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sexta-feira, 10 maio 2024 07:06

Ainda temos fé em Moçambique, escreve Tomás Vieira Mário

Daniel Francisco Chapo é o homem que se segue.

 

Nascido em 1977, ele é o primeiro candidato da FRELIMO a Presidente da República,  que nasce depois da independência nacional, proclamada dois anos antes, em 1975.

 

Ao longo de vários meses, os moçambicanos foram consumindo informação – alguma verídica, outra nem por isso – indicando nomes de possíveis pré-candidatos: o seu nome jamais foi, em lado algum, mencionado, como aliás nenhum dos outros cinco indicados pela Comissão Política do partido, nomeadamente: Damião José, Roque Silva, Esperança Bias e Francisco  Mucanheia. De resto, na composição final da lista, do dia 5, Daniel Chapo vinha em último lugar.

 

Tal como a maioria dos outros moçambicanos, é relativamente pouco o conhecimento que temos  do perfil do candidato a novo inquilino da Ponta Vermelha.

 

Eu conheci-o em 2015, quando ele foi nomeado Administrador do Distrito de Palma, o distrito do gás,  na Província de Cabo Delgado, lá no extremo norte de Moçambique.

 

Já nessa altura, e bem antes do terrorismo, Palma era zona de conflito. Ou, pelo menos, de alta tensão social. Os processos de retirada de camunidades da península de Afungi, das suas zonas de origem, para dar lugar à construção de infra-estruturas associadas à exploração de gás natural da bacia do Rovuma agitavam, então, a região.

 

Os “maus da fita”

 

As meetodologias de consultas comunitárias sobre reassentamentos e compensações às comunidades directamente afectadas constituiam fontes de constantes fricções entre, por um lado, o governo e a petrolífera americana, Anadarko, e por outro, aquelas comunidades e grupos de organizações da sociedade civil, que monitoravam o processo. Entre estas, estava o Centro Terra Viva e o SEKELEKANI, encabeçadas pelos seus directores, Alda Salomão e nós próprios, respectivamente.

 

O governo, no distrito  e na Província,  mal se entendia com as comunidades , que boicotavam sucessivas reuniões, dizendo-se enganadas: é aí onde as OSCs eram empurradas para a fogueira, acusadas de, na calada da noite, manipular as comunidades, mobilizando-as para “bloquearem o desenvolvimento do país”. O ambiente em 2013 e 2014 andava, pois, muito turvo.

 

E é assim que, numa manhã, sem mais nem porquê, dois agentes da Polícia, levando  armas de guerra, vão à procura da Directora do CTV, Alda Salomão, e do seu local de acomodação, vão escoltá-la, qual perigosa criminosa,  até à Esquadra local, aonde a interrogam sobre o que estaria a fazer em Palma. Daí vai, a Polícia, determinar que, doravante, quando para lá ela se deslocasse, devia apresentar-se “às autoridades competentes”...Tudo a mando do Administrador distrital.

 

Nós mesmos, em plena reunião do Conselho Consultivo Distrital, que tinha como ponto único de agenda, o debate final do processo de consultas comunitárias sobre  reassentamentos, vamos ser alvo de ataque feroz do Administrador do Distrito. Em público, somos aí “denunciados”  como  “hienas e feticeiros” que, à calada da noite, andam a distribuir panfletos, agitando as comunidades para bloquear os trabalhos em curso na região. Isto, em reacção à nossa contestação contra a posição que o Administrador tinha acabado de anunciar, remetendo os camponeses à Internet, para endereçarem qualquer  reclamações ao  Governo... por via do correio electrónico, vulgo “email” (!)

 

O apaziguador

 

Assim, em 2014 o ambiente em Palma tinha-se tornado  extremamente pesado, em que as comunidades boicotavam reuniões de consulta promovidas pela Anadarko e dirigidas pelo governo, e onde este hostilizava as OSC , considerando-as culpadas pela tensão ora instalada.

 

Entretanto, com cada vez maior frequência, ouvia-se falar de “estranhos” que entravam em Mesquitas trajados de forma pouco conhecida localmente e levando catanas ou navalhas à cintura; e que  preconizavam formas estranhas de pregar o islão...O que aumentava o nervosismo das autoridades.

