Segundo a Wikipédia, Cul-de-sac, cude saque ou cudessaque é uma expressão de origem francesa e de outras línguas românicas (...) que, se traduzida literalmente, significaria fundo de saco. É característica dos subúrbios (de classe média alta) anglófonos. A tradução mais adequada para o português é "balão de retorno", uma vez que é neste espaço ampliado que terminam as ruas sem saída, constituindo solução adequada para automóveis retornarem ao sentido oposto à sua direcção. Por sua vez, o ''beco sem saída'' é muitas vezes usado como sinónimo de impasse, apuro, dificuldade, enrascada, problema sem solução.
Tomando de empréstimo estas duas expressões, perante o cenário que caracteriza o país eleitoral e o seu tecido social, convido os leitores da “Carta da Semana” a reflectirem comigo se estamos aprisionados na camisa-de-forças de um Cul-de-sac ou se esbarramos num beco sem saída.
Há um mês, após deflagrada confrontação urbana entre agentes das Forças de Defesa e Segurança e manifestantes Venancistas, a antiga Primeira-Dama de Moçambique e da África Sul, Graça Simbine Machel, abriu seu coração de mãe e falou para a sociedade. Clamou por serenidade, serenidade e mais serenidade a todos diante da crise pós-eleitoral, pediu que se parasse com a violência e não se procurasse culpados por esta crise e apelou ainda que se aguardasse pelo desfecho do processo eleitoral, quando o Conselho Constitucional se pronunciasse.
O clamor de “Mamã” Graça, que renunciou há uns anos ao seu assento de membro do Comité Central da Frelimo, foi malvisto e desprezado pela crítica anti-regime, sobretudo pelo Venancismo. Sob a ditadura do argumento segundo o qual ela se focava nas consequências e ignorava as causas das manifestações, causas essas que encontram seu responsável máximo no Partido Frelimo de que ela é militante e no mau desempenho do Governo de que, argumentam os Venancistas e “causísticos”, ela teria sido cúmplice. Ou seja, optou-se por “diabolizar o mensageiro” e ignorar o valor da “mensagem”.
Galvanizada pelo frenesim juvenil que impera nas ruas, paralisa a economia, cancela temporariamente o direito de ir e vir de cidadãos e censura o direito de se não ser pró-Venancismo ou se ser neutro, a mesma opinião pública pressiona e faz ''memes'' do Conselho Constitucional, exigindo-lhe fidelidade à Lei e máxima urgência na busca da verdade eleitoral, aliás, com carácter de emergência nacional. Imperativo nacional, diria Edson Macuácua no auge do Guebuzismo dogmático. Como quem diz que só o acórdão do Conselho Constitucional pode parar com a deriva destruidora e sanha golpista do Processo Revolucionário em Curso (PREC) Venancista.
Há três semanas, o Conselho Constitucional acusou o toque da pressão social: num comunicado que o próprio reconheceu ser um acto incomum à sua praxis e maneira de estar, veio a terreiro queixar-se de seus Juízes Conselheiros estarem a ser vítimas de ameaças de morte. Qual balão de ensaio, este Comunicado de Imprensa deu curso ao que nos dias de hoje tem caracterizado publicamente a actividade do CC, fora do seu escopo de trabalho, core business e raison d'être afinal: tribunal de última instância do processo eleitoral.
Acto contínuo, o CC fez um shortlist da mídia a quem chamou para testemunhar o hercúleo e gargantuesco trabalho em mãos: conferir editais e actas de apuramento eleitoral processados por STAE e chancelados pela CNE e detectar o fulcro das discrepâncias numéricas de votos nas três eleições (presidenciais, legislativas e provinciais).
Qual trabalho de gestão de relações públicas e de comunicação de crise, o CêCê decidiu agora embarcar em sessões de explicação e esclarecimento com os principais contendores do processo eleitoral, os partidos, consumindo tempo de trabalho, se expondo em demasia e abandonando a serenidade necessária para se ater tout court ao seu job description: avaliar e julgar o processo eleitoral.
Ora, na gestão das expectativas da sociedade, dos partidos e candidatos presidenciais e de todo o mundo, já que decidiu fazer cátedra de comunicação em town hall, o CêCê deve também munir-se de uma assessoria de comunicação que lhe permita proceder a uma análise de discurso dos partidos e candidatos presidenciais.
Se pretende em simultâneo fazer seu trabalho e honrar a Lady Justice e gerir de forma comunicacional as expectativas sociais e dos concorrentes às eleições de Outubro passado (trabalho extra), o CC deve perceber que:
1) Venâncio Mondlane pretende chegar a Maputo em apoteose, quer como presidente conduzido pelo “plebiscito das ruas” e da tomada do poder à força, quer pelos resultados, na posse do Conselho Constitucional, que sua contabilidade o dá como vencedor do sufrágio presidencial de 09 de Outubro;
2) a Frelimo só quer ser declarada vencedora, ela e Daniel Chapo, por maioria esmagadora;
3) a até agora oposição oficial (os grandes perdedores, Renamo e MDM) corroboram cada vez mais com a tese da sociedade civil e os intelectuais, de as eleições serem consideradas nulas, dado o nível de fraude e a incerteza de se poder chegar a uma matemática ética e justa do resultado da votação.
É que, independentemente da eficácia das aulas gratuitas de direito do contencioso eleitoral, misturadas com práticas de relações públicas, a dois fenómenos físicos a Dra. Lúcia Ribeiro e seus pares Juízes Conselheiros não escapam:
a) do pêndulo dos interesses que se entrechocam do Podemos, com sua franja Venancista de indómitos contestatários nas ruas (reclamam vitória); Renamo e MDM (que pendem para a anulação da eleição), e a hegemónica, porém moribunda Frelimo e seu candidato Daniel Chapo que aguardam com ansiedade incontida pela confirmação da vitória que a CNE lhe atribuiu em primeira instância;
b) a areia que escorre na ampulheta, pressionando o CC em contra-relógio a avaliar o volumoso, bolorento e borrado pela tinta indelével da fraude dossier das actas e editais de apuramento, e lavrar em serenidade um acórdão que revela com meridiana clareza e luz incandescente a verdade eleitoral.
E então, caros patrícios, estamos num Cul-de-sac ou chegámos a um beco sem saída?
Que a Lady Justice ilumine e absolva Dra. Lúcia Ribeiro e seus pares Juízes Conselheiros. Porquanto, o resultado do seu trabalho é maior que a “mera” verdade eleitoral. O bem maior é a paz e estabilidade, e o reencontro do país com um futuro que ficou ainda mais longínquo no decurso dos dez desastrosos anos do Nyussismo.
* Editor Executivo da Carta da Semana