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4 de Fevereiro, 2025

Tensão pós-eleitoral: Esquadrões de morte ressurgem no país

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Moçambique vive, desde finais de Outubro último, momentos de tensão, após a divulgação dos resultados das eleições presidenciais, legislativas e provinciais de 2024. Entretanto, após o anúncio dos resultados preliminares eleitorais pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que deram vitória ao candidato da Frelimo, Daniel Francisco Chapo, observou-se o ressurgimento dos esquadrões de morte, cuja missão é “matar em nome da defesa dos chefes”.

 

A escalada dos esquadrões da morte começou na fatídica noite do dia 18 de Outubro de 2024, quando o país foi surpreendido com os corpos do advogado Elvino Dias e do mandatário do partido PODEMOS, Paulo Guambe, crivados com 25 balas e abandonados na Avenida

 

Joaquim Chissano. Desde então, os assassinatos nunca pararam, embora tivessem sido pouco divulgados.

 

O cenário repetiu-se em vários bairros, especialmente em Maxaquene, T-3, Polana-Caniço, Luís Cabral e Machava Socimol, atingindo principalmente a camada jovem, com preferência por pessoas do sexo masculino.

 

Com o anúncio das manifestações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, que ocorreram em quatro fases, de 21 de Outubro a 16 de Janeiro de 2024, em contestação aos resultados eleitorais, a Plataforma Eleitoral Decide contabilizou cerca de 315 mortes em todo o país, sendo que 91% delas foram causadas por disparos de balas reais, perpetrados pelos agentes da polícia (encapuzados).

 

Alguns casos perpetrados pelos esquadrões da morte

 

Abel João Bonde, de 20 anos, foi assassinado no dia 14 de Novembro no bairro Luís Cabral, na cidade de Maputo. A mãe, Celeste Vasco Matsinhe, relatou: “O meu filho regressava da escola num dia calmo e não havia nenhum tipo de manifestação. Ao chegar a casa, por volta das 21h00, ele entrou na barraca para atender um cliente que queria comprar algo. Do nada, começamos a ouvir tiros e não sabíamos de onde vinham. Com o susto, mandei minhas filhas se esconderem dentro de casa, mas não me dei conta de que o meu filho já tinha sido morto. Quando entrei na barraca, encontrei-o caído no chão, coloquei-o no meu colo e pedi ajuda para que alguém me ajudasse a levá-lo ao hospital”, relatou.

 

“Quando saí do quintal para pedir ajuda, vi um veículo blindado e alguns agentes da UIR (Unidade de Intervenção Rápida) próximos à minha casa. Não sei se foram eles que dispararam contra o meu filho, mas quando decidimos nos aproximar para pedir ajuda, eles fugiram. Graças a Deus, um indivíduo de boa-fé levou-nos ao Hospital José Macamo, onde foi confirmado o óbito. Dias depois, meus irmãos começaram a tratar o enterro do meu filho e recebemos apoio do Posto Policial do Luís Cabral, que se ofereceu para comprar a urna, pagar pela cova no cemitério e comprar comida para a cerimónia”, disse Celeste.

 

Com a morte do filho, Celeste Matsinhe diz que ficou com uma ferida enorme no seu coração, sobretudo porque o finado era o filho que mais apoiava em casa. Além disso, as balas que mataram o seu filho deixaram marcas no congelador da barraca, e sempre que ela vê aquilo, as lágrimas caem. “Meu filho foi morto com três tiros: duas balas atravessaram a tampa do congelador e o atingiram; a outra passou por ele e furou a parede do meu quarto “.

 

Outro caso relatado à “Carta” é do jovem António, de 30 anos de idade, pedreiro e único provedor da família, assassinado no dia 15 de Novembro, no bairro de Inhagoia, na cidade de Maputo. Segundo relatos de um amigo da vítima, ele saiu para comprar pão e, algumas horas depois, soube-se que ele foi baleado. Tal como no caso de Bonde, após os disparos, a Polícia desapareceu sem deixar rastros, embora tenha “vasculhado” a área para tentar entender o ocorrido.