 

É neste contexto que Daniel Chapo chega a Palma, transferifo de Nacala-a Velha, na vizinha Provincia de Nampula. No primeiro encontro, na sede do governo distrital ,vai  ocorrer, de imediado, um fenómeno que me “baralha”:  a sua altura, contrastando com uma atitude de humildade e muita cordialidade: em tudo, o oposto do seu antecessor!

 

Na ocasião, disse ele,  entre outras coisas, que estava ali para ouvir, pois sabia que nós lá temos estado, há já algum tempo. Sem nossa  solicitação (provavelmente nem nos teriamos atrevido a a faze-lo)  ele disponibiliza, logo , os seus contactos telefónicos.  Estou eu na companhia de Camilo Nhancale, o entretanto falecido Director da KUWUKA. À nossa saida daquela audiência,  perguntamo-nos, estupefactos:  “O que teremos feito, de tão diferente, para tão cordial encontro?”. Nada! Não tinhamos feito nada.

 

Não sabemos se ele tinha, especificamente, como missão, “pacificar” a zona; recuperar a autoridade/ legitimidade do governo distrital perante as comunidades em estado de alta tensão, e criar um ambiente de diálogo são com a sociedade civil.  Ora, se esta sua transferência para Palma não tinha, especificamente, esta missão...o facto porém é que, da nossa perspectiva, esse foi o resultado quase imediato que ele logrou alcançar nesta zona  do extremo Norte de Moçambique.

 

Afinal que questões críticas estavam em causa em Palma? Estavam em causa questões complexas das comunidades afectadas: a sua remoção involuntária de suas terras de origem, e consequente reassentamento em outras terras; o seu direito a compensações justas por perdas e danos e garantia de restauração de meios de vida sustentáveis. O que a sua abordagem impunha? Ela impunha estratégias de engajamento e de comunicação com as comunidades impactadas , que fossem genuinas; que não só fossem honestas e sem esquemas ardilosos,  mas também assim parecessem aos olhos de todos.

 

Um clima de  diálogo são  entre, por um lado, o governo e a Anadarko, e, por outro, as comunidades locais e OSCs, tinha assim sido  (re)estabelecido. Ninguém mais nos atribuia adjectivos pejorativos.

 

Mas um ano depois, em 2016, o administrador de Palma é promovido a Governador Provincial de Inhambane. Contudo, a mudança tinha sido introduzida, e o seu substituto em Palma,  Davide Machambuco,  consolidou-a.

 

Não sabemos se foi  esta  acção “apaziguadora” em Palma que motivou o Presidente da República, Filipe Nyusi, a elevar-lhe as responsabilidades governamentais,  designando-o  Governador de Inhambane. Lá onde, tal como em Palma, as relações entre a empresa petrolífera sul-africana, SASOL, e as comunidades das zonas onde ela explora gas – Pande /Temane – andavam profundamente azedas,tendo entretanto, melhorado substancialmente, nos ultimos anos.

 

Com o “padrinho” de Homoine

 

Mas o nosso contacto em Inhambane não vai ocorrer em torno do gás de Vilanculo: vai ser em outro contexto, bem mais a Sul da Provincia, no distrito de Homoine. Por iniciativa do Governo Distrital, foi-nos atribuido o titulo honorífico de Padrinho do Distrito. Qual é, nessa qualidade, a nossa missão? Nada mais, nada menos, do que representar e defender os mais nobres interesses das populações locais, em prol do seu desenvolvimento. Cruzamo-nos, nesssa qualidade, com o Governador Daniel Chapo, em Homoine e na Cidade de Inhambane, em encontros de absoluta cordialidade e abertura. Lançamos, em Homoine, planos estratégicos de desenvolvimento do Distrito, em ocasiões  asssociadas a feiras agro-pecuarias, em que o Governador vincava, sempre, o que nos parece ser o seu carácter de fundo: abertura, comunicação, cordialidade e simplicidade.

 

Estou profundamente convencido  de que foi com estes valores – entretanto cada vez mais escassos na  nossa cultura governativa – que o administrador Daniel Chapo, em muito curto espaço de tempo, logrou acalmar as ondas revoltas e desnorteadas de  Palma, em 2015, promovendo  diólogo são, sob o vento por vezes muito forte, das tardes do Rovuma. Sem esquemas nem engodos.

 

Não é mesmo disso que a Pátria Amada precisa? Ainda temos fé em Moçambique!

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