Sensivelmente quatro meses após a realização das VI Eleições Gerais de 15 de Outubro de 2019, a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia tornou público o seu relatório final sobre o processo, que teve como vencedores “absolutos” o partido Frelimo e o seu candidato presidencial, Filipe Nyusi.
A divulgação do relatório teve lugar esta quarta-feira, na capital do país, Maputo, em que numa das linhas aponta: "Uma análise das mudanças dos padrões de voto nas eleições presidenciais entre 2014 e 2019 revela o sucesso de uma estratégia centralizada com o objectivo de aumentar os votos a favor do partido no poder nos distritos da oposição”. O processo eleitoral decorreu, tal como refere o documento, num clima tenso, de intimidação da oposição e de desconfiança em relação aos órgãos eleitorais.
Concretamente, o extenso documento não difere, na substância, do relatório preliminar apresentado em Novembro último. Nas constatações, que começam desde o recenseamento eleitoral até à validação e proclamação dos resultados, destacam-se: o enchimento de urnas; voto múltiplo; invalidação intencional do voto da oposição; alteração de resultados de Mesas de Assembleia de Voto com adição fraudulenta de votos; e, membros de Mesa, funcionários públicos e eleitores encontrados com boletins de voto fora das assembleias de voto.
Consta, igualmente, que nos 51 distritos observados, em boa parte deles, a recepção do material foi desorganizada, tendo-se observado o preenchimento dos editais por parte dos membros das mesas, enquanto esperavam na fila para entregar os materiais; centenas de casos em que Presidentes das Mesas de Votação expulsaram delegados de candidatura dos partidos da oposição; o envolvimento da Polícia na expulsão dos delegados de candidatura da oposição; somas de voto que excedem o número de votos na urna ou ao número de eleitores.
Aponta ainda que em oito, de 69 mesas de assembleias de voto observadas, um número considerável de votos foi considerado inválido mesmo sendo clara a intenção de voto; números do recenseamento eleitoral em Gaza; detenção de Delegados de candidatura do partido Nova Democracia também em Gaza; Desembolso tardio dos fundos para os partidos da oposição; e cobertura desigual dos meios de comunicação social em relação aos candidatos da posição. Estas são algumas das constatações da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia.
A Missão de Observação Eleitoral da UE iniciou a sua actividade a 31 de Agosto de 2019, destacando 170 observadores para o dia da votação. Visitou, ao todo, 807 mesas de votação em todo o país. Analisou a campanha eleitoral, o quadro jurídico, o desempenho dos órgãos eleitorais, a qualidade do recenseamento eleitoral, a apresentação de candidaturas, o papel dos meios de comunicação, a participação das mulheres no processo eleitoral e o processo de votação.
Perante este quadro, a Missão de Observação Eleitoral deixou um total de vinte recomendações “prioritárias” que devem ser tidas em conta para a melhoria dos processos eleitorais no país.
Enquadramento Institucional
-“As instituições públicas, nomeadamente a CNE, deverão assumir a sua responsabilidade pela integridade do processo eleitoral, através da adopção de medidas que diminuam as consequências e o impacto nos resultados eleitorais do ilícito eleitoral e de más práticas cometidos durante a votação, contagem e apuramento”.
-“Adoptar e reforçar políticas para uma actuação imparcial e livre de influência política das forças policiais a todos os níveis, assegurando que aqueles que cometem violações da lei e de direitos humanos, nomeadamente durante o período eleitoral, são responsabilizados”.
Enquadramento Legal
-“Devem ser evitadas alterações à legislação eleitoral no período de seis meses antes das eleições, de modo a dar oportunidade aos intervenientes no processo para se familiarizarem com o quadro normativo”.
-“Para garantir a coerência, constitucionalidade e viabilidade de implementação da legislação eleitoral, as propostas de lei eleitoral deverão ser submetidas sistematicamente ao Conselho Constitucional para fiscalização antes da sua aprovação”.
-“Harmonização das leis eleitorais através da adopção de um código eleitoral e processual em conformidade com a recomendação contida no Acórdão 21/CC/2014 do Conselho Constitucional para garantir certeza legal e eliminar contradições legais”.
-“Alargar a definição sobre a validade de cada voto baseada na intenção do eleitor, especificando outras marcas aceitáveis para além do 'X' ou da impressão digital”.
-“Reintroduzir um segundo nível de controlo dos votos considerados inválidos com a requalificação destes a ser feita pelas comissões de eleições distritais, dada a discrepância existente nas interpretações sobre o que constitui um voto válido.
Administração Eleitoral
-“Garantir a independência orçamental da CNE através de uma linha de acesso directo e atempado aos fundos aprovados no Orçamento Geral do Estado, evitando que o desembolso dos fundos para a realização de eleições, incluindo o financiamento público da campanha eleitoral, esteja dependente do governo”.
-“Clarificar na lei a subordinação hierárquica entre os níveis central e mais baixos da administração eleitoral para garantir o respeito por directivas e instruções superiores”.
-“Implementar uma estratégia de comunicação pública eficaz, incluindo a publicação imediata e completa de todas as decisões, organização de reuniões consultivas com os partidos políticos de forma regular, e a contínua divulgação de informação aos intervenientes no processo, especialmente no período pré e pós-eleitoral”.
-“Aumentar a transparência e a confiança no processo eleitoral através da publicação de cópias originais dos resultados das mesas de assembleia de voto na página de Internet da CNE para consulta pública”.
Recenseamento Eleitoral
-“Criar e manter, através de actualizações nos anos eleitorais, um recenseamento eleitoral credível e permanente que goze de confiança pública e que reflicta com mais rigor o número de eleitores em cada província”.
-“Realizar uma auditoria independente dos dados provisórios do recenseamento eleitoral antes da aprovação dos dados finais do recenseamento”.
Campanha Eleitoral
-“Implementar a existente proibição do uso de recursos do estado para assegurar que as autoridades não abusam da sua posição para utilizar os bens públicos e mobilizar os funcionários públicos para fins de campanha eleitoral”.
-“As autoridades estatais deverão assumir responsabilidade na protecção das liberdades fundamentais dos candidatos, nomeadamente o direito à liberdade de reunião e de realizar campanha eleitoral num ambiente seguro, livre de violência contra membros e apoiantes dos partidos políticos. Os partidos políticos deverão também dissuadir os seus membros e apoiantes de interferir nas actividades de campanha de outros partidos”.
Meios de Comunicação Social
-“Converter o Conselho Superior de Comunicação Social (CSCS) num órgão regulador verdadeiramente independente, protegido contra interferência do governo, e em condições de actuar de forma transparente e de ser responsabilizado pelas suas acções, com um conselho de administração e membros recrutados através de um sistema inclusivo e competitivo”.
-“Melhoria da legislação para assegurar que os meios de serviço público são administrados por um conselho de administração independente e responsável perante o parlamento e não perante o governo”.
-“Revisão do Código Penal, Lei de Imprensa e outra legislação para eliminar as disposições desfavoráveis às liberdades de expressão e de imprensa, em particular abolir penas de prisão para casos de difamação de acordo com princípios internacionais”.
Observação Eleitoral e Delegados dos Partidos Políticos
-“A CNE deve assegurar a credenciação atempada de delegados dos partidos e de observadores”.
-“Criar um ambiente seguro e livre de intimidação para a participação de observadores eleitorais e representantes dos partidos em assuntos políticos e eleitorais”. (Carta)