Em finais do mês de Outubro do presente ano, o Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado, através da Secção da Instrução Criminal, sob a batuta do Juiz de Direito Substituto, Bruno Michael dos Reis Albano de Castro, abriu um processo com o nº 407/SIC/2021 e exarou mandados de busca, apreensão e captura de bens e de alguns líderes religiosos de certas mesquitas da cidade de Pemba e de outros distritos.
Conforme demonstram documentos em nossa posse, os líderes religiosos são: Austazi Muhammed, natural de Mocímboa da Praia, actualmente em Pemba, residente na rua da marginal, por alegadamente existirem indícios bastantes de ter perpetrado os crimes de organização terrorista e, na sua posse, estava uma viatura com a chapa de inscrição com a matrícula ADV-429-MP e outros bens na sua posse ligados ao terrorismo. Entretanto, segundo apuramos de fontes judiciais, Austazi Muhammed encontra-se detido há uma semana no Estabelecimento Penitenciário da Província de Cabo Delgado, em Miezé, distrito de Metuge.
De acordo com os dados em nossa posse, para além de Austazi Muhammed, o Ministério Público também move processos contra Muhamade Abdulai, natural da Vila de Ibo e residente em Pemba; Mwalimo Farijala; e Mwalimo Issufo. Entretanto, estes dois últimos viriam a ser soltos sob Termo de Identidade e Residência, uma vez que o Ministério Público não conseguiu juntar aos autos matérias suficientes que comprovassem o seu envolvimento com os crimes de terrorismo, que desde Outubro de 2017 fustigam a província de Cabo Delgado.
De acordo com fontes judiciais e civis, os líderes religiosos acima citados são bastante influentes a nível da religião islâmica em Cabo Delgado e alguns são proprietários de certas mesquitas a nível da província. Coincidência ou não, as detenções e solturas destes surgem numa altura em que "Carta" desenvolvia uma investigação jornalística com enfoque em algumas figuras já reveladas por autoridades nacionais e internacionais, mas que ainda pairavam certas informações desconexas e de aprofundamento.
Deste modo, a nossa investigação, que incidiu sobre pessoas que um dia conviveram com alguns membros centrais da insurgência em Cabo Delgado, seguiu alguns trilhos do actual comandante militar do terrorismo, Bonomade Machude Omar, descrito pelos amigos da mocidade como boa pessoa, carismático, simples, calmo, conversador e quem não se imaginava que um dia seria o cabeça desta cobra enorme que destruiu sonhos e vidas de crianças, mulheres, adultos e idosos em Cabo Delgado. O percurso do comandante terrorista tem muita coisa por se dizer. Para além de um dia ter sido bom jogador de futebol!
Fontes militares explicaram que o mesmo cumpriu o Serviço Militar Obrigatório (SMO), onde chegou a basear-se por algum tempo na Marinha de Pemba e, segundo apuramos, fez muitas amizades no local, sendo que algumas viriam a aliar-se ao grupo terrorista depois que os ataques arrancaram.
De acordo com certos líderes religiosos que antes viviam em Mocímboa da Praia, em 2016, quando Bonomade Machude Omar (Ibn Omar) regressou ao país, o mesmo abriu centros infantis, barracas de venda de produtos alimentares, venda de recargas telefónicas e outros empreendimentos a nível das vilas dos distritos de Mocímboa da Praia e Macomia, onde era visto pelos políticos locais como um "cidadão exemplar" e um importante activo económico e político, uma vez que empregava vários jovens, sendo que alguns chegaram a ganhar entre 2 mil a 5 mil Meticais diariamente. Ninguém se questionava de onde vinha tanto dinheiro. Não importava se produziram ou não naquele dia, mas todos recebiam.
Para além disso, Bonomade Machude Omar sacrificava constantemente cinco a dez cabeças de caprinos e distribuía aos residentes da vila. Nestes actos, o homem mais procurado de Moçambique era acompanhado por altos quadros da então estrutura distrital de Mocímboa da Praia.
Uma fonte próxima do visado contou que, em conversas com a comunidade islâmica de Mocímboa da Praia, Machude chegava a dizer que um dia pagariam pelas cabeças de caprinos que consumiam, do mesmo modo que os caprinos eram sacrificados. De tanto repetir isto, um grupo de anciões religiosos locais chegou a apresentar a preocupação às autoridades governamentais, tendo estas os ignorando e dito que ele não era capaz de tal acto.
