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segunda-feira, 03 outubro 2022 06:53

Juízes respondem à vice-Ministra da Economia e Finanças e clarificam que todos os Tribunais são órgãos de soberania

Está quase tenso o ambiente na magistratura judicial, depois de a vice-Ministra da Economia e Finanças, Carla Louveira, ter “retirado” o estatuto de titulares de órgãos de soberania aos juízes dos Tribunais Judiciais do nível distrital, provincial e dos Tribunais de Recurso, considerando apenas titulares dos órgãos de soberania os juízes conselheiros do Tribunal Supremo, do Tribunal Administrativo e do Conselho Constitucional.

 

Tal facto aconteceu na passada quinta-feira, durante a audição parlamentar ao Ministro da Economia e Finanças, Ernesto Max Tonela, em torno da proposta de revisão da Lei que define a Tabela Salarial Única (TSU).

 

Carla Louveira acompanhou aquele membro do Governo à Assembleia da República e, na sua intervenção, afirmou que os titulares e membros de órgão de soberania, a nível do sector da justiça, são apenas os juízes conselheiros.

 

Esta afirmação não agradou aos juízes que, através da sua agremiação (Associação Moçambicana de Juízes – AMJ), trataram de emitir uma nota a esclarecer a dimensão constitucional dos órgãos de soberania, em Moçambique.

 

Num texto publicado na sexta-feira, na sua página do facebook, a AMJ começou por considerar a afirmação da vice-Ministra da Economia e Finanças um equívoco e que “pode levar à desinformação popular sobre a organização política do Estado”.

 

Segundo a agremiação, o artigo 133 da Constituição da República define como órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo, os Tribunais e o Conselho Constitucional.

 

“No que respeita aos tribunais, estes são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. A administração da justiça feita em nome do povo indica que a justiça não se faz mediante sufrágio (de forma imediata, por eleições), mas mediante um mecanismo de representação constitucional nos tribunais, designadamente na pessoa dos juízes, que são os titulares desses órgãos de soberania”, defende a organização.

 

Para os juízes, são órgãos de soberania os tribunais judiciais (Tribunal Supremo, Tribunais Superiores de Recurso, Tribunais Judiciais de Província, Tribunais Judiciais de Distrito, Tribunal de Polícia, Tribunal de Menores e Tribunais de Trabalho), os Tribunais Administrativos (Tribunal Administrativo, Tribunais Administrativos Provinciais, Tribunais Fiscais e Tribunais Aduaneiros) e todos os outros tribunais que vierem a ser criados, nos termos da Constituição.

 

“O Tribunal Supremo é o órgão de topo da hierarquia dos tribunais de jurisdição comum, sendo o Tribunal Administrativo o órgão mais alto da hierarquia dos tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros. Assim, estão no mesmo nível o Tribunal Supremo, o Tribunal Administrativo e o Conselho Constitucional, cuja natureza jurídica é de um verdadeiro tribunal. No nível intermédio dos tribunais de jurisdição comum encontram-se os tribunais superiores de recurso. Por seu turno, os tribunais judiciais de província estão no mesmo nível que os tribunais administrativos, fiscais e aduaneiros, visto que estes são também de nível provincial e, por isso, não podem estes últimos e os respectivos juízes ter um estatuto superior ao dos tribunais de jurisdição comum e respectivos juízes, porque violaria o disposto no artigo 222 da Constituição. Na base, temos os tribunais judiciais de distrito com jurisdição sobre a área territorial do distrito”, explica a AMJ.

 

“Ao qualificar os tribunais como órgãos de soberania, a Constituição não estabelece nenhuma distinção, dentro da hierarquia dos tribunais, significando que todos os tribunais são órgãos de soberania, e não somente o Tribunal Supremo. Por conseguinte, todos os magistrados judiciais de todas as categorias são titulares do órgão de soberania tribunal”, acrescenta.

 

Os juízes fundamentam a sua posição recorrendo ao Estatuto dos Magistrados Judiciais que, no seu artigo 9, define a carreira da magistratura judicial, da qual integram o juiz conselheiro, juiz desembargador, juiz de direito A, juiz de Direito B, juiz de Direito C e juiz de Direito D.

 

“A magistratura judicial não se enquadra na orgânica da Administração Pública. Trata-se de um elemento de afirmação da independência do poder judicial, afirmado em qualquer parte do mundo civilizado, sem ser exclusivamente em Moçambique. Os juízes não são funcionários públicos, pois, a independência e imparcialidade, características da sua função jurisdicional, não se compadecem com as regras do funcionalismo público”, sublinham os magistrados judiciais.

 

“Pretender de modo contrário é uma interpretação que não encontra amparo nem na letra nem no espírito da Constituição. A soberania é una e indivisível. O juiz de distrito é tão digno e relevante quanto o juiz de província ou do Tribunal Supremo na sua acepção de titular e membro de órgão de soberania. O mesmo acontece na comparação entre um juiz de nível distrital e um deputado da Assembleia da República. A lei deve, conforme referido, tratar de forma igual o que é igual”, rematam os juízes.

 

Refira-se que, no ano passado, a AMJ criticou o facto de a proposta de lei que define a TSU considerar o salário do Presidente da República como referência para definição de vencimentos dos restantes titulares dos órgãos de soberania, alegando que tal facto colocava em causa o princípio de separação de poderes. A reclamação dos juízes, sublinhe-se, foi ignorada. (Carta)

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