O pesquisador do Observatório do Meio Rural (OMR), João Feijó, defendeu, hás dias, num debate virtual organizado pela sua organização, que o conflito armado que se observa na província de Cabo Delgado, desde Outubro de 2017, é caracterizado por alguns eixos internos e externos de contradição.
Um dos eixos internos, afirmou, é o facto de a província ser marcada por “contradições profundas”, desde geográficas, etárias, políticas, étnicas e sociais. Em termos geográficos, o académico explicou: “o norte do país está desintegrado do resto do país, porque não tem nenhuma rede de transporte, embora agora estejam a ser planificadas algumas”.
Na perspectiva política, sublinha haver divergências entre os dois maiores partidos políticos do país (Frelimo e Renamo), sendo que, nos últimos anos, se têm assistido constantes mudanças, por parte dos jovens, que trocam um partido pelo outro, como foi o caso do ano passado, em que jovens de etnias que sempre apoiaram a Frelimo passaram a apoiar a Renamo.
As diferenças étnicas, explicou Feijó, são visíveis entre os Mwanis, Macuas e Makondes, assim como as diferenças religiosas entre os islâmicos e cristãos. “Alguns destes grupos se sentem excluídos das melhores oportunidades que a província possui, inclusive da própria história do país que, na óptica dos cidadãos de etnia mwanis ou macuas, foi controlada por grupos makondes”, disse a fonte.
O último eixo de contradição interna apresentado pelo pesquisador do OMR é o das classes sociais, que considera “extrema” a diferença entre os ricos e os pobres, na província de Cabo Delgado, realidade que, na sua óptica, se reflecte no acesso aos serviços de Estado, assim como no acesso aos recursos naturais (gás, pedras preciosas, rubis e marfim).
Segundo o académico, as reformas introduzidas pela administração Nyusi, em 2016, como são os casos do combate à exploração ilegal de rubis, operação tronco, entre outras iniciativas, colidiram com uma vasta rede de exploração de recursos minerais, que incluía muitos jovens naquela província e que ficaram excluídos do acesso a alguma renda, uma vez que o cenário da indústria extractiva não permitiu que os mesmos continuassem a gerar renda.
Assim, no seu entendimento, a falta de espaços de participação formal e de diálogo, uma vez que as consultas públicas para implementação de qualquer empreendimento são realizadas no ambiente repreensivo (com a presença da Unidade de Intervenção Rápida – UIR), propicia o surgimento de focos de violência, como a solução dos problemas locais.
No que tange aos eixos externos, a fonte aponta os projectos de exploração de gás natural; a existência de redes do Estado Islâmico; e o tráfico de drogas, em particular da heroína, como questões que concorrem para a instabilidade naquela região do país.
Por isso, o académico propõe, como saída, a abertura do Governo para que pesquisadores e jornalistas possam ter acesso às zonas, de modo que possam assessora-lo com informações mais aprofundadas. Por outro lado, entende que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) devem ser mais pacíficos que violentos, construindo até pontes, hospitais e outras infra-estruturas para a comunidade. Isto é, mudança de abordagem do conflito. (Omardine Omar)