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BCI
quinta-feira, 30 abril 2020 06:15

O regresso dos “esquadrões da morte”… ?

Ossufo Momade, líder da Renamo, fez soar o alarme.


Primeiro, praticamente acusou o Presidente da República, Filipe Nyusi, de ser um indivíduo bifaciado e de atitudes dúbias, ao afirmar algo como “de manhã ele negoceia connosco a paz, mas na calada da noite instiga a polícia a perseguir e matar membros nossos” – facto que, a seu ver, põe em causa todos os acordos de paz até aqui assinados.


De seguida, apontou o seu dedo acusador ao regime, ao afirmar categoricamente que este terá reactivado os famigerados “esquadrões da morte”.


E, para sustentar as suas afirmações, não se coibiu de adiantar um par de exemplos: (1) o assassinato de um membro da Comissão Provincial do partido em Sofala e de sua esposa; e (2) o misterioso desaparecimento de membros da “Perdiz”, na Gorongosa, onde, de acordo com suas palavras, aqueles são forçados a filiar-se ao partido no poder, sob risco de também “sumirem do mapa”, caso se recusem a fazê-lo.

 

Momade fez estes (graves) pronunciamentos esta segunda-feira (27) numa comunicação aos jornalistas, sem direito a perguntas, na sede do seu partido.

Por sinal, o maior partido da oposição terá, eventualmente, todos os motivos do mundo, não só para temer os “esquadrões da morte”, mas também para achar que estes são, efectivamente, um braço do poder.


Isto porque foram vários os casos de membros seus de proa, que num passado recente teriam, alegadamente, sido vítimas desses temíveis grupos.


O caso mais paradigmático terá provavelmente sido o do deputado e membro do Conselho de Estado, Jeremias Pondeca, barbaramente assassinado num belo sábado de Novembro (de 2016), na zona da Costa do Sol, quando praticava o seu habitual “jogging” matinal. O corpo daquele dirigente só viria a ser identificado no dia seguinte, já na morgue do HCM (onde deu entrada como “desconhecido”) com a ajuda de familiares. Tinha duas balas na cabeça e uma no abdómen.


Após a investigação, as autoridades revelaram apenas que, de acordo com testemunhas, Pondeca teria sido alvejado por um grupo de quatro indivíduos que se faziam transportar numa viatura Toyota RunX, e que o seu corpo fora abandonado algures na praia da Costa do Sol. Ainda segundo o relatório, “por se tratar de uma pessoa desconhecida, o corpo foi removido para a morgue do Hospital Central de Maputo”.

 

A adensar as suspeitas de que este assassinato teria tido motivações políticas, soma-se um facto: à data da sua morte, entanto que membro da Comissão Mista, Pondeca chefiava a subcomissão que preparava o pacote legislativo para a descentralização – tema fulcral nas negociações (que, entretanto, decorriam entre o seu partido e o governo) e que esteve na origem de muitas desavenças.

Só para recordar, pouco tempo antes, o Professor Giles Cistac havia sido barbaramente assassinado, também por “desconhecidos”, após ter feito pronunciamentos sobre esse mesmo assunto: descentralização.

 

Outra figura de peso da Renamo, também vítima de “desconhecidos”, foi Manuel Bissopo, então Secretário-geral da “Perdiz”, alvejado à saída de uma conferência de imprensa promovida pelo seu partido no edílico bairro da Ponta-Gêa, na Beira.


Neste caso, os atiradores faziam-se transportar em duas viaturas, sendo que bloquearam o carro em que seguia Bissopo e abriram fogo. O guarda-costas do dirigente renamista morreu na hora, Bissopo ficou gravemente ferido (tendo sido, posteriormente, evacuado para a África do Sul), enquanto os outros ocupantes da viatura sofreram ferimentos ligeiros…

 

Também na capital sofalense, pouco tempo volvido, José Manuel – um sénior da “Perdiz”, promovido a membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança do Estado – foi barbaramente assassinado por “desconhecido”. Foi baleado, no bairro da Manga Mascarenhas, quando se fazia transportar num txopela, saído do Aeroporto Internacional da Beira, onde acabara de aterrar, vindo da capital.

Estes são apenas alguns exemplos de casos – até hoje insolúveis – que envolveram nomes sonantes do maior partido da oposição. Haverá certamente outros menos mediatizados, porém, os supramencionados podem dar uma indicação da “pretensa legitimidade” dos temores de Ossufo Momade – com relação à suposta reactivação desses grupos sanguinários. Caber-lhe-á, entretanto, provar que os mesmos são, de facto, um braço do poder – como aliás alega aos sete ventos.

Sinais “dos tempos”?

No entanto, nem só membros do principal partido da oposição têm sido os alvos preferenciais dos “so called” esquadrões da morte. Intelectuais, analistas, jornalistas, líderes de opinião, entre outros, também conheceram, ciclicamente, o sabor amargo das sevícias desses criminosos.


Entre os exemplos mais emblemáticos do que já sucedeu, destaca-se o supra aludido caso do Professor Giles Cistac, baleado mortalmente na esplanada de uma pastelaria onde habitualmente tomava o seu café, numa zona nobre da capital do país. O móbil do crime terá, supostamente, sido o facto de “meter-se em assuntos para os quais não era chamado”. Futurista como era, aquele académico elaborara com profundidade temáticas relativas (aos benefícios d)a descentralização em Moçambique.


Tais “visões” não foram do agrado de muita boa gente. Resultado? Foi apagado!

