de semana depois de o Venâncio ter anunciado a retoma da vida normal, ele aproveitou-se desse dia e alugou um carro, do seu jeito conseguiu penetrar com o carro até ao estabelecimento dele, porque está lá dentro do mercado, e conseguiu retirar as 3 mil botijas de gás, as mais de 3 mil. Diz que neste momento as botijas estão espalhadas, teve de alugar casas para guardar as botijas, estão espalhadas por aí, o negócio dele continua, mas de uma forma, ya, não muito boa.
 
Conta também que, para além de ter de proteger ali, está com uma dívida gigante com a CDM, porque invadiram um suja bottle store no São Dâmaso, onde conseguiram tirar tudo, onde conseguiram tirar toda a cerveja; e boa parte da cerveja, diz que a 2M deu-lhe para vender e posteriormente ele teria de pagar. Neste momento ele está com uma dívida gigantesca com a 2M. Ele diz que praticamente é impossível pagar aquela dívida, mas vai fazer um esforço, conseguiu negociar com a 2M, porque a 2M lhe fornece há muito tempo; e a 2M disse que ele devia pagar pelo menos 500 mil mensais. eEe diz que está a tentar, este ainda é o primeiro mês, e está a fazer todo o esforço para conseguir pagar. Então, a vida no Patrice não é mais a mesma, as pessoas agora, para comprar, têm de ir ao Zimpeto, têm de ir não sei aonde, as pessoas dizem que não sabem sequer onde vão comprar um simples saco de arroz, uma botija de gás, quando acabar…   

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