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quinta-feira, 11 novembro 2021 08:04

A falta do “fair play” ecológico ocidental e as aporias da Transição Energética em Moçambique

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Não é menos verdade que exacerbadas emissões globais de gases de efeito estufa, movidas pela frenética pressão aos ecossistemas, no âmbito da materialização das políticas neoliberais de acumulação do capital, estão progressivamente a colocar o planeta numa marcha rumo a um aquecimento sem precedentes e com implicações severas, sob ponto de vista de desenvolvimento, sobretudo aos países com economias periféricas como é o caso de África. Não é menos verdade que estudos apresentados no Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), a principal autoridade mundial para avaliar a ciência das mudanças climáticas, projectam que as regiões de África, dentro de 15 graus do equador, poderão experimentar um aumento nas noites quentes, bem como ondas de calor mais longas e frequentes.

 

Não é menos verdade que a desertificação de áreas férteis, as inundações das cidades costeiras, o derretimento de massas glaciais (degelo) e o aumento dos níveis do mar, a proliferação de furacões ou ciclone tropicais devastadores, estão entre as principais consequências do efeito estufa. Todavia, é também verdade que, no horizonte temporal entre 1850 a 2016, Estados Unidos, China, Rússia, Alemanha, Índia, Reino Unido, Japão, França, Ucrânia e Canadá, figuram na lista dos países tidos por principais responsáveis pelas mudanças do clima, segundo a Climate Watch. Isso pressupõe que Alemanha, presentemente considerado um dos países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, escalou esse estágio através da emissão nociva de gases de estufa outrora. Implica também que Estados Unidos, considerada a maior economia mundial, chegou a esta posição agredindo desenfreadamente os ecossistemas, emitindo gases nocivos à atmosfera através das suas indústrias. Significa ainda que o Reino Unido liderou o sector industrial mundial durante anos emitindo grandes quantidades de gases de estufa nos seus processos de produção da indústria automóvel, têxtil, entre outras. Não há precedentes, em qualquer estudo com teor científico, nesse horizonte de tempo, que aponte algum país africano na lista dos maiores emissores mundiais de carbono.

 

Vale a pena lembrar que, em 2008, África do Sul e Nigéria foram considerados responsáveis por emitirem quase 90% das emissões de gases poluentes no continente africano, segundo o estudo desenvolvido pela ONG alemã Heinrich Boell Stiftung. 45% para a Nigéria, igual quantidade à África do Sul e 10% aos restantes países do continente. Consideremos hipoteticamente uma possibilidade de margem de erro, assumindo que os dois países emitem 50% e os restantes 53 países de África emitem também 50%. Isso pressupõe que Moçambique, com um parque industrial incipiente, emite “uma gota no oceano” em termos de poluentes de estufa. Contudo, apesar desses níveis de emissões da África do Sul e Nigéria, não há espaço para compará-los aos dos países industrializados já anunciados.

 

Se atendermos o facto de as Mudanças Climáticas, protagonizadas principalmente pela industrialização ocidental, terem propiciado doenças trazidas pelo aumento da temperatura, ilhas de calor e baixa qualidade do ar, tendo afectado povos africanos, sobretudo os rurais, que passaram a exercer maior pressão sobre os ecossistemas  como é o caso das queimadas descontroladas à busca de alternativas de subsistência, parece-nos haver falta de honestidade na hora de tomar decisão sobre o futuro do Planeta. Parece-nos haver uma autêntica falta de “fair play” ecológico – na medida em que os fenómenos atmosféricos que hoje assolam África seriam muito menos violentos se os países ocidentais, hoje industrializados, não tivessem indiscriminadamente agredido o meio ambiente ao longo da história.

 

É verdade que, pelo reconhecimento da degeneração da qualidade dos ecossistemas globais e da ameaça das mudanças climáticas, muitos países vêm se reunindo desde a primeira Conferência ecológica em Estocolmo (Suécia – 1972), passando pelo Eco 92 no Rio de Janeiro (Brasil – 1992), o Cop1 em Berlim (Alemanha – 1995), até ao presente Cop26 em Glasgow (Escócia – 2021), com o objectivo de assumir o compromisso de limitar as mudanças climáticas, através da adopção de medidas que visam reduzir as emissões e construir resiliência. Mas é também verdade que no ano em que o Acordo de Paris foi adotado reconheceu-se que os compromissos sobre a mesa não seriam suficientes, ainda que os países materializassem suas promessas, as temperaturas globais subiriam 3°C neste século.

 

Sobre esse compromisso, sobre a Transição Energética e todas outras acções a serem levadas a cabo pelos países, visando conter a subida das temperaturas globais, lembremo-nos que, no Acordo de Paris, pediu-se maior apoio financeiro dos países desenvolvidos para auxiliar os esforços de acção climática dos países em desenvolvimento e economicamente periféricos. Este resgate de memória vem a-propósito para lembrar o facto de ter ficado claro que os países, principalmente ocidentais, que escalaram o crescimento e desenvolvimento económico por via da degeneração da qualidade ecológica devem ressarcir os que durante anos mantiveram a mais exemplar postura ambiental como é o caso de Moçambique. Se considerarmos que a implantação de um sistema industrial centrado em energias renováveis é extremamente caro, seria muito justo que o Banco Mundial, a União Europeia e o Reino Unido, que decidiram travar o financiamento aos projectos de exploração de combustíveis fosseis, abrissem excepção ao financiamento dos projectos de Gás, como manifestação da sua preocupação para com o crescimento e desenvolvimento económico de Moçambique – atendendo que nenhum dos país ricos alcançou o Índice de Desenvolvimento Humano por via do milagre, senão pela fustigação ecológica. Para além de o Gás ser cientificamente considerado hidrocarboneto menos nocivo que o Petróleo e Carvão, é presentemente o potencial factor de autofinanciamento à Transição Energética do país. Portanto, quando o ocidente furta-se das suas responsabilidades e compromissos, e opta por ignorar os aspectos aqui arrolados, parece-nos estar a assumir uma atitude de falta de “fair play” ecológico e a oferecer-nos um discurso ornamentado de aporias sobre a Transição Energética em Moçambique.

 

Circle Langa

 

Comunicólogo e Pedagogo

 

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