Director: Marcelo Mosse

Maputo -

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terça-feira, 21 maio 2019 06:47

A tempestade que colhemos em Yaoundé

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À memória de Matateu, que morreu sem nada nas mãos

 

Em 1983, quando Moçambique derrotou a selecção dos Camarões no Estádio da Machava, o mundo inteiro perguntou se aquilo era mesmo verdade. Os camaroneses eram os maiores da África, uma espécie de astros elegidos para reverberarem no tempo. Perante eles, todos sentiam-se como os israelitas diante de Golias na guerra dos filisteus. Tremiam e escondiam-se nas baixas e nas tocas e nas grutas. Agora quem são esses que ousam enfrentar um  monstro, e ainda por cima decepá-lo com a sua própria espada!?

 

 

A proeza – insólita - aconteceu num ambiente em que um turbilhão de moçambicanos e estrangeiros  alagava o vale do Infulene com ovações estrondosas, que reboavam até à baixa da cidade de Maputo e subúrbios e o país inteiro, onde as pessoas festejavam petrificadas por não acreditarem em tudo aquilo. Mas era a verdade, até porque vivíamos tempos de euforia, não só porque os nossos jogadores praticavam um futebol luzidio, como também éramos galvanizados por esse personagem chamado Samora Machel.

 

Cantamos e dançamos sem saber entretanto que estávamos a semear ventos. Houve explosão de garrafas de champanhe em todo o lado, e farras até amanhecer nesse dia. Não é possível, dizíamos em uníssono, os Camarões virarem o resultado a seu favor. Três a zero dá-nos conforto, por isso já passamos a eliminatória.  Entre os jogadores e equipa técnica e jornalistas, o sentimento é o mesmo. Ninguém coloca a possibilidade de a nossa vitória em casa ter o efeito de boomerang. Não está nas contas de ninguém, que nós apenas acendemos o rastilho de uma dinamite que irá explodir sobre as nossas próprias cabeças.

 

Foi no estádio Ahmadou Ahidjo que aconteceu essa fatalidade. Fomos trucidados. Calcinados. Humilhados. E tornados em pó, pela  selecção dos Camarões que já vinha com o arsenal reforçado. Levou para essa partida de morte jogadores que não alinharam na Machava por desprezo. Tomaz Nkono, a lenda, equipou durante a viagem no avião que o transportou de Madrid no mesmo dia do jogo. Chegado ao Aeroporto Internacional de Yaounde, onde lhe aguardava a  escolta de motorizadas e carros da Polícia, foi levado com pompa, directamente ao estádio como se o presidente da República dos Camarões fosse ele.

 

Então esse aparato todo à volta de Nkono, não podia ter outro significado senão a revelação  da determinação dos “Leões indomáveis” em salvar a honra do seu país. O orgulho inteiro dos Camarões foi ferido na Machava, e agora o tempo “ruge”, para que se reponha a verdade sobre aquilo que eles proclamavam ser uma mentira. Ou no mínimo uma inverdade.

 

Não passou muito tempo, depois de a partida começar, para os jogadores moçambicanos perceberem que estavam perdidos. Foram absolutamente empurrados para o último reduto, sem possibilidade de ensaiar qualquer contra-ataque, já que o ataque total estava fora das contas. Não se viu nem um laivo nesse sentido. Nuro Americano na baliza, chegou rapidamente à conclusão de  que a sua presença entre os postes não serviria para nada. A claque, que incluía fogo de artifício antecipado, era uma cascata terrível. E perante todo esse remoinho que expressava a vontade inabalável de vencer dos camaroneses, só nos restava entrar em derrocada.

 

Eles venceram. Por quatro a zero. E fecharam o nosso sinal. Até hoje. X

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