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terça-feira, 12 março 2019 10:18

O lugar do eu e do outro na cidadania

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A todas e a todos, permitam-me que expresse a minha felicidade por estar aqui na Universidade Lusófona do Porto, para fazer parte da mesa redonda sobre o ‘Associativismo e Cidadania’, na companhia da Cecília Gonçalves, Fátima Cordeiro, do João Russo, do Joaquim Guedes, e do Alberto Magassela.   

 

Ainda no espírito de 8 de Março, é com muito gosto que me dirijo às raparigas, jovens e mulheres, presentes nesta sala.

 

Antes de começar, permitam-me, de igual modo, agradecer a Índico Associação Cívica de Moçambique, em Portugal, pelo convite.  

 

Como nota prévia, devo confessar que o convite que recebi com muito gosto para ‘cogitar’ sobre ‘Associativismo e Cidadania’ no contexto global é desafiante pois o meu ‘raciocínio’ melhor funciona na lógica local, glocal e global. Todavia, o termo desafiante faz parte de um leque de palavras que se tornaram ‘corriqueiras’ no contexto moçambicano. Espero saber fluir nesta globalidade multi e pluricultural.

 

Falar de associativismo e cidadania, ou melhor, o que no nosso ‘dialecto’ seria o jargão “activismo”, faz parte da característica ‘social’ do ‘eu’ que pensa no outro, um ‘eu’ que não se dilui na relação com o outro, mas sim que se fortalece e se humaniza cada vez mais na companhia do outro. Para o contexto ‘local’ português, diria: um ‘eu’ que busca aprender e fortalecer com o ‘eu’ multicultural.

 

A cultura que o activismo, ou se preferirem, que o associativismo e cidadania devem evocar, é a cultura das entrelinhas dos artefactos, a cultura implícita nas capulanas, uma cultura mental imbuída de abertura e aceitação do outro.

 

Cultura não como uma condição acrítica ou condição pré-lógica, cultura não como polarização. Mas cultura como terapia, cultura como superação, cultura como o bem-estar e bem-ser, cultura como status quo na ciência, cultura como ética, cultura como empatia, cultura como alteridade e cultura como glocalidade.

 

Actualmente esta temática ganha mais relevância na condição de movimentos sociais, pois hoje, ao que mais se assiste, infelizmente, é o fenómeno do nossismo, isto é, a lógica nós e outros, ou estás comigo ou estás contra mim. Simplificando, vivemos hoje numa época em que se legitimam, de maneira estrutural, as várias formas de intolerância e violência (simbólica) face ao ‘estranho’, ao ‘viente’, ao ‘diferente’. Pois, para uns, a narrativa actual sobre a cidadania pode ser um campo de aberturas analíticas e, para outros, pode ser um campo fechado, linear e sem esperança.

 

Quando estes dois não comunicam, não procuram uma forma de entendimento, entram para um status quo nocivo que levaria a pontes quebradas, onde, de um lado, tens o eu e do outro lado bem distante tens o outro que pensa de forma diferente e, consequentemente, é visto como o eterno outro a ‘abater’, o que seria o nossimos

 

O triângulo euismo, outrismo e o nossismos faz parte das formas (ins)conscientes da fobia pelo diferente, criando assim várias nuances do nossismo, a saber:

 

  • Nossismo comunicativo como uma forma que ganha espaço na significação da nossa narrativa onde os ciber-intelectuais com recurso a popularidade e populismo criam ‘fábricas mágicas’ de pós-verdades;
  • Nossismo identitário como forma de marcar território, representa uma outra nuance da perigosidade da relação eu e outro. Os temas actuais na nossa narrativa ‘digital’ giram à volta da identidade tribal, regional e, quiçá, por voltas gemas, ou moçambicanos de primeira e os moçambicanos de segunda, ou, europeus e emigrantes/refugiados. Esta forma linear e fechada de ver e mergulhar no ethos do país funciona para legitimar as diferenças (formas excludentes) no lugar da tão sofrida e bem conseguida narrativa: ‘unidade nacional’;
  • Nossismo cultural como o status quo, o nossismo cultural faz parte de um ethos inflexível, que legitima os grupos através da cultura, o que seria cultura para o país bilionário culturalmente?
  • Nossismo político é elevação e legitimação da intolerância no seio dos grupos, dos movimentos e dos partidos políticos, podem ser assumidas como uma forma de violência simbólica, sem mencionar aqui as várias nuances e dimensões da violência associada a este ethos. No lugar de perceber o outro, no lugar de comunicar com outro, o encarramos como sendo um inimigo por abater do espaço político, no lugar de uma co-habitação política, num contexto de liberdades individuais e colectivas.

Nós produzimos inconscientemente estas formas de ‘medo’ perante ao desconhecimento, que não precisa ser necessariamente físico, pois, muitas vezes, ele está na dimensão mental, cultural e ideológica.  

 

Os discursos dos governantes, dos políticos e dos activistas estão cheios de narrativas acerca da cidadania activa, mas, no final do dia, trata-se de uma cidadania formal ou informal? A zona de conforto está na narrativa da cidadania formal, legislada, aquela que fica bem na fotografia, pois tem um ‘rosto’.

 

A cidadania informal irrompe do quotidiano, não conhece ‘as leis e as regras’, não tem ‘rosto’, a cidadania informal é rica pelo anonimato, ela é elástica e flexível. Isso faz dela vítima da sua própria condição.  

 

Cidadania é saber ser, saber estar e saber viver com os outros, ou seja, estar online pelo lugar do eu e pelo lugar do outro.

 

Cidadania pressupõe o eu social, o outro, o grupo, a relação intergrupal que deve ser alimentada pela relação intra-pessoal.

 

  • Cidadania é saber estar em grupo.
  • Cidadania é saber comunicar e saber ouvir.
  • Cidadania e associativismo são formas sociais estruturais de participação activa

O eu e o outro pressupõem uma comunicação ética e empática, enquanto categorias das nossas relações grupais, pois só somos eu e eles porque existe uma relação com o outro, mas, o que acontece quando não temos a ética e empatia em nome da cidadania?  

 

Riscos ou desafios que devem ser evitados em nome da ‘cidadania’, em nome do ‘associativismo’ e em nome do ‘activismo’, a saber:

 

  • O activismo deve evitar diluir-se nas questões éticas;
  • Evitar perder a empatia e alteridade;
  • Não perder a capacidade bonita de saber ouvir e escutar;
  • Evitar diluir-se na política, ou seja, ‘fazer política’ em nome do activismo e dos ‘outros’;
  • Evitar ser eleitoralista;
  • Evitar substituir o outro, pois, sem o outro, seria possível ser activista?

Obrigada a todas e a todos

Sir Motors

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