Nos bastidores do MADER (Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural) e no "inner circle" do ministro Celso Correia corre um sentimento de que o "Sustenta" tem os pés assentes na terra e nada está a ser feito às escuras. O Programa, tão amado como criticado (cada vez mais, menos criticado), tem fundamento, em parte, nas obras de Joe Hanlon e Teresa Samart, que dispensam apresentação. Os dois escreveram duas obras "Chickens and beer: A recipe for agricultural growth in Mozambique (2014)" e "Há Mais Bicicletas – mas há desenvolvimento? (2008)" que, provavelmente, são hoje leitura de cabeceira de Correia.
"Carta" perguntou a Joe Hanlon se conseguia ver no "Sustentá" traços do que ele e Teresa advogam. Ontem, veio a resposta. Ei-la:
O "Sustenta" parece ser a primeira tentativa séria de apoiar o Moçambique rural. É para nós uma grande satisfação e honra que o Ministro da Agricultura, Celso Correia, se diga influenciado pelos nossos livros "Há mais bicicletas" e "Galinas e Cerveja". Ambos os livros foram baseados numa extensa investigação no terreno, em quintas a falar com agricultores e extensionistas, bem como com uma vasta gama de especialistas em Maputo.
Não escrevemos sobre o "Sustenta" porque a Covid-19 nos impediu de viajar para Moçambique. Estamos ansiosos para voltar após a terceira onda de Covid-19, para olhar mais de perto o "Sustenta", no terreno. Portanto, os comentários que partilhamos agora são baseados em conhecimento limitado, à distância. No entanto, alguns pontos gerais podem ser feitos.
As galinhas e as bicicletas baseiam-se na transformação de um grande número de camponeses para se tornarem aquilo a chamamos de "agricultores familiares comerciais". São famílias que cultivam a maior parte dos seus próprios alimentos, mas também crescem activamente para o mercado. O ponto de partida para isso pode ser bem pequeno - 5 hectares ou até menos.
Vemos a chave para isso como mercados garantidos - se uma família produz uma safra, com certeza será capaz de vendê-la a um preço razoável. Um modelo que citamos foi o tabaco. O título do livro "Galinhas e Cerveja" refere-se a duas culturas desenvolvidas para agricultores comerciais familiares. A primeira é a soja para ração de galinhas, que levou sete anos para se estabelecer e teve um sucesso espetacular. A segunda é a mandioca para cerveja, que acabou não dando certo.
Desde que escrevemos o livro, o fiasco com o feijão-boer mostra que o mercado garantido levou dezenas de milhares de famílias camponesas a produzir para esse mercado - apenas para ter a garantia revogada.
Portanto, existem duas diferenças fundamentais com o "Sustenta", como o entendemos à distância. Primeiro, promovemos a transformação de pequenos agricultores familiares em agricultores comerciais, ao passo que o "Sustenta" está começando com agricultores já comerciais com mais de 14 hectares. A segunda diferença é que damos prioridade aos mercados garantidos, o que a Sustenta não dá.
Ressaltamos também a necessidade de um mercado garantido a um preço justo, o que exige uma forma de fixação de um preço mínimo ou mínimo. Em "Galinhas" temos um capítulo inteiro sobre milho. Há mercado, mas o preço pago ao agricultor é muito baixo. Tornar-se um agricultor comercial de milho, mesmo com 5 hectares, requer o uso de fertilizantes, alguma irrigação e geralmente requer aração mecânica - tudo isso deve ser pago antecipadamente. Quase todos os camponeses são pobres demais para fazer isso. Mas em Moçambique, o preço pago aos agricultores pelo milho é inferior ao custo dos insumos. Os países vizinhos - Zimbabwe, Malawi e Tanzânia - todos têm alguma combinação de subsídios para fertilizantes e um preço mínimo.
O "Sustenta" já o fez uma vez, no ano passado, com o seu subsídio para apoiar o preço do algodão em Cabo Delgado. Isso quebrou todas as regras neoliberais do mercado livre. O subsídio foi para as empresas de algodão, mas significava que elas poderiam pagar um preço garantido mais alto.
Moçambique - sob pressão do Banco Mundial - ainda segue os mitos neoliberais do mercado livre de 30 anos atrás, que foram abandonados em todos os outros lugares. O "mercado livre" não interessa aos pequenos agricultores. Nos últimos 70 anos, a agricultura teve um enorme sucesso na Europa e nos Estados Unidos com base em subsídios e outras intervenções de mercado, para garantir preços justos garantidos aos agricultores. E, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a maioria dos agricultores são agricultores comerciais familiares.
Celso Correia é um ministro poderoso o suficiente para desafiar a ortodoxia do Banco Mundial e seguir os modelos americano e europeu. Ele fez isso com algodão.
Mas requer uma mudança fundamental de pensamento, para apoiar os agricultores que cultivavam feijo boer e cultivariam milho e arroz como safras de rendimento, se tivessem um mercado justo. A lição de nossos livros é que mercados garantidos a preços justos são o ponto de partida para o desenvolvimento rural. (Joseph Hanlon e Teresa Smart)