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segunda-feira, 11 abril 2022 07:29

Ataques terroristas: Mulher abusada receia explicar ao marido que teve filho com um terrorista

solda min

Uma mulher de 28 anos de idade sofreu abusos sexuais num cativeiro dos grupos terroristas em Mocímboa da Praia, durante quase dois anos, e com um filho de 6 meses de um dos rebeldes, não sabe como explicar ao seu marido.

 

"Não sei o que vou explicar ao meu verdadeiro marido sobre a criança que tenho hoje", lamenta à Lusa a jovem, sentada, com o seu filho ao colo, nas proximidades do Complexo Desportivo de Pemba, um espaço que acolhia deslocados na capital provincial de Cabo Delgado.

 

A jovem, cuja identidade não é revelada por motivos de segurança, viveu o drama de centenas de mulheres que foram raptadas por grupos terroristas que aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017.

 

A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) estimou, em dezembro de 2021, que perto 600 mulheres desapareceram desde 2018 em Cabo Delgado, alertando para existência de casos em que as vítimas são abusadas, escravizadas e até vendidas a "combatentes estrangeiros" por valores que variam entre 550 e 1.600 euros.

 

No caso da jovem de 28 anos, o drama de uma união forçada com um rebelde durou quase dois anos e atualmente, embora num local seguro, são ainda visíveis os traumas de quem viveu “um pesadelo” no meio das matas da sua terra natal: Mocímboa da Praia.

 

"Lá [no cativeiro] os homens não têm piedade, és mulher de todos, eu passei por isso. Se te recusas, eles batem-te", lamenta, em lágrimas, a jovem, que teme pelo futuro da criança de 6 meses que é fruto de um dos vários abusos sexuais que sofreu.

 

“Eles não perguntavam, o que lhes interessava era a sua própria satisfação sexual”, acrescenta.

 

Além do trauma, a jovem enfrenta a miséria de quem perdeu tudo quando os grupos armados intensificaram os ataques armados em Mocímboa da Praia em junho de 2020, numa situação agravada pela desnutrição resultante da vida “indigna” em cativeiro.

 

“Havia fome no mato, os terroristas não têm comida. Todos os dias comíamos papinhas, por isso meu filho está com anemia e eu também”, frisou a jovem, acrescentando que a sua primeira filha, que também foi levada à força para o cativeiro pelos terroristas, perdeu a vida devido às más condições nas matas.

 

Os familiares distantes que se preparam para a acolher em Montepuez, um distrito considerado seguro, também vivem no limiar da pobreza, mas pelo menos neste novo distrito a jovem não vai viver sob ameaça de uma metralhadora.

 

A jovem conseguiu fugir em março deste ano dos grupos armados durante uma das várias movimentações que realizam quando sofrem pressão das forças governamentais e, apesar das tentativas, ainda não conseguiu reunir-se com a seu verdadeiro marido, do qual se separou no dia do ataque, em junho de 2020.

 

“Não vou saber explicar a ele o que aconteceu e como é que tenho esta criança”, frisa jovem, que, no entanto, esclarece que o carinho pelo filho de apenas 6 meses é “incondicional”.

 

A província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

 

Há 784 mil deslocados internos devido ao conflito, de acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

 

Desde julho de 2021, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu recuperar zonas onde havia presença de rebeldes, mas a fuga destes tem provocado novos ataques noutros distritos usados como passagem ou refúgio temporário. (Lusa)

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