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quarta-feira, 08 julho 2020 06:07

Pesquisa revela que “insurgência” começou em Balama em 2007

Uma pesquisa conduzida pelo professor sénior de história africana e imperial na Queen's University de Belfast, na Irlanda do Norte, Eric Morier-Genoud, revela que as primeiras manifestações de insurgência, que se vive em alguns distritos da província de Cabo Delgado, desde Outubro de 2017, tiveram lugar no distrito de Balama, naquela província da zona norte do país, no ano de 2007.

 

De acordo com o estudo, publicado esta semana na Revista De Estudos Africanos Orientais, a seita Al-Shabaab, da qual faz parte o grupo insurgente, pode ter nascido no distrito de Balama, sul da província de Cabo Delgado, em 2007. No entanto, avança que, entre 1989 e 1990, existiu um grupo semelhante no distrito de Nangade, um dos que compõe o famoso “planalto dos macondes”.

 

A pesquisa, que foi realizada na província de Cabo Delgado, entre 2018 e 2019, e que tinha como objectivo analisar a dinâmica interna e a historicidade das sociedades muçulmanas africanas (tomando também em consideração os ideais dos insurgentes e a evolução do seu pensamento sobre o Islã e a política) refere que os fãs da referida seita afirmavam ser seguidores de Moisés – um profeta na tradição muçulmana – e tinham um código de vestimenta semelhante ao dos membros do actual Al-Shabaab: jovens com barba, calças curtas, cabelo cortado e uma maneira diferente de rezar nas mesquitas.

 

O estudo, que se baseou em entrevistas a mais de 50 pessoas, entre líderes muçulmanos, oficiais do estado, trabalhadores de ONGs, pessoas afectadas pela insurgência e dois ex-insurgentes – conduzidas por assistentes de pesquisa locais – avança que, já em 1990, as principais organizações islâmicas da província de Cabo Delgado consideravam o grupo “um risco”, pelo que uma das fontes de informação entrevistada foi incumbida a missão de ajudar o então Administrador de Nangade a “conter” o grupo religioso. “Eles conversaram com alguns membros da seita e prenderam outros. Eventualmente, à força, o grupo desapareceu”, diz o documento, citando a referida fonte.

 

Por essa razão, a pesquisa afirma que a fonte especulou que os membros do grupo de 1989 a 1990 poderiam ser os mesmos que os da seita actual. “Serão necessárias mais pesquisas sobre esse assunto. Enquanto isso, podemos concluir que a seita é bastante antiga e/ou tem conexão com uma seita mais antiga ou precisamos pensar na seita Al-Shabaab como parte de uma dinâmica e história mais amplas das seitas islâmicas em Cabo Delgado”, defende o pesquisador.

 

Conforme narra Eric Morier-Genoud, a actual seita Al-Shabaab começou a manifestar-se em 2007, no distrito de Balama. “Naquele ano, um jovem, Sualehe Rafayel, de etnia Makua, retornou à sua cidade natal de Nhacole (também conhecida como Muapé) depois de passar vários anos na Tanzânia. Ele se juntou ao Wahhabi, uma mesquita local, construída pela Agência Muçulmana da África (AMA, uma ONG do Kuwait). Tinha uma abordagem diferente da fé islâmica que outros crentes, rejeitando várias práticas e ideias existentes como haram (proibido). Ele tentou converter membros dessa mesquita, assim como outras mesquitas, enquanto construía seu próprio local de oração – solicitando uma autorização às autoridades em 3 de Maio de 2007”, narra o pesquisador.

 

Entretanto, refere o estudo, devido a essa “atitude”, as tensões rapidamente cresceram entre o jovem Sheik e outros muçulmanos, incluindo o Conselho Islâmico de Moçambique (CISLAMO). A pesquisa refere que Sualehe retirou-se da mesquita de Wahhabi e mudou-se para seu próprio edifício religioso. “Lá, ele colocou em prática suas próprias ideias e princípios, contando com um grupo de seguidores masculinos e femininos”, descreve a fonte, citando, de seguida, a avaliação do líder da aldeia de Nhacole, na altura:

 

“Quando os muçulmanos terminam suas orações, sempre limpam o rosto e lavam as pernas ou os pés. No entanto, na mesquita de Sualehe não podia limpar nem o rosto nem os pés antes e depois das orações. Essas práticas eram consideradas haram. Os crentes não usavam o cofió muçulmano do CISLAMO, mas os homens tinham de usar um pano na cabeça, embora alguns não tenham feito isso. As mulheres cobriam todo o corpo com um vestido preto e nós perguntávamos: as mulheres não sofrem com o calor? Homens vestidos com calças curtas, que não eram calças cheias no sentido real do termo”.

