A revelação, há dias, de que o Estado moçambicano já gastou pelo menos cinco milhões de libras (5,8 milhões de euros) na preparação de documentos para um processo judicial das dívidas ocultas no Tribunal Comercial de Londres é apenas a ponta de um "iceberg" para onde caminha nossa máquina titânica estatal, afundando-se em mais uma espiral de endividamento.
Agora não é Jean Boustani traficando influências nos corredores e piscinas hoteleiras de Maputo. É o próprio advogado do Estado, a Procuradoria Geral da República (PGR), pagando, no estrangeiro, nomeadamente no Reino Unido, somas astronómicas em assessoria jurídica. Alguns casos, como o da Patel Engineering, parecem ser favoráveis ao Estado, mas, mesmo assim, a PGR foi contratar uma grande multinacional para a defesa e o contra-ataque de Maputo.
Uma investigação da “Carta” apurou que correm em tribunais londrinos 14 processos envolvendo a PGR. A maioria dos casos tem a ver com o endividamento oculto de 2 mil milhões de USD. E o cálculo financeiro dos processos cujo custo com advogados está evidente (3 dos 14 processos) chega a um valor estimado das causas que ascende os 2 milhões de Libras.
A PGR decidiu contratar firmas caríssimas de Londres sem apurar sobre a disponibilidade financeira do Estado, que tem sua tesouraria apertada. Agora, apurou “Carta”, a PGR anda a pedir esmola junto dos doadores para pagar suas contas. Alguns dos doadores estão a conferir com terceiros se as facturas que a PGR lhes submeteu não estão empoladas.
O nível de desconfiança é grande, disse uma fonte, sobretudo depois dos 1.500.000 USD com que a PGR brindou uma firma de segunda linha de Joanesburgo, a Mabunda Incorporated, na tentativa ainda não conseguida de trazer Manuel Chang extraditado para Moçambique.
Entre os 14 casos de Londres destaca-se a acção do Estado moçambicano contra o CS, Privinvest e outros – Declaração da ilegalidade das garantias e responsabilização civil dos que participaram na contratação das dívidas – High Court of Justice Business and Property Courts of England and Wales Commercial Court (QBD).
Para este caso, a PGR contratou a Peters and Peters, uma firma fundada em 1938, e que se descreve a si própria como a primeira, maior e mais experiente equipa de crime empresarial em Londres, com capacidade de dirimir fraudes civis e disputas comerciais de primeira linha. A factura da Peters and Peters é nada mais nada menos que 33 milhões de Libras esterlinas.
Uma segunda firma contratada pela PGR para lhe prestar assessoria como sujeito da acção judicial ou como objecto de acusação é a também famosa White and Case (10 milhões de libras). "Carta" não conseguiu identificar, por enquanto, em que processos a White and Case foi envolvida.
Seja como for, o Estado intentou também uma acção contra Iskandar Safa - Declaração da ilegalidade das garantias e responsabilização civil dos que participaram na contratação das dívidas – High Court of Justice Business and Property Courts of England and Wales Commercial Court.
No conjunto dos 14 casos apurado pelo nosso jornal, existem mais casos contra o nosso Estado, nomeadamente os casos: VTB Capital contra Estado Moç, MAM - Alegando incumprimento do contrato de mútuo e da garantia prestada; BCP contra Estado Moç, MAM - Alegando incumprimento do contrato de mútuo e da garantia prestada; VTB Capital contra Estado Moç, Proindicus, MAM - Alegando incumprimento do contrato de mútuo e da garantia prestada; VTB Capital contra Estado Moç, Proindicus - Alegando incumprimento do contrato de mútuo e da garantia prestada; Privinvest contra Estado Moç – Alega incumprimento de contratos de compra e venda e prestação de serviços e indemnização no contrato de fornecimento – Tribunal SCAI; Privinvest Shipbuilding & Abu Dhabi Mar contra Estado Moç, Proindicus e Ematum – Alega incumprimento de contratos de compra e venda e prestação de serviços, reclama indemnização.
Outros casos em que o Estado moçambicano é réu e contratou advocacia de defesa em Londres são os que envolvem a Logistics International Investment LLC & Logistics International SAL (Off shore) contra Maputo, Proindicus e Ematum – Alega incumprimento de contratos de compra e venda e prestação de serviços, reclama indemnização; e a Privinvest Shipbuilding SAL (Holding) contra o Estado moçambicano e Proindicus - Alega incumprimento de contratos de compra e venda e prestação de serviços, reclama indemnização.
Estes casos referem-se ao endividamento oculto.
Semlex e Patel Engineering
Mas estes não são os únicos. Existem dois casos extra-dívidas ocultas. A PGR teve de contratar advocacia para se defender no caso da Semlex Europe contra o Estado moçambicano – a Semlex reclama créditos, indemnizações e juros no contrato de concessão - High Court of Justice Business and Property Courts of England and Wales Commercial Court.
No caso da Semlex, a PGR foi contratar para a defesa do Estado uma firma em Portugal, denominada Macedo e Vitorino, que cobrou 750 mil Euros, dos quais nosso Ministério Público já adiantou 400 mil USD, de acordo com fontes de "Carta". A Semlex está a exigir 54 milhões de USD. Quem não se recorda da Semlex? Ela foi contratada no final do primeiro mandato do Guebuzismo, entre 2009 e 2010, para fornecer serviços de produção de passaportes e Bilhetes de Identidades biométricos. Na altura, o titular do Ministério do Interior era José Pacheco. O contrato foi interrompido abruptamente.
Existe também uma acção interposta pela Patel Engineering contra o Estado moçambicano - Alegando incumprimento do Memorando de Intenções celebrado com o Ministério dos Transportes e Comunicações, na altura do Ministro Paulo Zucula, em 2011. Com a Patel, o custo dos advogados é de 4 milhões de libras.
O caso envolvendo a Patel é uma faca de dois gumes. A Patel colocou um caso contra o Estado moçambicano na arbitragem internacional, mas Maputo reagiu com um contra-ataque. Tudo por causa da famigerada - e nunca construída Linha Férrea – ligando Moatize e Macuse.
A Patel assinou com o Governo um Memorando de Entendimento para estudar a viabilidade da linha. Ela fez o estudo, mas um concurso público posterior foi ganho por uma firma tailandesa. Mesmo nunca tendo tido qualquer exclusividade para a construção da linha, a Patel levou o Estado à arbitragem na base desse pressuposto.
A Patel exige cerca de 200 milhões de USD. Para a defesa e para o contra-ataque a PGR contratou a Dorsey and Whiteney, uma multinacional da advocacia (Moçambique contra Patel Engineering - Alega incumprimento de contratos de compra e venda e prestação de serviços, reclama indemnização - Tribunal Permanente de Arbitragem, Câmara de Comércio Internacional).
Todos estes casos configuram um potencial endividamento no caso de o Estado perder apenas três deles, pois seus valores superam os da actual dívida oculta. “Carta” está a tentar apurar se os contratos com as firmas de advocacia preferidas pela PGR foram submetidos a um visto prévio do Tribunal Administrativo.
Seja de que forma for, os critérios de escolha das firmas e valores envolvidos são duvidosos. Apesar de ter sido contactada pelo nosso jornal, a Procuradora Geral da República, Beatriz Buchile, mostrou-se indisponível para comentar (Marcelo Mosse)