Chama-se Maria Madalena Matusse, tem 29 anos de idade e é natural do Posto Administrativo de Calanga, distrito da Manhiça, na província de Maputo. Reside no bairro de Maxaquene com o seu marido há mais de cinco anos. Foi atropelada brutalmente por um BTR da Polícia Militar, na quarta-feira (27), durante as manifestações, na Avenida Eduardo Mondlane, no centro da capital moçambicana.
Segundo informações prestadas pelo esposo, Julião Silvestre Chihugule, Maria Matusse saiu de casa, como habitualmente, para ir trabalhar. Mas, devido à situação do país, ela acabou estando no lugar errado e na hora errada.
Maria é descrita pelo marido como uma mulher forte e corajosa. Ela trabalha como diarista numa das empresas localizadas na Avenida 24 de Julho, esquina com a Avenida Filipe Samuel Magaia. Com semblante visivelmente abalado e num ambiente hospitalar bastante agitado, devido ao “entra e sai” de diversas pessoas que querem visitar a sua esposa, Chihugule relata que o quadro da paciente está a evoluir bem, embora haja algumas restrições.
“Ela sofreu muito na cabeça, devido à forma como caiu. Quando passou o efeito da anestesia, ela começou a queixar-se de muita dor de cabeça. Neste momento, ela tem dificuldades para comer, por isso, a nossa preocupação é oferecer alimentos leves, como sopa, papas e sumos", contou.
"Até agora, não consigo explicar exactamente o que aconteceu com ela. Eu mesmo fiquei surpreso quando recebi uma chamada informando o que havia acontecido e, momentos depois, comecei a ver os vídeos do atropelamento circulando nas redes sociais, o que aumentou o choque. Ainda não consegui ouvir dela como tudo ocorreu, porque até agora ela não conseguiu compreender totalmente o que aconteceu e não fala de forma coerente, o que indica que está com algum problema de memória", frisou.
Chihugule afirmou que a sua esposa está fora de perigo desde a noite de quarta-feira. Os médicos conseguiram estabilizar a sua situação, mas ele acredita que foi muita sorte que o BTR tenha passado por ela sem causar danos mais graves.
“Maria Madalena é uma jovem alegre e acredito que tudo vai ficar bem. Espero que ela se recupere o mais rápido possível. Ela não estava nas manifestações, acredito que tenha ido parar naquele lugar tentando uma forma de chegar em casa, após o trabalho”.
Vale destacar que durante a nossa presença no Hospital Central de Maputo para conversar com Chihugule, a sua esposa recebeu por três vezes visitas de militares. “Logo cedo, eles estiveram aqui para trazer o café da manhã para a minha esposa, sem antes procurar saber sobre o seu estado de saúde. Trouxeram uma comida seca, mas infelizmente ela não pôde comer. Algumas horas depois, outro grupo de militares apareceu e quis fazer algumas fotos da minha esposa, alegando que era para algum trabalho, mas eu não permiti. E por volta das 12h00, outro grupo de quatro militares veio entregar o almoço, desta vez uma refeição mais leve, já que ela tem dificuldades para mastigar”.
O marido prosseguiu afirmando: “até aqui eles estão a prestar uma boa assistência, só não sei até onde isso vai. Um facto curioso é que recebi uma ligação estranha de pessoas que alegaram ser do Departamento de Justiça e Direitos Humanos. Não sei o que querem tratar, mas não estou muito tranquilo com o facto de a minha esposa estar atraindo muita atenção, inclusive de pessoas que têm pedido apoio em seu nome e até partilhado um número desconhecido para a canalização deste apoio”.
Refira-se que, horas depois do incidente, circulou, nas redes sociais, uma suposta campanha de angariação de fundos em apoio à vítima. “878458204, número da jovem que foi atropelada propositadamente pela Polícia, quando manifestava hoje [quarta-feira] em Maputo. Chama-se Maria Matisse. O contacto é para quem queira ajudar com o que for. Se tiver 50 MT, 100 MT, 200 MT ajude”, refere a mensagem publicada por alguns internautas. A família diz não reconhecer a campanha e revela que o contacto em causa não é da vítima.
Chihugule explicou ainda que, após o acidente, os manifestantes aproveitaram-se da situação e tomaram o celular da sua esposa. Porém, ele expressou o desejo de que, quando ela deixar o hospital, não veja o vídeo do atropelamento imediatamente.
"Minha preocupação é que ela não veja aquele vídeo agora, porque acredito que isso pode causar um trauma psicológico. Mesmo agora já é possível perceber que ela não está bem, especialmente na parte da cabeça e nem quero imaginar o choque quando ela ver o vídeo”, detalhou Chihugule.
Para além dos militares, explica o esposo da vítima, membros de organizações da sociedade civil têm marcado presença no HCM, prestando apoio à Maria Madalena Matusse, havendo, inclusive, uma advogada que se tenha disponibilizado a prestar assistência jurídica à vítima, gratuitamente.
Por outro lado, o director do Serviço de Urgência do Hospital Central de Maputo, Dino Lopes, afirmou que, felizmente, a paciente está fora de perigo, mas ainda precisará continuar internada por alguns dias.
“A jovem entrou em estado grave devido à diminuição do nível de consciência e teve lesões na cabeça, segundo os exames de Tomografia Computadorizada (TAC), mas não foi necessário realizar nenhuma intervenção cirúrgica. Provavelmente, dentro de uma semana, ela poderá receber alta", disse o médico.
Lopes explicou ainda que o HCM recebeu seis pacientes, vítimas de diferentes traumas causados pelas manifestações da última quarta-feira, das quais cinco já tiveram alta clínica, permanecendo apenas a jovem atropelada na Avenida Eduardo Mondlane. (Marta Afonso)