 

Segundo Eric Morier-Genoud, havia muitos pontos de discórdia entre o jovem Sheik Sualehe e a grande maioria dos muçulmanos sufistas da região e uma delas estava relacionada com a relação entre os crentes e o Estado. Enquanto Sualehe rejeitava o Estado categoricamente, o CISLAMO trabalhava estreitamente com este. “Isso levou a um choque entre Sualehe e CISLAMO (…) e, depois de uma troca de cartas e pelo menos uma reunião (em 16 de Maio de 2010) para tentar resolver suas diferenças, a CISLAMO decidiu ir ao Estado denunciar, formalmente, o Sheik Sualehe”, conta a fonte.

 

O estudo, a que “Carta” teve acesso, refere que o então Administrador de Balama manteve uma reunião com o Sheik Sualehe e seus seguidores para advertir que o Estado não ia permitir que alguém pregasse a rejeição deste e muito menos impedir seus filhos de ir à escola.

 

Após o encontro, narra a fonte, Sualehe decidiu deixar o distrito de Balama para a Tanzânia, tendo retornado àquele distrito anos mais tarde, antes de se estabelecer num outro ponto da província, porém, não se sabendo em que distrito foi se estabelecer. “O que sabemos é que Sualehe não fugiu para o distrito de Chiúre. Aqui [distrito de Chiúre], a seita começou em 2014 (possivelmente em 2013) e o fundador era um homem chamado Abdul Carimo, nascido em Chiúre, de etnia Makua, e que foi influenciado por um sheik de Mocímboa da Praia”, anota o estudo.

 

Entretanto, o pesquisador revela que as relações entre a seita Al-Shabaab e outros muçulmanos começaram a azedar em Novembro de 2016, quando alguns membros do Al-Shabaab, no distrito de Ancuabe, entraram em conflito com outros muçulmanos, tendo matado uma pessoa. Os “assassinos”, destaca a fonte, fugiram para Chiúre, onde foram detidos no dia seguinte. Acrescenta que os moradores de Chiúre foram instruídos a destruir a mesquita local e, de seguida, 36 membros do grupo muniram-se com facas a pedir a libertação de seus colegas.

 

Aliás, a pesquisa sublinha que, até final de 2016, a seita era predominante em quatro distritos da província de Cabo Delgado, nomeadamente Palma, Nangade, Mocímboa da Praia e Montepuez, sendo que já havia sinais de sua presença em Macomia e Quissanga.

 

“Em outras palavras, até 2016, a Al-Shabaab estava presente em pelo menos cinco distritos de Cabo Delgado e havia sido expulsa de outros três, a saber: Balama, Ancuabe e Chiúre. Não está claro se a seita tinha alguma sede em 2016, mas se foi, provavelmente, em Mocímboa da Praia, onde, entre 2016 e 2017, não só estava construindo uma segunda mesquita no bairro de Nanduadua, mas também uma feita de cimento (facto que sugere que eles tinham planos de ficar a longo prazo)”, considera a pesquisa.

 

Referir que Eric Morier-Genoud é co-autor da obra “Guerra Interna: Novas Perspectivas da Guerra Civil em Moçambique, 1976-1992”, publicada em 2018, na qual participaram os investigadores Michel Cahen e Domingos Do Rosário e do livro “Migrações Imperiais: comunidades coloniais e diáspora no mundo português (migração, diásporas e cidadania)”, publicada em 2012, com a assinatura também de Michel Cahen. Os seus principais interesses de pesquisa são Religião e Política, Guerra e Resolução de Conflitos, o mundo da língua portuguesa e a África Austral.

 

A pesquisa sobre Cabo Delgado, sublinhe-se, aborda o início da insurgência e a natureza do grupo por trás dela; a origem do grupo dos insurgentes; e explora por que o chamado grupo Al-Shabaab mudou para a violência armada, após anos de existência relativamente pacífica. Nota, aliás, que os ataques têm sofrido diversas mutações ao longo do tempo, sendo que, no início, ocorriam à noite contra pequenas aldeias, porém, em 2018, os insurgentes começaram a fazer ataques durante o dia e, em 2019, começaram a visar pequenas cidades, postos avançados do exército e transporte nas estradas. Já, neste ano, os insurgentes têm invadido as sedes distritais, divulgando vídeos e articulando uma clara agenda jihadista. Revela que, em Julho de 2019, juraram lealdade ao Estado Islâmico do Iraque e ao Levante (ISIL, mais conhecido como ISIS), pelo que a organização começou a assumir a responsabilidade pelos ataques naquele ponto do país. (A. Maolela)

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