A cidade e província de Maputo registaram durante a greve dos médicos e profissionais de saúde, entre princípios de Junho até aos primeiros dias do mês de Setembro, histórias trágicas decorrentes da paralisação que colocaram em causa o direito à saúde.
Uma reportagem feita pela “Carta”, durante o mês de Setembro e princípios do mês de Outubro, em que as mulheres grávidas foram as principais fontes, traz histórias chocantes resultantes da falta de atendimento.
“Por falta de atendimento adequado “tive complicações de parto, perdi o meu bebé e fiquei com uma ferida para a vida toda e jamais esquecerei porque tive que passar por uma cesariana depois de muito sofrimento e nem sei se ainda quero ser mãe”, contou Rosália Nhanombe, que deu entrada no Hospital Central de Maputo (HCM), depois de ter perdido a sua última consulta de pré-natal que fazia no Centro de Saúde do Alto Maé porque os profissionais de saúde estavam em greve.
Segundo a fonte, a consulta estava marcada para uma quarta-feira e ela decidiu antecipar a mesma porque sentia o bebé a mexer. Quando se dirigiu ao Centro de Saúde do Alto Maé não recebeu o atendimento e ainda ouviu uma mensagem chocante por parte de uma das enfermeiras. “Não consegues ver que não estamos a trabalhar porque estamos em greve, vem fazer o que aqui em vez de ficar na sua casa a dormir”.
Em conversa com Ana Mafalda Zibia, residente do bairro Chamanculo, esta contou desesperada que no mês de Agosto não teve a sua consulta pré-natal no Centro de Saúde de Chamanculo porque os profissionais não estavam a trabalhar, mas como tinha uma requisição para fazer uma ecografia, decidiu ir ao Hospital Central de Maputo e também não conseguiu porque os serviços não estavam a funcionar por conta da greve dos médicos.
“Fiquei muito desesperada porque devia ter feito a ecografia, visto que, na minha última consulta pré-natal, a enfermeira disse que estava a sentir algo estranho no meu bebé. Na altura, não tive como ir a uma clínica porque não tinha condições, mas fiquei muito preocupada porque sentia dores repentinas no útero. Tive o meu bebé na última semana de Setembro e, durante o parto, descobriu-se que ele estava com o pescoço enrolado ao cordão umbilical, mas com a graça de Deus, ele já está bem. Entretanto, tive que ficar internada por duas semanas por causa das dores que tive”, frisou Ana.
Mais adiante, na nossa ronda, encontramos Matilde Amosse, residente no bairro de Siduava, na província de Maputo. Fez o seu pré-natal no Centro de Saúde da Matola-Gare e partilhou a sua história.
“Comecei a fazer o pré-natal no terceiro mês de gravidez e falta-me apenas um mês para dar o parto. Desde que iniciou a greve dos profissionais de saúde, não me recordo exactamente o mês, mas desde Junho o hospital tem realizado as consultas normalmente. No pico da greve, os profissionais da saúde não trabalharam, mas o que mais me preocupa é o facto de estar há quatro meses sem receber sal ferroso e aqueles outros comprimidos que dão à mulher grávida. Sempre que tenho a minha consulta recomendam a comprar esses comprimidos na farmácia privada e eu nem chego perto porque não tenho condições para tal’’.
O agravante, segundo conta a nossa fonte, é o facto de ser orientada para comprar estes medicamentos na farmácia privada sem uma receita médica.
“A minha sogra suspeita que tenho anemia porque os meus olhos estão muito brancos, os pés estão muito inchados e as mãos pálidas. Como tal, tenho estado a preparar matapa para eu tomar. Já tentei várias vezes pedir que me façam alguns exames no hospital para perceber o que pode estar a acontecer, mas eles dizem que não sou médica para definir isso. Não sei o que vai ser de mim no dia do parto. Só espero não ter complicações por conta disto”, frisou bastante preocupada.
Segundo o Médico Gineco-Obstetra, Benjamim Matigane, em entrevista à nossa reportagem, a consulta pré-natal tem a extrema importância de garantir um desfecho favorável para a gravidez, ou seja, prevenir qualquer complicação no parto e que tenhamos um bebé saudável.
O ideal é que a mulher inicie o pré-natal pelo menos antes das 12 semanas ou quanto mais cedo. Em relação à interrupção do pré-natal, o médico explica que isto pode ter consequências por exemplo de uma pré-eclâmpsia (complicação caracterizada pelo aumento da tensão arterial) e outras complicações cardíacas que colocam em risco a vida da mulher e do bebé.
Frisou que a suplementação e a imunização são mais recomendadas para mulheres grávidas do que a medicação.
“Então, numa gravidez saudável, nós não temos uma doença, mas sabemos que a mulher grávida está sujeita a ter anemia, por isso é feita a suplementação com sal ferroso e ácido fólico e a prevenção da forma mais grave da malária com facidar, e a imunização contra tétano através de uma vacina. A falta desta suplementação e imunização coloca a mulher em risco de ter anemia (fazendo com que a mulher tenha um bebé pequeno e que cresça mal ou um bebé prematuro). Há também o risco de o bebé desenvolver um tétano neonatal que é fatal, por isso é bom prevenir do que remediar’’.
Já a Porta-voz da Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM), Rossana Zunguze, disse que a greve dos médicos e dos profissionais de saúde teve um impacto negativo porque as consultas não tinham a mesma rotina, com a redução do número de consultas e quase paralisação dos serviços de urgência.
“Durante a vigência da greve por exemplo, as consultas de ARO (consultas de mulheres grávidas de alto risco obstétrico) não eram feitas e com isto muitas mães chegavam ao hospital já no período expulsivo porque não estavam a ter acompanhamento, o que acabava comprometendo a saúde da mãe e do bebé”.
“Não tivemos o registo de casos mais graves de mulheres que tiveram complicações porque tínhamos o serviço de urgência disponível para estes casos. O que acontecia é que muitas mulheres acabavam dando parto em casa sem nenhuma segurança, correndo vários riscos porque achavam que havia uma greve silenciosa. Mas também tivemos o caso de estudantes com pouca experiência que estavam a assegurar o serviço de urgências em alguns hospitais devido ao insuficiente número de profissionais para dar vazão aos utentes”.
Zunguze acrescentou que durante o período de greve notou-se um cenário em que a própria roupa das camas das mulheres grávidas não era trocada e a alimentação não era satisfatória, o que compromete a saúde do próprio paciente.
Entretanto, até ao momento, ainda não existem dados sobre o impacto da greve dos médicos e profissionais de saúde, no que diz respeito ao atendimento a mulheres grávidas, mas foram partilhados vários casos de bebés que perderam a vida por conta da falta de assistência, onde só no primeiro dia da greve foram contabilizados 13 óbitos na maior Unidade Sanitária do país (Hospital Central de Maputo), segundo informações apuradas pela “Carta”.
Porém, em relação aos suplementos para as mulheres grávidas em falta em alguns centros de saúde, uma fonte que falou em anonimato garantiu que inclusive os armazéns espalhados pelo país não recebem estes medicamentos há meses. (M.A.)