As agências internacionais envolvidas na ajuda humanitária a Cabo Delgado, em Moçambique, relataram hoje um cenário de horror e devastação na província e defenderam um aumento urgente da assistência às comunidades deslocadas pelo conflito crescente.
"A situação é, acima de tudo, uma crise de proteção onde os abusos aos direitos humanos são diários, ficámos chocados com as histórias de abusos que ouvimos, muitos disseram que as casas foram roubadas, destruídas e depois incendiadas, os pais não podem mandar as crianças para a escola e o nível de insegurança está a ter um impacto perigoso a nível psicológico, com as pessoas a temer ser atacadas a qualquer momento", disse o diretor do Gabinete Regional para a África Austral do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
As declarações de Valentim Tapsoba foram feitas esta manhã numa conferência de imprensa virtual que juntou os diretores regionais de várias agências internacionais que visitaram a região nas últimas semanas, e pintam um cenário sombrio na região mais a norte de Moçambique, afetada por três anos de violência.
"Temos relatos das pessoas que fugiram de Mocímboa da Praia, são relatos de brutalidade, decapitações, homicídios, raptos de familiares que não sabem onde estão, as pessoas estão tão traumatizadas que não conseguem falar, só choram quando tentam contar o que viram, e o nível de trauma nas mulheres é muito, muito forte", alertou a coordenadora Residente das Nações Unidas e coordenadora Humanitária no país, Myrta Kaulard.
Nas declarações à imprensa em formato virtual, a responsável lamentou os "escassos recursos" disponíveis para ajudar e avisou que "é preciso aumentar urgentemente a ajuda à região", sob pena de os problemas que criaram a violência não serem resolvidos.
O colapso da região levou também a que as crianças não frequentem a escola e a problemas de falta de documentação, que impede o acesso a empregos, disse também Valentim Tapsoba: "Os miúdos andam a vaguear por aí, não vão à escola e se nada for feito a sociedade civil de Moçambique terá, no futuro, uma geração perdida".
Também numa intervenção na conferência de imprensa que deu conta de 560 mil refugiados internos "cujo número aumenta diariamente" e 1,6 milhões de pessoas a precisarem de ajuda, segundo Myrta Kaulard, a conselheira de Programa para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Centro Regional de Serviços para África (RSCA) do PNUD, Alessandra Casazza, disse que a crise desenvolve-se em três frentes: humanitária, securitária e de desenvolvimento.
"Estas crises não estão limitadas a Cabo Delgado, alarga-se para além da fronteira entre a Tanzânia e Moçambique, tem uma dimensão transfronteiriça, e precisa de mais cooperação entre os países para garantir desenvolvimento de longo prazo nas regiões transfronteiriças", disse a responsável, vincando que "o desenvolvimento da região apoia as populações e dificulta a tarefa de recrutamento destes grupos extremistas".
A violência armada na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, onde se desenvolve o maior investimento multinacional privado de África, para a exploração de gás natural, está a provocar uma crise humanitária com mais de duas mil mortes e 560 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.
Algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico desde 2019. (Lusa)