Na semana passada, o grupo indiano ETG perdeu uma batalha judicial que comprovou ter-se tratado de litigância de má-fé da sua parte. Duas das três providências cautelares que o ETG instaurou em Nampula (uma cível da Secção Comercial do Tribunal Judicial da Província de Nampula, outra criminal no mesmo Tribunal, e uma terceira no Tribunal Marítimo da mesma província, para impedir a exportação de feijão holoco e soja por parte do Grupo Royal – alegando ser seu feijão bóer arrestado em Dezembro pela Justiça) foram consideradas injustificadas e sem fundamento.
Os despachos definitivos dos juízes do Tribunal Marítimo da Província de Nampula (de 14 de Fevereiro) e do Tribunal Judicial da Província de Nampula (de 7 de Fevereiro) revelam que as providências do ETG não tinham fundamento e o grupo não conseguiu apresentar uma prova, mesmo em sede de contraditório diferido.
Depois de espremidos os factos desta novela, parece ter ficado claro que o Grupo ETG pretendia era mesmo causar danos económicos e reputacionais ao Grupo Royal, uma vez que, mesmo sem fundamento plausível, o grupo indiano usou sua musculatura financeira e empurrou a “mídia” global para vender uma mentira: a de que o Grupo Royal estava a exportar, fraudulentamente, seu feijão bóer arrestado.
Durante quatro semanas, o Porto de Nacala (Terminal de Contentores) esteve encerrado para dar lugar a um expediente judicial das empresas do grupo indiano ETG (por via de três providências cautelares) contra o moçambicano Grupo Royal, sob a suspeita, agora provada infundada, de que a companhia moçambicana estava a tentar exportar, fraudulentamente, seu feijão bóer arrestado pela justiça em Dezembro, através de um total de 250 contentores do Grupo Royal, carregados de feijão holoco e soja, que deviam seguir, a 18 de Janeiro, a bordo do navio Ubena, do armador CMA. A mercadoria já tinha compradores à espera, de acordo com uma fonte do Grupo Royal.
Toda a mercadoria foi inspeccionada e a suspeita do ETG não provada, tanto em sede de inspecção judicial como em sede de contraditório diferido, onde o grupo indiano manteve a mesma ladainha que usou para conseguir atrasar as exportações do Grupo Royal: ouviu dizer que o feijão bóer arrestado estava a ser exportado. Pois, foi tudo por “ouvir dizer”.
Recorde-se, em Dezembro passado, a pedido do Grupo Royal, a Justiça arrestou mercadoria do ETG, nomeadamente feijão bóer, no quadro de um procedimento judicial ainda em curso. A decisão do arresto seguiu-se a uma acção cível instaurada pelo Grupo Royal na Secção Comercial do Tribunal Judicial da Província de Nampula, através da qual a empresa moçambicana exige ao Grupo ETG o pagamento de uma indemnização no valor de 3.908.700.000,00 Mts (três biliões, novecentos e oito milhões, setecentos mil meticais). Esta exigência tem antecedentes numa denúncia caluniosa junto das autoridades indianas de que o Grupo Royal foi vítima. Após deferimento do pedido de arresto, o Grupo Royal foi nomeado fiel depositário da mercadoria, com proibição da sua venda e mantendo-a em condições de conservação.
A primeira providência cautelar contra a exportação do Grupo Royal fora decretada a 10 de Janeiro (do ano corrente) pelo juiz Khaled Varinda.
Uma amostra de 15 contentores (dos 250) da carga do Royal no UBENA foi minuciosamente verificada no passado dia 17 de Janeiro. A alegação do Grupo ETG não se provou. Mas mesmo assim, o ETG voltou à carga no dia 20 com nova providência cautelar inominada, exigindo que os restantes 235 contentores fossem, também, inspeccionados, um a um. E contentores foram descarregados, complicando as operações portuárias.
Mas mesmo antes da inspecção aos 235 contentores ter sido feita, o ETG atirou-se poucos dias depois contra a Green Mauritânia, uma companhia alheia à disputa judicial entre o grupo moçambicano e a multinacional indiana. A principal alegação do ETG nessa investida contra a Green Mauritânia era a de que os restantes 200 contentores carregados no UBENA, nomeadamente os da Green Mauritânia, pertenciam ao Grupo Royal, que estava agora a tentar exportar por interposta companhia.
Contudo, a alegação do grupo ETG quanto aos 200 contentores da Green Mauritânia estava também carregada de uma incongruência gritante: o arresto da mercadoria do ETG ocorreu a 22 de Dezembro de 2023, mas já em Novembro (21), a Green Mauritânia obtivera o Certificado Fitossanitário da sua mercadoria para exportação, o que punha em causa a possibilidade material de o produto contentorizado e embarcado pela Green ser o mesmo que o arrestado.
