Apesar do “BASTA!” decretado há 20 dias pelo Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), o Inspector-Geral da Polícia Bernardino Rafael, e secundado pelo Ministro do Interior, o Oficial General da Polícia na Reserva Pascoal Ronda, as manifestações populares, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, continuam o prato de cada dia, sobretudo nas cidades de Maputo e Matola, com os protestos a ganharem uma nova forma.
Para além do bloqueio de estradas e queima de pneus, os manifestantes adoptaram uma nova forma de protesto, que consiste na colocação de campas na via pública, alegadamente de membros do partido Frelimo, com destaque para o Presidente do partido (Filipe Nyusi), o candidato presidencial e Secretário-Geral do partido no poder (Daniel Chapo) e a Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Verónica Macamo, que é também mandatária do partido no poder.
No bairro do Zimpeto, por exemplo, existem também “túmulos” do Presidente da CNE (Comissão Nacional de Eleições); do Comandante-Geral da Polícia; dos antigos Chefes de Estado, Armando Guebuza e Joaquim Chissano; e uma “campa” à espera de Lúcia da Luz Ribeiro, Presidente do Conselho Constitucional.
Um pouco por toda a Área Metropolitana do Grande Maputo (que compreende as cidades de Maputo e Matola e os distritos de Marracuene e Boane), são visíveis “túmulos”, com flores e cruzes, com camisetas, fotografias e nomes de alguns membros da direcção do partido no poder. Algumas campas foram feitas de betão.
Durante as manifestações da última semana, em alguns bairros, os automobilistas eram obrigados a pôr areia, flores e água, como condição para o desbloqueio das estradas. Vídeos amadores partilhados nas redes sociais ilustram militares e Polícias a serem submetidos ao ritual que, em algumas ocasiões, conta com orações e canções relacionadas a cerimónias fúnebres.
Em entrevista à “Carta”, a Porta-voz da Frelimo, Ludmila Maguni, afirmou que o partido tem acompanhado a situação, descrevendo-a como “preocupante”. Maguni entende que, ao se fazer “campas” na via pública, os manifestantes “estão a querer desejar a morte das pessoas que estão aí a indicar”.
“É bastante lamentável que os manifestantes tenham este tipo de comportamento. Nós só podemos apelar às pessoas a entender que nós estamos a viver uma democracia, em que todos os partidos políticos têm direito a conviver no mesmo espaço”, defendeu.
Já o pesquisador João Feijó defende que os túmulos simbolizam o “isolamento da Frelimo do resto da sociedade” e sustenta o seu argumento com o facto de o partido no poder, que diz ser do povo, ter encerrado, na quinta-feira, as ruas que dão acesso à sua sede nacional, durante as exéquias fúnebres de Fernando Faustino.
“A Frelimo está completamente isolada do povo”, defende o académico, especialista em estudos africanos, que sugere a realização de uma pesquisa científica sobre o fenómeno.
Segundo Feijó, a criação de “túmulos” na via pública não é algo novo, mas defende que chama atenção “a intensidade e frequência” com que o fenómeno acontece, com a particularidade de se verificar, em grande parte, na Cidade de Maputo, a capital do país.
“É uma mensagem política muito importante e sendo emitida na capital, tão perto da Presidência da República. É uma carta colectiva da população, que quer enterrar este regime, que está decidida a ir até ao fim”, defende.
“Também pode ser um sinal de uma transformação. O poder está a cair na rua, mesmo no centro da cidade, o poder caiu. Os miúdos, residentes nos bairros nobres, descem à rua e participam nos roadblocks. (…) A questão que se coloca hoje é qual é o sector da sociedade que está com a Frelimo, talvez seja a UIR [Polícia antimotim], mesmo a UIR, acho que tem ali divisões, mas todos os outros sectores da sociedade são altamente críticos à Frelimo”, sentenceia o pesquisador do Observatório do Meio Rural.
Por sua vez, o jornalista Tomás Vieira Mário defende estarmos perante “práticas sinistras” e “inadmissíveis”, em democracia, sobretudo “em momento de alguma crispação”. “São rituais abomináveis, inadmissíveis, nem como expressão de repúdio, porque ultrapassam todos os limites da liberdade de expressão eleitoral. Portanto, não podemos olhar para isto de ânimo leve”, afirma.
Segundo Tomas Vieira Mário, em democracia não se pretende que qualquer parte morra, pois, não há inimigos, mas adversários. “Quando uma parte quer matar a outra, significa que quer impor ditadura”, sublinha.
O jornalista, que é também Director-Executivo do Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação SEKELEKANI, uma organização da sociedade civil dedicada à promoção da comunicação para o desenvolvimento, defende ser necessário, por um lado, que a Polícia, de forma pedagógica, demonstre que estamos perante um jogo democrático e, por outro, o candidato presidencial Venâncio Mondlane, que tem convocado as manifestações, repudie estes actos que, na sua óptica, “inspiram à intolerância política” e que não acrescentam nada à qualidade dos protestos.
Aliás, Tomás Vieira Mário expressou a sua preocupação com o envolvimento de militares nestes rituais. “A mim chamou atenção, com muita estranheza, ter visto aí pessoas que pareciam elementos do Exército a colaborar nesses rituais. O Exército é republicano por excelência, portanto, é muito estranho soldados tomarem partido em disputas eleitorais”, defendeu.
“Isto mostra um Exército mal preparado, em termos da sua postura republicana. Suponho que a Polícia Militar tomou as medidas, que foram devidamente admoestados, é assustador ver soldados a tomar partido em disputas eleitorais”, anotou.
Já a Pastora Rosy Timane, do Ministério Valentes Na Fé, defende que este tipo de acção pode ter várias interpretações, tanto espirituais quanto sociais e políticas, mas, em geral, expressa um sentimento de “frustração e desespero” da população “diante de um governo considerado opressor, corrupto ou ineficaz”.
Em termos políticos, por exemplo, Rosy Timane entende que o túmulo pode representar a morte simbólica da autoridade, da liderança ou do governo. “A população pode estar a dizer que considera aquele Governo ou aqueles líderes ‘mortos’ ou que já não têm mais legitimidade para governar”, afirma.
“O uso de túmulos pode simbolizar o fim de um ciclo político ou de um regime, uma forma de declarar que o Governo ou os políticos não têm mais valor ou apoio. Esse gesto pode ser uma forma de rejeição radical, sugerindo que a confiança naquelas figuras foi enterrada”, sublinha.
A nível espiritual, explica a fonte, a imagem do túmulo representa o fim de algo, mas também pode ser vista como o início de um novo ciclo. “O protesto pode carregar um simbolismo de renovação, onde o fim de uma liderança corrupta ou ineficaz abre espaço para uma nova fase, esperançosa e mais justa. Em algumas religiões, o acto de enterrar pode ser associado a uma chamada por justiça divina. As pessoas podem estar expressando o desejo de que um poder superior traga uma resolução para a corrupção ou injustiça que percebem no Governo”, sublinha.
Refira-se que, para além de túmulos, os protestantes já saíram à rua com caixões, alegando estar a velar o partido no poder, enquanto outros já desfilaram semi-nus e outros acorrentados por indivíduos com indumentária do partido no poder, numa encenação que remete à escravatura. (A. Maolela)