Facto é que, quando a sua mesquita foi fechada e expulsos do distrito, os tais dirigentes na altura preferiram continuar a sua vida num outro local do país, principalmente depois do ataque protagonizado entre a noite do dia 4 à madrugada do dia 5 de Outubro de 2017.
No entanto, os tentáculos de Machude se estendem muito além de Cabo Delgado. Um dado importante que a nossa reportagem apurou é que, quando as autoridades policiais se confrontaram com os residentes do periférico e empobrecido bairro de Paquitequete, em 2020, havia informações seguras de que Ibn Omar estava escondido numa das residências situadas naquela região, o que, segundo as nossas fontes, pode estar a ocorrer nos últimos tempos, uma vez que as características de urbanização em bairros periféricos de Pemba são degradantes e difíceis, aliado à vulnerabilidade dos postos de controlo rodoviários e marítimos. O facto é que o comandante do grupo tem vários tentáculos mesmo dentro da Cidade de Pemba e não só.
Uma outra figura sinistra deste processo é um tanzaniano que é chamado por Amisse Mucuthaya e que durante anos foi um colaborador da transportadora Nagi Investment no corredor Nampula/Pemba/Mueda. Durante este período, a responsabilidade do mesmo era transportar armas e dinheiro que era guardado numa casa construída numa das aldeias entre os distritos de Mueda e Mocímboa da Praia. Mucuthaya, que viria a ser detido, escapuliu-se das autoridades mediante o pagamento de subornos, através de minérios preciosos que não se sabe até hoje como chegaram às mãos do então recluso.
Entretanto, quando as autoridades chegaram a sua casa, encontraram um quarto com parede falsa, onde tinha caixotes de armamentos diversos e malas de dinheiro em espécie de vários países, principalmente do mundo Árabe e ocidental. O papel de Mucuthaya foi central na preparação e distribuição de armamento pelos distritos, onde alguns eram guardados debaixo de mesquitas construídas por membros do grupo em distritos como Macomia, Mocímboa da Praia, Quissanga e Muidumbe. Enquanto ajudante da transportadora Nagi Investment e com “livre-trânsito” no intervalo entre 2007 a 2015, Amisse transportou tanta coisa estranha no corredor norte de Moçambique/Tanzânia e vice-versa. Amisse Mucuthaya era a ponte entre o Sheik e o comerciante tanzaniano Amisse Njorojo.
Uma outra peça da onda de terror que se faz sentir em Cabo Delgado e já mediatizada é Rosa Cassamo, nascida na aldeia Ilala, no distrito de Macomia, na província de Cabo Delgado. É uma anciã de cerca de 70 anos, mas devido ao suposto uso e conhecimento da "magia negra", o seu corpo aparenta ser de uma mulher de 30 a 40 anos de idade, dada a sua estatura física.
Segundo nos foi explicado por uma fonte próxima da família e da sua comunidade antes da mesma ter aderido à insurgência, o seu conhecimento de "magia negra" era usado para intervir em casos de lutas pelo poder numa instituição ou inimizade entre vizinhos, familiares e quem quisesse enriquecer, assim como para cura de doenças oriundas de casos de feitiçaria.
Por este papel e suas actividades campesinas, Rosa Cassamo tornou-se uma pessoa bastante influente na sua comunidade, passando a ser uma das líderes locais. No grupo, o papel dela é de tratar tradicionalmente os insurgentes que, segundo nos foi revelado, em cada combate são escolhidos 10 homens que mantém relações sexuais com ela e que, conforme explicou uma das fontes, independentemente do que for acontecer durante o combate, os 10 homens voltavam ilesos e tinham mais coragem e força para lutarem até ao fim.
Segundo contou uma fonte próxima, a situação de relações sexuais com os tais escolhidos também faz com que as armas usadas pelos mesmos não aqueçam. Embora a situação de relações sexuais crie um certo mal-estar para as parceiras dos militantes do grupo, o facto é que Rosa Cassamo convence-os que é um tratamento necessário para que os mesmos sobrevivam. (O.O.)