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11 de Janeiro, 2019

“Entourage” Guebuza entre os arguidos do caso da “dívida oculta”

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Entre os 18 arguidos do processo crime da “dívida oculta” (diferente do processo cível agora em julgamento pelo Tribunal Administrativo) estão as principais figuras que rodeavam o antigo Presidente Armando Guebuza. Inês Moiane, a secretária particular do ex-presidente recebeu milhões de USD de pagamentos feitos a partir das contas da Privinvest, o grupo de Abu Dhabi que rendeu lucros sem fornecer as encomendas correspondentes aos dinheiros que facturou. Inês Moiane anda se passeando fora do país, mas já está a ser procurada pela justiça moçambicana. Aliás, o Ministério Público deverá, dentro de poucas semanas, deduzir acusação contra os 18. Alguns deverão receber ordem de prisão preventiva. 

 

 Outra figura próxima do Guebuzismo também arguida é Renato Matusse, que era seu Conselheiro. Matusse também recebeu largas somas de dinheiro cujo rasto mostrava origem na Privinvest. Parte do suborno foi alegadamente gasto na compra de gado em Gaza, sua terra natal, e em apartamentos em Maputo. Um dos apartamentos comprados por Renato Matusse localiza-se no prédio do antigo Cinema Xenon, na zona nobre da Polana, na “Julius Nyerere”, em Maputo.

 

 O apartamento pertencera à jurista Neuza de Matos, que foi conselheira legal de Armando Guebuza e mais recentemente estava afecta ao gabinete do Primeiro Ministro, tendo-se reformado há poucos meses. Quando Neuza de Matos informou aos colegas que estava a vender uma casa, Matusse ofereceu-se para comprá-la, alegando que era autor-residente da Editora Macmillan e que estava a receber tranches de seus honorários. Mas o dinheiro não chegou da Macmillan mas sim da Privinvest. Matusse estava a fazer lavagem. Neuza de Matos, mesmo sem saber a proveniência dos fundos, acabou participando na lavagem, de forma alegadamente inocente. E, por isso, ela também é arguida.

 

 A referência de Matusse à Macmillan baseava-se num antecedente: em 2004 ele publicou um livro biográfico de Armando Guebuza com o título “Guebuza: A Paixão Pela Terra”. “Carta” vasculhou o website da Macmillan e descobriu que Matusse não está na lista dos autores considerados da casa. O único livro por ele publicado sob aquela chancela foi esse sobre a vida e percurso político de Guebuza.  É improvável que, com esse livro, ele tenha ganho vários milhares de USD suficientes para adquirir um apartamento na “Julius Nyerere”. Uma fonte do sector imobiliário disse à “Carta” que um apartamento no prédio em referência, construído recentemente custa em média 500 Mil USD.

 

O investimento no imobiliário foi uma das formas recorrentes de lavagem de dinheiro apurada pelos investigadores do Ministério Público moçambicano. Inês Moiane tem vários apartamentos em prédios nobres de construção recente. Outra arguida também “cheia” de dinheiro e casas é Ângela Diniz Buque. Ela é casada com Gregório Leão José, antigo director do SISE, também arguido. Leão foi uma das figuras por detrás da orquestração inicial do calote, protegendo todos os passos sinistros de António Carlos do Rosário, com que tem laços familiares. Ângela Leão tem um império imobiliário em Maputo e contas bancárias chorudas. Logo que a Privinvest iniciou a distribuição de subornos, com base numa planilha controlada por Iskandar Safa (o mestre do suborno), ela se multiplicou em negócios de variada natureza, um dos quais era um serviço de transporte de luxo.

 

Mergulhada na dinheirama, fundou a MozCeleb, uma revista luxuosa que se dedicava ao jetsetismo local de pés de barro. Os detalhes sórdidos de como uma falsa riqueza foi usada por figuras do elitismo nacional beneficiária do calote ainda vão ser desbobinados. A ostentação nas redes sociais era uma das marcas de àgua de outro arguido, Teófilo Nhangumele. Pessoas próximas estranhavam como ele evoluiu rapidamente na posse de bens de luxo, incluindo uma paixão repentina por motorizadas de alta cilindrada. 

 

Muitos pagamentos de suborno da Privinvest entraram em Moçambique por via de empresas privadas, algumas do sector imobiliário, também elas arroladas. Ainda não apuramos os seus nomes, mas constam da lista conhecidas entidades comerciais de moçambicanos de origem indiana ou árabe, e proprietários de casas de câmbio que participaram nos esquemas de lavagem. Uma grande empresa de construção também está na lista. Os investigadores estão a fazer um inventário minucioso dos bens adquiridos pelos arguidos com os dinheiros dos subornos pagos pela Privinvest. A ideia é tentar confiscar o máximo possível mesmo antes de o julgamento do caso relacionado terminar nos EUA, uma vez que a acusação americana pretende fazer um “confisco alargado” das propriedades dos visados.

 

Nos próximos dias, a lista completa dos 18 será conhecida. O Ministério Público espera deduzir a acusação contra os 18 arguidos muito brevemente. Mas o número poderá aumentar. Houve muita gente que se beneficiou destes dinheiros sujos. Alguns já contactaram o Ministério Público para declarar que são inocentes, que apenas receberam dinheiro fácil. Uma nota curiosa: nem o nome de Armando Guebuza nem dos seus filhos Dambe e Mussumbuloko, que estavam na lista de quebra de sigilo bancário de 2017 constam entre os 18. Outra nota curiosa: Inês Moiane, a ex-secretária de Guebuza, que se tem declarado inocente em conversas privadas, não constava naquela lista do sigilo bancário. Aquando da sua publicação, essa ausência foi estranhada por muita gente integrante da “entourage” guebuzista. Inês era a toda poderosa, que mandava e desmandava em todos, e ostentava um poder excessivo, não apenas decorrente dessa sua estreita proximidade a Guebuza mas também porque encaixara muitos tostões do calote. Era apenas o poder simbólico e efémero do dinheiro…de um dinheiro que tinha sido lavado para parecer limpo.

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