Tudo foi feito para que o caso não fosse público. Aviso de multa rasgado; tentativa de alteração do nome do produto; relatório da operação alterado; fiscais, jornalistas e activistas silenciados. Os 50 camiões, transportando toros de madeira da espécie Nkula, tida como preciosa e bastante procurada no mercado internacional, seguiram para o Porto da Beira e, posteriormente, a carga exportada para China, no passado mês de Agosto.
Um trabalho investigativo realizado pela “Carta”, naquele ponto do país, apurou que, no passado dia 03 de Agosto, a equipa dos serviços florestais foi solicitada pelas autoridades alfandegárias, na província de Tete, para que fizesse a devida perícia aos camiões de madeira que acabavam de chegar no Posto de Controlo.
Segundo contou uma fonte envolvida na operação, no momento, nenhum documento foi apresentado pelos transportadores do produto. Diante da situação, narra, os fiscais escalados para aquela operação aplicaram uma multa de 4.956.600,00 Meticais, conforme consta no Aviso de Multa PT, com o nº 0000204, emitido pelos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia de Tete, a 03 de Agosto de 2020, a que tivemos acesso. A referida multa foi passada em nome de Erasmo Pedrito Domingos Wilson, suposto representante dos transportadores.
De acordo com a fonte, as autoridades constataram as seguintes irregularidades: i) exploração sem licença, tendo os fiscais escalados multado no valor de 500 mil Meticais; ii) exploração em desacordo com as condições legalmente estabelecidas por Lei – os toros não tinham siglas e, por serem exportados, a multa era de 150 mil Meticais; iii) exportação e importação dos produtos florestais sem autorização – 1.000.000,00 Meticais; iv) agravante de 100% da multa base por um grupo organizado e o volume da madeira correspondente a 1.656.600 Meticais.
No entanto, revela a fonte, no dia 07 de Agosto, a equipa dos fiscais do Serviço florestal regressou às Alfândegas, onde foram apresentados estranhamente documentos legais que, no dia 03 de Agosto, não existiam. Dado este facto, conforme narrou a nossa fonte, a equipa produziu um relatório a narrar os factos, tendo enviado para a Ministra da Terra e Ambiente, Ivete Maibaze.
A nossa fonte disse que o assunto estava a ser tratado estritamente com as Alfândegas, devido à declaração de mercadoria falsa, pois, dizia-se que a madeira estava serrada e que não era Nkula, mas sim Mondzo. Porém, este facto, garantem as fontes, não constituía verdade porque toda a madeira era da espécie Nkula, que estava em toro e que tudo estava sendo feito para que pagasse baixas taxas aduaneiras, caso a madeira passasse.
A fonte explicou ainda que devido às mudanças verificadas, assim como a pressão excessiva observada durante aquele período – com a chegada da equipa delegada para a operação, proveniente de Maputo – a equipa dos Serviços Florestais acabou sugerindo, no relatório, a anulação da multa e devolução dos camiões às Alfândegas, porque, para esta, já não havia cobertura legal da multa e apreensão.
Aliás, dizem as fontes, a Ministra da Terra e Ambiente não parava de pressionar o Director dos Serviços Provinciais do Ambiente de Tete, Marcos Francisco Meque De Almeida, pois, ela também era pressionada pelo Alto-Comissariado da Zâmbia, em Maputo.
Como é público, a Zâmbia tem uma dívida pública externa de 12 biliões de USD, sendo que 30% da dívida foi contraída junto da China e que não tem conseguido pagar. Devido à crise financeira que se verifica na Zâmbia, o país tornou-se num local de acomodação dos interesses da China, ou seja, “os chineses assumiram negócios que eram administrados pelos locais”, conforme revelou o Ex-Ministro da Informação da Zâmbia, Chishimba Kambwili, em entrevista à DW-África, em Abril de 2019. Na referida entrevista, sublinhe-se, chegou a aventar a possibilidade de o país vir a ter Ministros chineses nos próximos três ou quatro anos.
Relativamente à madeira apreendida e, posteriormente, autorizada a seguir para o Porto da Beira, procuramos ouvir, na cidade de Tete, o Director Provincial dos Serviços Provinciais de Florestas e Fauna Bravia de Tete, Marcos Francisco Meque, mas sem sucesso.
Durante o contacto telefónico, aquele dirigente marcou, por duas vezes consecutivas, a entrevista, porém, mostrou-se indisponível, após apresentarmo-nos como jornalistas da “Carta de Moçambique”. O mesmo aconteceu nos Serviços Provinciais de Florestas e nas Alfândegas, onde não fomos recebidos.
Aliás, as fontes garantem que as Alfândegas é que deram o destino final da mercadoria (552,2 m³ de madeira em toro, da espécie Nkula), supostamente, oriunda da Zâmbia, porém, representada por cidadãos moçambicanos, conforme demonstra o documento em nossa posse.
Funcionamento do negócio da madeira em Tete
Entre os dias 04 e 09 de Outubro, “Carta” trabalhou nos distritos de Chifunde e Moatize e na cidade de Tete, onde constatou que os camiões de transporte de madeira continuam a circular com maior intensidade.
Entretanto, fontes de Chifunde garantem que o abate indiscriminado dos recursos florestais reduziu, tendo dado lugar à actividade do garimpo. Explicam que o negócio da madeira já não é rentável, pois, no passado, pelo abate de uma árvore, os players do negócio pagavam entre 1.500,00 e 2.000,00 Meticais, sendo que os revendedores transaccionavam o toro da madeira Nkula a 4.000,00 ou 5.000,00 Meticais. Avançam que as espécies comercializadas, actualmente, são a Umbila e Chanfuta, devido à carência da Nkula.
Refira-se que os distritos de Moatize, Chifunde, Mágoè, Macanga, Doa e Zumbo são apontados como o epicentro da exploração de madeira. (O.O., em Tete)