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quarta-feira, 02 janeiro 2019 05:13

“O comboio dos duros” na Maxixe

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Jamais será reduntante  dizer que a cidade da Maxixe é um entreposto do diabo.  Onde  há dinheiro o Lúcifer  está lá. Pessoalmente. E não existem dúvidas absolutamente nenhumas de que aquela urbe instalada do outro lado da baía de Inhambane é um reservatório desse metal de fel. Na verdade deve ser uma das “jazidas” mais vibrantes do nosso país. Alí não se dorme. Onde há “cacau” não há sesta.  No último fim-de-semana estive lá, levado  por um evento familiar. Nunca vou por ir àquele lugar, apesar de estar aqui perto. Vivo numa margem da baía de Inhambane, e a Maxixe está na outra margem da mesma embevecedora língua de água. De barco são dez-quinze minutos. E já está. Vejo-a todos os dias. Se gostasse dela beijá-la-ia sempre. Mas ela repele-me.  Sobretudo por albergar magotes de pessoas que estão sempre a correr. A empurarem-se uns aos outros. Ao encontro do “kombu”.  E eu sofro de parafobia.

 

De regresso à Inhambane-minha musa, depois de tudo, já no final da tarde, balancei na rampa que vai até à ponte onde devia fazer-me  numa barcaça com motor fora de bordo. As ondas estavam revoltas. Naquelas  condições e numa embarcação precária, podia ser forçado à um banho desagradável, e eu não estava disposto à tanto. Girei sobre o meu próprio eixo. Reatravessei a larga estrada aberta para o sul e para o norte, roçagando a cidade de lés a lés, dando-a vida. Sentei-me num dos bancos à espaços ocupado pelos vendedores de bolos que caçam sem parar os viajantes que passam. Transportados em autocarros  que sobem e descem. Não tenho pressa. Quero sentir essa Maxixe. Vesti-la outra vez como uma roupa que não nos fica muito bem. Mas que nos renova em certos cantos da alma.

 

Estou sentado sem me fixar especialmente em nada. Vejo muita gente em movimento. Ninguém está parado. O único que está despreocupado sou eu. Daqui onde estou vejo uma nesga do mar. Todo, ou quase todo o espaço que se libertava para nos dar o esplendor da paisagem marítima foi invadido. Ocupado. Violado. Estuprado. Sacaneado. As gaivotas zangaram-se e zarparam. Os cisnes, nem um.

 

De tempos a tempos passam camiões-cavalo e eu filmo-os com a memória do meu cérebro. Vão em direcção ao norte. Outros vêm do norte para o sul. Carregados. Super-carregados. São monstros que me fazem lembrar esse filme de acção dirigido por  Sam Peckimpah, de 1978: O comboio dos duros, baseado na canção country “Cnvoy” de C.W. MacCall. Estou sentado. Despreocupado. Tenho uma alternativa. Posso apanhar um “chapa” e dar a volta percorrendo sessenta quilómetros, no lugar de apanhar um banho forçado naquelas barcaças precárias. Epá! Vejo um velho atravessando  aquela estrada movimentada. Tem a espinha danificada. O lombo dobrado. Apoia-se num cajado. Bamboleia como um dançarino de mapiko.

 

Naquele instante há um camião que assome à alta velocidade. O condutor vê o velhote. Acciona a buzina que mais parece a cirene daqueles comboios à diesel que fazem Maputo-Chicualacuala. Poooommmmmm! Tremi na espinha. Lembrei-me do camionista que era perseguido pelo xerife no filme O Comboio dos duros. Mas o “madala” estava com os seus anjos. Saltou para o outro lado. Olhou para o monstro que ia se esfumando na distância, e mandou um manguito.

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