A terceira inspecção teve lugar a 9 de Fevereiro, visando os restantes 235 contentores do Royal. O auto de inspecção foi claro: uma amostra aleatória de 20 contentores mostrou que os mesmos estavam carregados de feijão holoco e soja, nada que se parecesse com feijão bóer arrestado. A montanha urdida pelo ETG tinha parido um rato.
ETG: entre a litigância de má-fé e a pura malícia
Na actual batalha judicial à volta do caso da denúncia caluniosa sobre soja geneticamente modificada (e não sobre feijão bóer como tem sido propalado), entre o Grupo ETG e o Grupo Royal Limitada (RGL), em que a firma moçambicana exige da indiana uma compensação de 60 milhões de USD, pois considera que funcionários daquela multinacional causaram-lhe prejuízos equivalentes na Índia (através dessa denúncia, posteriormente desmentida judicialmente), o grupo indiano pareceu ter usado expedientes de má-fé.
Factos bizarros e de aparente negligência, atribuídos ao ETG, tiveram lugar neste processo em Nacala. Com efeito, a primeira averiguação de 15 contentores, que deveria ter sido realizada na tarde e noite de 16 de Janeiro de 2024, não se efectivou porque o ETG não tinha criado condições logísticas para o efeito, nomeadamente, o aprovisionamento da equipa da estiva para descarregar os contentores, falta de alicate de corte para abertura dos selos dos contentores. Por outro lado, no dia 19 de Janeiro de 2024, a meio dos trabalhos, o ETG "desistiu" da diligência solicitada logo que os resultados da averiguação revelaram que o conteúdo dos primeiros contentores inspeccionados era feijão holoco.
Como que comprovando a litigância de má-fé por parte do ETG, o despacho da juíza do Tribunal Judicial da Província de Nampula, Esmeralda da Conceição Lucas Baulene, exarado a 7 de Fevereiro, destacou: “em sede de contraditório diferido, o representante das requerentes, bem como as testemunhas arroladas, não sustentaram as suas declarações com qualquer prova, ainda que indiciária, sobre o receio de que os requeridos estariam a vender ou a preparar o processo de exportação da carga arrestada, contudo, não se mostram existir evidências para sustentar tal facto”.
O juiz do Tribunal Marítimo da Província de Nampula, Júlio Boliz, também foi claro quando refere no seu despacho, de 14 de Fevereiro, causticamente, que, em sede de contraditório diferido, os requerentes apenas voltaram a frisar que “ouviram dizer” que a constituída fiel depositária estava a preparar-se para vender os bens arrestados: que não sabem onde estão armazenados os bens arrestados e em que condições.
Dando fim ao expediente malicioso do grupo ETG (requerimento providência cautelar inominada, registada sob o n.° 01/TMPN/SC/2024) o Juiz foi peremptório na sua decisão: “Chegamos à conclusão de que, nos presentes autos, não se mostram apresentadas provas que habilitem o tribunal a manter a decisão que decretou provisoriamente a presente providência cautelar inominada”.
Quem paga por todos os prejuízos da sua litigância maliciosa no Porto de Nacala?
O expediente cautelar do grupo ETG, ficou provado, baseou-se numa suspeita infundada (no ouvir dizer) provocando danos avultados à empresa moçambicana e às operações portuárias. Logo depois da primeira averiguação à amostra de 15 contentores de feijão holoco do Grupo Royal, as autoridades portuárias já reclamavam, depois dessa inspecção, de prejuízos de 450 mil USD. Mas, por insistência do ETG, os restantes 235 contentores do Grupo Royal foram também inspeccionados.
Uma fonte do Grupo Royal perguntou-se: “Depois de três inspecções judiciais em que a suspeita do grupo ETG não se provou, com prejuízos avultados para operações portuárias, e para as empresas requeridas, a questão que não quer calar é quem paga por esses prejuízos”. A fonte parte do princípio que o recorrente expediente judicial do ETG já está a causar prejuízos avultados, uma vez que as diligências de inspecção implicam o adiamento de uma extensa e longa lista de compromissos comerciais já assumidos perante terceiros e uma reprogramação das suas agendas de exportação.
Para além do atraso da partida do navio Ubena, que se encontrava fundeado dentro da baía, o Grupo Royal elenca, como fontes para prejuízos, condições climáticas (época chuvosa e de elevada humidade) não favoráveis para a boa conservação da carga, enquanto esta permanecer a bordo do navio, por períodos de tempo acima dos previstos.