 

Baleamento de um jovem ao tentar salvar uma vítima de atropelamento

 

Paulo Manhiça foi outro jovem baleado enquanto tentava salvar a vida de uma pessoa. Tudo aconteceu no dia 10 de Dezembro de 2024, por volta das 18h00, durante as manifestações de apoio a Venâncio Mondlane, quando Paulo Manhiça foi baleado ao tentar socorrer uma vítima de atropelamento. Após conseguir resgatar a vítima, Manhiça foi alvejado por indivíduos desconhecidos, que se faziam transportar num veículo, enquanto atravessava o semáforo. Ele chegou ao hospital com ferimentos graves. No local, Manhiça contou que três indivíduos, que também estavam a tentar socorrer a vítima do atropelamento, perderam a vida poucos minutos depois de serem atingidos pelos disparos.

 

Outro episódio da actuação dos esquadrões da morte ocorreu quando dois irmãos foram perseguidos por indivíduos desconhecidos durante uma perseguição, que terminou na rua que dá acesso à casa do Edil de Maputo, Razaque Manhique. O caso aconteceu no dia 19 de Dezembro, por volta das 17h00, e foi registado por uma câmara de vídeo-vigilância.

 

O vídeo mostra duas viaturas que seguiam na mesma direcção tendo parado em frente à casa de Razaque Manhique, após o motorista de uma delas bloquear o outro condutor. Na sequência, desceu um indivíduo que disparou contra os ocupantes da outra viatura, o que levou à morte de uma das vítimas.

 

Sobre o assassinato, o pai das vítimas disse que não sabia quem havia cometido tal acto macabro contra os seus filhos e garantiu que eles eram jovens trabalhadores sem filiação partidária e sem problemas com ninguém que pudesse desejar a morte deles.

 

Nesta onda de assassinatos perpetrados por indivíduos até então desconhecidos, os membros da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) são apontados pelas vítimas como os principais executores, que quase sempre recorrem a uma viatura branca e com rostos encapuzados.

 

O partido PODEMOS já denunciou a perseguição aos apoiantes e simpatizantes de Venâncio Mondlane no contexto da crise pós-eleitoral, com relatos dando conta de mais de 100 assassinatos.

 

De acordo com o secretário-geral do PODEMOS, Sebastião Mussanhane, os assassinatos têm como alvo pessoas devidamente seleccionadas. Algumas pessoas são baleadas em pleno ofício do dia-a-dia, outras dentro de suas residências, mas há quem seja primeiro sequestrado, antes de ser executado.

 

O retorno dos esquadrões de morte pode ser considerado como forma de intimidar o segundo partido mais votado de Moçambique, tal como aconteceu no passado com membros e simpatizantes do partido RENAMO.

 

Ano de 2025: Esquadrões da morte mantêm-se operacionais

 

O ponto mais alto da actuação dos esquadrões de morte foi a execução sumária de três jovens no dia 15 de Janeiro de 2025 (data de investidura do actual Presidente da República, Daniel Francisco Chapo), no bairro de Machava Socimol, na província de Maputo. Na madrugada do referido dia, os jovens Stephen Diogo Sitoe, Abubacar Ibraimo Massual e Nomene Tamare (com idades entre 16 e 18 anos) foram barbaramente assassinados.

 

Segundo informações fornecidas pela mãe de um dos jovens, os três regressavam de um estabelecimento de diversão no bairro, quando, por volta das 03h00 foram interpelados por agentes da Polícia que, sem qualquer justificação, abriram fogo indiscriminadamente, disparando pelo menos 32 tiros contra as vítimas.

 

“Quando eram 22h00, despedi-me dos meus filhos e certifiquei-me de que todos haviam ido dormir. Por volta das 02h00, começamos a ouvir vários tiros aqui na estrada. Saí do quarto e fui abrir o portão para entender o que estava a acontecer, mas não vi nada. Decidi voltar para a cama, mas antes de entrar no meu quarto, passei pelo quarto do meu filho e ele não estava. Achei estranho e me perguntei a que horas ele teria saído de casa. Mas deixei passar e fui dormir”, relatou a mãe de uma das vítimas.

 

“Não passaram 3 horas quando os meus vizinhos bateram à minha porta. Achei estranho, mas percebi que queriam comentar o que havia acontecido durante a madrugada. De forma delicada e com os rostos cheios de tristeza, pediram para que entrassem e acordasse o meu esposo porque queriam conversar connosco. Então, fiz isso. Sentamos na sala e os vizinhos disseram que os tiros que ouvimos durante a madrugada tiraram a vida do meu filho. Fiquei muito chocada. Não queria acreditar no que estava ouvindo”.

