Passou de um desejo para uma realidade. Moçambique não realizará, em 2024, as suas primeiras eleições distritais, tal como estava previsto no nº 3 do artigo 311 da Constituição da República. Na noite desta quinta-feira, 03 de Agosto de 2023, a bancada parlamentar da Frelimo, com recurso à sua maioria qualificada, aprovou o projecto de revisão pontual da Constituição da República, que adia, sine die, a realização daquele escrutínio, confirmando, desta forma, a intenção do partido no poder de adiar aquela votação.
O projecto, submetido à Assembleia da República pela bancada parlamentar da Frelimo, em Maio último, foi aprovado, na generalidade, pela Frelimo com 178 votos, contra 49 votos das bancadas da oposição (44 da Renamo e cinco do Movimento Democrático de Moçambique). Igualmente, foi aprovado na especialidade com 174 votos da Frelimo, contra 44 da oposição (40 da Renamo e quatro do MDM).
Aos moçambicanos, a bancada parlamentar da Frelimo defende que votou a favor da revisão da Constituição da República em resposta ao clamor dos académicos, jornalistas e sociedade civil sobre a inexistência de condições financeiras para a realização das eleições distritais.
Segundo Aires Ali, deputado e membro da Comissão Política da Frelimo, a realização das eleições distritais, em 2024, “coloca-nos um problema socioeconómico e financeiro que não podemos ignorar”.
“É pequeno e sem mínima visão do futuro, quem pensar que adiar as eleições distritais no ano de 2024 é um erro, é um descumprimento à Constituição”, defendeu o antigo Primeiro-Ministro, sublinhando que as revisões constitucionais se justificam pela necessidade de aprimoramento do sistema de governação para garantir os equilíbrios institucionais e o bom funcionamento do Estado de Direito.
Lembre-se que, no Projecto submetido à Assembleia da República, a bancada parlamentar da Frelimo propõe que, no lugar de marcar as eleições distritais para o ano de 2024, o número 3 do artigo 311 deve ter o seguinte texto: “as primeiras eleições distritais, nos termos previstos na Constituição da República, têm lugar logo que sejam criadas as condições para a sua realização”, isto é, para uma data ainda por indicar.
Segundo a bancada parlamentar da Frelimo, as eleições distritais apresentam um risco elevado de alastrar os mesmos constrangimentos que ocorrem na governação provincial (duplicação de estruturas e sobreposição de competências dos órgãos descentralizados), para além de constituir um fardo financeiro para o Estado, visto que, nas contas do Governo, o funcionamento dos órgãos distritais custaria 79 mil milhões de Meticais.
Oposição diz ser o início da morte das eleições distritais
Se para a bancada parlamentar da Frelimo, o país deve esperar pela melhoria das condições para realizar as primeiras eleições distritais, para as bancadas da oposição, o adiamento sine die das eleições é o prenúncio da morte do projecto das eleições distritais.
Para a Renamo, na voz do deputado José Manteigas, a Frelimo acaba de rasgar a Constituição da República e anular o acordo político assumido, em 2018, e traduzido na lei fundamental. “Negar as eleições distritais, em 2024, é violar a Constituição da República, é negar o direito fundamental de eleger e ser eleito, é negar a soberania do povo, é impedir, é bloquear o desenvolvimento dos distritos que, rapidamente, pode ser alcançável através da descentralização”, defendeu Manteigas.
No seu discurso, José Manteigas lembrou que a Renamo depositou, a 27 de Dezembro de 2022, o Projecto de Lei sobre o quadro institucional dos distritos e o Projecto de Lei de eleição dos membros das Assembleias Distritais, como forma de viabilizar uma vontade colectiva que garanta a manutenção da paz, consolidação da democracia e devolução efectiva do poder ao povo.
“Lamentavelmente, a bancada parlamentar da Frelimo impediu esse debate e, como demonstração da sua arrogância política e autêntica ditadura, impôs este debate, através de um Projecto de Lei depositado recentemente no dia 23 de Maio em curso para impedir a realização das eleições distritais”, acrescentou Manteigas, lamentando o facto de esta iniciativa ter nascido do Presidente da República, que jurou respeitar a Constituição da República.
Já o deputado Elias Impuiri, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), disse deplorar a forma como a Frelimo, sozinha, rasgou a Constituição da República, que foi fruto de acordos políticos, visando trazer a paz no país. Impuiri entende tratar-se de uma atitude irresponsável e discriminatória, que “pode criar cisões fratricidas na sociedade moçambicana a curto, médio e longo prazo”.
Para o MDM, a sociedade moçambicana deve ser vigilante, pois, “a partir de hoje [quinta-feira], o país caminha para o abismo, para o regresso ao mono-partidarismo”. “Não me admira que a próxima acção seja tirar, da Constituição, todas liberdades até aqui conquistadas, mercê do voto maioritário”, sublinhou a fonte.
Refira-se que o adiamento das eleições distritais, em 2024, é uma iniciativa do Chefe de Estado, Filipe Nyusi, lançada em Maio de 2022, na qualidade de Presidente da Frelimo, durante a V Sessão Ordinária do Comité Central daquele partido, tendo cristalizado a ideia em Dezembro passado, durante a apresentação do Informe Anual sobre o Estado Geral da Nação.
Para legitimar o adiamento das eleições distritais no próximo ano, Filipe Jacinto Nyusi criou, em Abril último, uma Comissão de 14 pessoas que, em 15 dias, emitiu um Relatório recomendando o adiamento do escrutínio. (A. Maolela)