Por estas e outras razões, o Grupo Royal solicitou em tempo devido que, antes do início da segunda averiguação (dos 235 contentores, depois de comprovado que em 15 abertos anteriormente não foi encontrado vestígio do feijão bóer arrestado), e por causa da sua duração incerta, o Tribunal impusesse, ao abrigo do disposto no número 3 do artigo 387° CPC, uma caução no valor de USD 4.675.000, equivalentes a 301.631.000,00Mt (trezentos e um milhões, seiscentos e trinta e um mil Meticais), “de modo que se mostrem aprovisionadas as despesas decorrentes dos prejuízos imediatos por interrupção da exportação da mercadoria dos Requeridos, e para evitar debates posteriores sobre aprovisionamento de despesas da diligência solicitada”. Estranhamente, o Tribunal Marítimo da Província de Nampula nunca chegou a responder esse pedido.
ETG arrastando a “midia” internacional para o “fake news”
No actual expediente judicial contra o Grupo Royal, o conglomerado indiano induziu jornais e agências de prestígio mundial, como o Financial Time, a Bloomberg, a Reuters e a Lusa, normalmente vigilantes contra narrativas falsas, a publicarem factos incorrectos. A narrativa conta a vitimização de um “player” global das “commodities”, o ETG, diante de uma empresa moçambicana “em conluio com autoridades corruptas locais”; coisa que, na opinião pública internacional, encaixava como uma luva, porque santifica o investidor estrangeiro e demoniza um Estado africano.
Um levantamento feito por “Carta de Moçambique” registou uma forte presença mediática em todo o mundo de narrativas favoráveis ao Grupo ETG, geralmente pintado como vítima de um alegado cartel moçambicano centrado no Royal Grupo Lda. Depreende-se que, com sua pujança económica, o ETG consegue passar facilmente na mídia mundial todas as suas narrativas, mas muitas das vezes isso não acontece sem deturpação da verdade.
O último episódio aconteceu entre os dias 17 e 18 de Janeiro, no quadro da primeira inspecção judicial decorrente das três providências contra o Grupo Royal. Na sexta-feira, 17 de Janeiro, 15 contentores do RGL foram descarregados e verificados minuciosamente por entidades judiciárias, portuárias, marítimas e alfandegárias (incluindo os representantes legais do ETG e do RGL), mas o resultado foi completamente nulo.
Ou seja, não foi encontrado nenhum indício da mercadoria arrestada. Mas, ao longo desse dia, o noticiário favorável ao ETG marcou as parangonas. Jornais e agências de craveira mundial foram induzidas ao “fake news”. A agência portuguesa Lusa, que investe muito contra o “fake news”, intitulava “Moçambique: Tribunal cancela saída e trânsito de feijão bóer apreendido à ETG por concorrente”.
Seu artigo, em inglês, (https://clubofmozambique.com/news/mozambique-etg-to-stop-export-of-seized-pigeon-peas-252555) noticiava, erradamente, que o Tribunal Marítimo da Província de Nampula cancelou a saída de contentores que transportavam feijão bóer e outros produtos apreendidos ao conglomerado ETG em Moçambique, que um concorrente pretendia exportar, segundo uma decisão a que a Lusa teve hoje acesso.
Nada mais que “fake news”. Não houve nenhuma tentativa de exportação de feijão bóer arrestado por parte do Grupo Royal, nem o Tribunal fez tal informação. Na sua edição de 17 de Janeiro, o Financial Times caiu na mesma ladainha mentirosa, num artigo intitulado “Trading firm tries to halt $60mn shipment of seized pigeon peãs”. Um dia antes, a prestigiada agência de informação financeira “Bloomberg” também era claramente empurrada para a incorrecção Mitsui-Backed ETG Has $61 Million of Cargo Seized in Mozambique - Bloomberg.
A agência noticiosa americana Reuters não escapou à narrativa do ETG que, essencialmente, espalhava para o mundo a imagem aterrorizante de um Moçambique sem lei e ordem. Com o título “Mozambique court rules for ETG commodities in pigeon peas battle”, a agência sediada em Nova Iorque escrevia, a 19 de Janeiro, (Mozambique court rules for ETG commodities in pigeon peas battle).
A estratégia da narrativa do Grupo ETG continuou, nos dias seguintes, polvilhando a grande “mídia” internacional de mentiras, enganando leitores e mercadores sobre o que verdadeiramente se passa em Moçambique relativamente à saga do feijão bóer. A questão que se coloca hoje é: agora que as providências foram decididas como infundadas, por que razão o Grupo ETG não divulga para o mundo que perdeu a causa, que induziu em erro jornais de reputação mundial? (Marcelo Mosse)