 

Dias depois, um dos sobreviventes pediu à sua mãe que o acompanhasse até à casa de uma das vítimas e relatou o que havia ocorrido naquela madrugada: “Naquela noite, decidimos convidar o filho dela para beber num bar próximo na zona, pois, fazia muito tempo que não o víamos. Quando eram 02h00, decidimos acompanhar o nosso amigo de volta para casa. Mas, para a nossa surpresa, apareceu uma viatura branca, à alta velocidade, e vários agentes da polícia começaram a perseguir-nos. Do nosso grupo, nós conseguimos escapar com vida, mas os nossos amigos foram atingidos por balas. Não conseguimos entender o motivo dos disparos. Ficamos aterrorizados ‘’, contou um dos sobreviventes.

 

Por outro lado, a mãe de uma das vítimas relatou que, naquele dia, as coisas não foram fáceis. Ao amanhecer, surgiram relatos de que o grupo havia saído da Circular de Maputo, onde também disparou contra outros jovens em outros pontos do bairro da Machava.

 

Por essa razão, o Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD) decidiu apresentar, no dia 21 de Janeiro, uma queixa-crime na Procuradoria Provincial de Maputo contra a Polícia da República de Moçambique (PRM).

 

Esquadrões de morte de plantão no HCM

 

Uma fonte anónima que trabalha na morgue do Hospital Central de Maputo revelou à nossa reportagem que, desde o mês de outubro do ano passado, alguns agentes da Polícia têm estado de quarentena na morgue em busca de corpos de pessoas que perderam a vida vítimas de baleamento. Durante a calada da noite ou nas primeiras horas da manhã, eles recolhem os corpos e descartam-nos em valas comuns.

 

“Eu entendo que a Polícia faz isso para apagar o rastro dos assassinatos que vêm cometendo dia após dia e, principalmente, à calada da noite. Eles estão sempre à procura e, quando surge um corpo de alguém que foi baleado, eles retiram-no imediatamente. Uma das formas que encontramos para ajudar algumas famílias que perdem os seus entes queridos vítimas de baleamentos é orientá-las a retirar imediatamente os corpos da morgue, mesmo que tenham de levá-los para casa ou fazer um enterro que não seja digno”, relatou.

 

Este facto foi confirmado pelo tio (anonimato) de uma das três vítimas do baleamento na Machava Socimol, onde os atiradores não foram identificados, mas no dia seguinte os corpos foram recolhidos de forma estranha.

 

“Depois que soubemos que o meu sobrinho havia sido baleado na madrugada do dia 15 de Janeiro, procuramos a Polícia para recolher os corpos. O carro demorou, mas quando chegou, levou os três corpos e eu me ofereci para ir com eles até à morgue para saber como seriam conservados. Durante o trajecto, os agentes pararam o carro no meio do caminho e pediram que eu voltasse para casa, mas isso não me agradou”.

 

“Naquele dia, as coisas estavam complicadas e nem havia transporte público porque era o dia da posse do Presidente Chapo. Contudo, fui persistente e segui a pé até à morgue do HCM. Quando cheguei, um dos funcionários alertou-me para retirar os corpos rapidamente, pois a polícia poderia recolhê-los. Disse-nos que não podíamos deixar os corpos mais de 24 horas. No dia seguinte, mesmo sem ter conseguido providenciar a documentação para o enterro, conseguimos retirar os corpos com a ajuda de um funcionário, que nos aconselhou a tratar a documentação enquanto os corpos seguiam para as suas residências. Só assim conseguimos dar um enterro digno aos nossos filhos, no dia 16 de Janeiro”, relatou.

 

Importa destacar que, nos últimos dias, têm surgido relatos dando conta de que alguns corpos são retirados da morgue do HCM em estado de decomposição, o que levanta suspeitas sobre a conservação inadequada. Algumas famílias disseram à “Carta” que, em algumas ocasiões, são forçadas a subornar trabalhadores do necrotério para garantir o uso das câmaras frigoríficas adequadas.

 

Tentamos ouvir os responsáveis da morgue, mas a nossa tentativa foi frustrada, pois exigiram que passássemos por diversos procedimentos para conversar com as fontes indicadas. (M.A.)

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