Há um adágio popular que defende que “depois da tempestade, vem a bonança”, expressando a ideia de que depois de um período conturbado segue-se uma era de tranquilidade. Entretanto, na vila-sede do distrito de Palma, província de Cabo Delgado, tudo indica o contrário. Depois da invasão terrorista, agora chegou a fome.
Dez dias depois de as Forças de Defesa e Segurança (FDS) terem retomado o controlo daquela sede distrital, nada mostra tranquilidade naquele ponto do país. As casas e viaturas continuam abandonadas, as ruas e os mercados encontram-se quase desertos e os poucos comerciantes presentes na principal rua da vila dizem estar a “despachar” a última mercadoria, que restara antes da invasão terrorista ocorrida no passado dia 24 de Março.
É o caso, por exemplo, de Abdulai Mohamed, um jovem que se encontrava na rua a vender pão e laranjas. Disse aos jornalistas que o pão foi feito na base da matéria-prima que restou após o ataque terrorista. O pão, que na verdade é um pãozinho, custava 10 Meticais, o mesmo valor que se paga para adquirir uma laranja.
Quem também se encontrava na rua a vender os últimos produtos que restaram no seu estabelecimento é Juma Chico, um jovem comerciante natural do distrito de Nacala-a-Velha, na província de Nampula.
Juma conta que, no dia 24 de Março, data em que os insurgentes invadiram a vila-sede do distrito de Palma, acabava de receber produtos avaliados em 30 mil Meticais, adquiridos na província de Nampula, seu ponto de abastecimento.
Na barraca de Juma Chico, encontramos óleo alimentar, caldo, cebola, arroz, farinha de milho e água mineral, porém, os preços eram proibitivos. Para adquirir 1 Kg de arroz ou farinha de milho eram necessários 200 Meticais, enquanto pela saqueta de caldo pagava-se 15 Meticais. A cebola custava entre 10 e 20 Meticais por unidade e uma garrafa de 1,5 litros de óleo alimentar avulso era vendida a 400 Meticais. Outros comerciantes vendem bolachas, rebuçados e peixe fresco, cujo molho é vendido abaixo de 50 Meticais.
No geral, contam-se a dedo as bancas que estão abertas em Palma, pois, a maior parte encontra-se abandonada. Aliás, os jovens (do sexo masculino) é que controlam o comércio, neste momento, enquanto grande parte das mulheres procura por novos sítios seguros.
Com a vila deserta, quase que não há consumidores e os poucos reclamam da falta de dinheiro. Mário Suleiman é um dos que até às 12:00 horas da última segunda-feira ainda não se tinha alimentado, tendo conseguido apenas 10 Meticais para comprar pão, de modo a “enganar” o seu estômago.
Rachide Juma e Ibrahimo Suleiman, dois chefes de família, dizem haver fome em Palma, pois, as famílias já não têm comida. “Estamos a sofrer muito. Não temos comida, nem um pouco”, garantiu Ibrahimo Suleiman.
“Não nos sentimos totalmente seguros, apesar de não ouvirmos tiros há muitos dias. Mas a nossa maior preocupação é comida. Estamos a passar mal. Não há comida”, acrescenta Rachide Juma.
Aliás, há famílias que dizem não se estar a alimentar há mais de três dias por falta de alimentos. A triste situação é confirmada por Valentim Sumail Dienga, Líder Comunitário do bairro Mua, nos arredores da vila-sede de Palma. Dienga assegura que a sua comunidade já não tem comida, pelo que pede ajuda do Governo.
Desde o anúncio, pelas FDS, da retoma do controlo da vila, no passado dia 04 de Abril, ainda não houve voo de assistência humanitária à população que ainda se mantém naquele local. Aliás, o Programa Mundial da Alimentação (PMA), que vinha distribuindo comida naquela sede distrital antes do ataque terrorista, suspendeu, no dia 03 de Abril, os seus voos de evacuação dos deslocados por razões de segurança.
Governo escala Palma nove dias depois do controlo da vila
Entretanto, nove dias após a normalização da situação, uma equipa do Governo, liderada pela Ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoane, escalou a vila-sede distrital de Palma, com o objectivo de fazer o levantamento dos estragos causados pelos terroristas no terreno.
Comoane disse aos jornalistas que o Governo está a trabalhar com um plano de acção específico para o distrito de Palma, que contempla acções imediatas, por um lado, e de desenvolvimento, por outro. As acções imediatas incluem a assistência humanitária (alimentação, abrigo e condições sanitárias básicas), enquanto as de desenvolvimento envolvem assistência às iniciativas de prosperidade, como actividades agrárias e pesqueiras.
“Vamos continuar a apoiar Palma. Vamos continuar a apoiar as populações para que retornem à sua vida”, assegurou a fonte, sublinhando ter encontrado “um cenário desolador” que mostra, de facto, que “estamos diante de um inimigo desalmado”. (Abílio Maolela, em Palma)