Num artigo publicado ontem na “Carta”, Joseph Hanlon defende a implementação dum bloqueio completo em Moçambique, semelhante ao que está sendo implementado no Zimbabwe e na África do Sul. No entanto, um bloqueio representa uma acção dramática que deve reflectir e responder uma situação específica que o país enfrenta. No artigo, Hanlon refere-se ao que é designado por número reprodutivo básico. Ou seja, o número de outras pessoas (que cada pessoa infectada) deve infectar. Se uma pessoa infectada espalha o vírus para outras duas pessoas, o número reprodutivo é dois. Hanlon sugere que, para o COVID-19, o número reprodutivo seja três, ou seja, que toda pessoa infectada pelo vírus espalhe-o para outras três pessoas. Segundo a OMS, no entanto, o número reprodutivo do coronavírus está entre 2 e 2,50.
À primeira vista, parece uma pequena diferença, mas quando se fala em crescimento exponencial, mesmo uma pequena diferença pode levar a resultados muito diferentes. Por exemplo, um número reprodutivo de 3 fornece 81 pessoas infectadas após cinco elos da cadeia, enquanto que um número reprodutivo de 2 fornece 32 pessoas infectadas no mesmo período.
Qual é a importância disto? Primeiro, o tamanho desse número é importante para a forma como o Governo responde à pandemia e, segundo, não é o mesmo para todos os países. De facto, o número reprodutivo é um número médio em qualquer caso. Isso significa que uma pessoa infectada pode espalhar o vírus para outras dez, e elas são chamadas de super-propagadores, enquanto outra pode não espalhar tudo. Em média, uma em cada cinco pessoas infectadas (20%) é uma super-espalhadora.
O ponto principal, no entanto, é que o número de pessoas infectadas pelo vírus diferirá de país para país com base nas características de cada país. Essas características incluem, por exemplo, quantidade de viagens internacionais, nível de mobilidade interna, densidade da população, estrutura etária e factores culturais (por exemplo, se as pessoas se tocam quando se cumprimentam).
Ontem cedo (domingo), “Carta” publicou um estudo que implicava que a pandemia do corona terá exactamente a mesma trajetória em todos os países da África, mas isso não só é apenas ilógico, mas de facto é também errado. A única variável usada no modelo é quando um país tem sua primeira infecção, mas sabemos que o curso da epidemia depende de muitos outros factores. É por isso que alguns países conseguiram controlar a epidemia e outros não.
É um erro grave recomendar medidas específicas em Moçambique com base em factores completamente diferentes dos países que estão mais infectados agora.
Vamos olhar para alguns deles. Se observarmos a taxa de mortalidade por faixa etária na Itália, que é o país mais afectado, vemos que as taxas de mortalidade são muito mais altas nas faixas etárias mais velhas. Da mesma forma, a taxa de mortalidade na faixa etária de 0 a 30 é, estatisticamente falando, zero. Isso é bem conhecido e não é uma surpresa.
Contudo, quando comparamos a estrutura etária da Itália com Moçambique, vemos que a idade média na Itália é de 45,4 anos, enquanto a idade média em Moçambique é de apenas17,6 anos. Isso significa basicamente que, em média, a Itália tem uma população muito mais antiga do que Moçambique. No contexto da pandemia da corona, ter uma população jovem é uma vantagem incrível pela qual devemos ser muito gratos. Isso também acontece se compararmos a Alemanha e Itália.
Na Alemanha, a taxa de mortalidade é significativamente menor do que na Itália, provavelmente porque a idade média de um alemão infectado é de 40 anos e pouco, enquanto a idade média de um italiano infectado é de 60 anos. Portanto, já podemos ter certeza de que a estrutura etária de uma população influenciará bastante o número de pessoas que morrerão da pandemia. Com taxas de mortalidade variando de 0% (faixa etária de 0 a 30 anos) a 7% (faixa etária de 60 a 69 anos), antes que as taxas de mortalidade comecem a aumentar rapidamente, podemos assumir que o número de mortes em Moçambique, que tem uma idade média de 17,6 anos, será significativamente menor do que na Itália e em muitos outros países.
Obviamente, não é apenas a estrutura etária que é importante. Quais são os outros factores? Nível de desenvolvimento económico (implica maior interação entre pessoas e oportunidades de transmissão do vírus), densidade populacional e viagens internacionais. Se olharmos para esses factores, podemos ver que Nova York não está num bom lugar, enquanto os mesmos factores são favoráveis para Moçambique.
Moçambique tem outros factores que podem ser desvantajosos, como altas taxas de infecção pelo HIV e transporte público lotado. Cada um desses factores desempenha um papel, mas não vamos analisá-los aqui.
O que acontece quando há um bloqueio num país pobre?
As pessoas que vivem em moradias lotadas e precisam trabalhar todos os dias para obter renda não têm a opção de ficar em casa. Se o fizerem, morrerão de fome. Seria ingénuo esperar que o Governo alimente ou compense uma pessoa pobre que é forçada a ficar em casa. Sob tais circunstâncias, a pressão aumentará como numa panela de pressão, e é provável que se manifestem distúrbios civis.
Essa dinâmica é inevitável! Não se pode promover um bloqueio sem levar em conta as pressões sociais e económicas que provavelmente causam violência incontrolável, que, por sinal, também pode se expressar em ataques xenófobos. Embora exista um argumento de saúde pública para os bloqueios no Zimbabwe e na África do Sul, ainda não vimos todas as consequências sociais deles. Num país como Moçambique, que está a apenas a um aumento de preço de uma revolta, o risco de distúrbios civis devido a um bloqueio é muito alto, especialmente em áreas urbanas. Se se considerar o extremismo violento que está acontecendo no Norte, um bloqueio não é mais uma escolha directa.
Qual é o melhor caminho a seguir? Ninguém sabe ao certo, mas é essencial que o Governo siga uma estratégia que reflita as características específicas do país e não aja com base em “projecções médias” para toda a África ou a situação em outros países.
No contexto específico de Moçambique, pode ser preferível aplicar estritamente as medidas preventivas básicas (por exemplo, lavagem das mãos e distanciamento social), implementar controles sobre movimentos (como sugere Hanlon) e ter uma intensa campanha de informação (como sugere Hanlon), que alertará toda a população sobre riscos, sintomas e quais medidas a tomar para controlar a pandemia.
*Arild Drivdal possui um Mestrado em Saúde Pública (MPH) pela Universidade de Harvard e é treinado em epidemiologia e saúde comunitária. Ele é Assessor Técnico Sénior da h2n.