O Professor José Jaime Macuane também não ganhou para o susto: depois de emitir um conjunto de pontos de vista, num programa de “prime-time” num dos canais televisivos de maior audiência no país, foi interceptado (a 23 de Março de 2016), no bairro da Coop, levado para um terreno ermo, na Circular de Maputo, e baleado com quatro tiros nas pernas, um dos quais atingiu o fémur. Pelos vistos era apenas um aviso. No entanto, os agressores não se fizeram rogados e levaram consigo a viatura do académico.

Algo muito parecido terá acontecido, sensivelmente dois anos volvidos (a 27 de Março de 2018), a outro líder de opinião, Ericínio de Salema – jurista e jornalista. Este terá sido raptado à saída do SNJ, levado para um local distante e brutalmente espancado. Ficou com as duas pernas e o braço esquerdo fracturados, tendo sido dias depois evacuado para a África do Sul, onde recebeu tratamento hospitalar e convalesceu.


Igualmente, o “camaleónico” Carlos Jeque, político e ex-PCA da LAM, sofreu – quão Mazamera – às mãos de indivíduos desconhecidos, supostamente pertencentes aos “esquadrões da morte”. Foi interceptado na Circular, já na zona de Marracuene, levado para um terreno baldio, onde após ter sido torturado, foi obrigado a correr, enquanto os malfeitores efectuavam disparos em sua direcção. Uma das balas atingiu-lhe uma perna…


Enfim, estes são igualmente alguns outros casos exemplificativos de líderes de opinião que foram seviciados, suspeitosamente no intuito de calá-los. Entretanto, importa referir que, infelizmente, tantos outros têm acontecido pelo país fora, tendo como vítimas pessoas “sem nome e sem rosto”.



Facto curioso – e que não deve ser descurado – é que, precisamente nas alturas de “pico” em que ocorrem estes actos macabros, alegadamente protagonizados pelos “esquadrões da morte”, nota-se um endurecimento da linguagem e um redobrar dos níveis de intolerância, por parte dos defensores oficiosos do regime – antes cristalizados na figura do famigerado G-40, e hoje num grupo menos coeso de “atiradores furtivos” – que actuam nalguns media e, sobretudo, nas redes sociais.


É o que justamente tem estado a acontecer neste momento.

 

Há figuras VIP do Estado envolvidas?



As suspeitas – não só de Ossufo Momade, mas generalizadas – relativamente ao envolvimento de altas figuras do estado moçambicano nos crimes supracitados (e noutros), ganham consistência quando fazemos um exercício de memória e recuamos até ao mês de Março de 2016 – o ano mais sangrento de todos, neste contexto.

 

Numa entrevista bombástica concedida por um agente da UIR e publicada por dois jornais nacionais de grande circulação (“Savana” e “@Verdade”), ficou a saber-se da existência de esquadrões da morte em Moçambique. Pelas palavras do depoente, facilmente se constatava a semelhança entre as acções levadas a cabo por esses esquadrões e o modus operandi dos “desconhecidos” que perpetraram todos os crimes aqui descritos e não só.

 

Vejamos alguns excertos dessa empolgante entrevista, que consubstanciam o clima de suspeição, relativamente a este assunto:

 

«Sou agente da Polícia, da Unidade de Intervenção Rápida. Estive a trabalhar na Presidência da República. Fiz curso de franco-atirador (…).Somos mais ou menos um pelotão de 20 especiais (…).Nós ficamos no quartel, mas eles nos chamam, e dizem vão para a província X. Saímos daqui de avião, e lá apanhamos viaturas dos comandos provinciais.

 

Em Maputo nunca usamos armas contra militares. Conforme eu disse, dão-nos a foto e depois vão ouvir que um desconhecido foi encontrado morto na zona X, como se tivesse sido um assalto».

 

Relativamente a quem dá as ordens para que essas missões sejam levadas a cabo, o agente respondeu nos seguintes termos:

 

«Sabe, aqui em Moçambique há pessoas que nunca são mencionadas. De quem nunca se fala. Quando há problemas, sempre fala a polícia, os militares, mas há uns que sempre ficam por detrás disso: SISE (Serviços de Informação e Segurança do Estado). São grandes, têm informação de tudo isto aqui».

 

Descrevendo pormenorizadamente uma das operações em que participou, o agente da UIR disse:

 

«Numa operação em Nampula seguimos um Nissan Navarra branco de cabine dupla, com matrícula vermelha. Seguimo-lo desde o hotel, no centro da cidade, fomos via Cipal. Um pouco depois da Faina ele contornou para a estrada Nampula-Cuamba, e era ali mesmo que o queríamos. Passamos o mercado Waresta, fomos até antes de Namina, onde tem o distrito de Ribáuè. Quando saímos de Rapale, onde tem uma grande extensão de mato, o nosso primeiro carro, um Prado preto, ultrapassou e atrás estava outro Prado. Ele praticamente ficou no meio. Furámos o pneu de frente, ele perdeu a direcção e foi parar perto da linha férrea. Nós queríamos um indivíduo que estava atrás, a mexer o telefone… Um dos ocupantes saiu e queria responder o fogo, mas levou na cabeça. O responsável e o motorista também quando iam sair, atiramos mortalmente. Ficaram ali.»

 

Na longa entrevista, o “agente secreto” revelava ainda outras coisas surpreendentes, como o facto de serem as forças governamentais quem atacava as populações (confirmando depoimentos, dessa altura, de moçambicanos refugiados no Malawi, quando entrevistados por um canal televisivo).


O entrevistado falou ainda da forma como tinha sido possível, graças ao seu grupo, cometer uma fraude brutal, em Nampula, nas eleições de 2014… Mas isso é outra conversa.(Homero Lobo)

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