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terça-feira, 17 dezembro 2024 07:08

Análise á narrativa política e/ou jurídica sob - possibilidade de anulação das eleições e declaração de estado de emergência

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A actual narrativa defendida por alguns partidos políticos, como o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a Renamo e o Partido Nova Democracia, sugere a anulação das eleições realizadas a 9 de outubro de 2024.

 

No entanto, a possibilidade da anulação do processo eleitoral deve ser adequadamente fundamentada, com base nos fundamentos constitucionais e leis eleitorais aplicáveis. Das principais causas que justificaria nulidade do pleito seria a declaração de fraude eleitoral, conforme o articulado no artigo 178.º CRM.

 

Factores constitucionais que concorrem a nulidade das eleições:

 

Em termos constitucionais, os factores que poderiam concorrer a nulidade do processo eleitoral são os seguintes:

  1. Fraude eleitoral comprovada, com base em provas substanciais, como falsificação de documentos, manipulação de resultados ou outros actos ilícitos que distorçam a expressão da vontade popular, conforme o artigo 178.º da CRM.
  1. Violação dos direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente no que se refere ao direito de voto e à liberdade de escolha, conforme consagrado no artigo 46.º da CRM.
  1. Irregularidades graves no processo eleitoral, que comprometem a sua transparência e legalidade, conforme estipulado no artigo 178.º da CRM e na Lei n.º 7/2014, de 7 de Agosto, que regula o processo eleitoral em Moçambique.

 

Qualquer decisão referente à anulação das eleições deve ser substanciada por fundamentos jurídicos sólidos. Nos termos do artigo 160.º da CRM, é o Conselho Constitucional o órgão competente para validar ou anular os resultados eleitorais, sempre que se verifique a existência de ilegalidades ou fraudes graves que comprometam a legitimidade dos mesmos, de modo a garantir a plena conformidade do processo com os princípios constitucionais e a salvaguarda da democracia.

 

Assim sendo, e considerando que todos os actos acima previstos por lei, que contribuem para a anulação das eleições configuram-se praticados no âmbito das presentes eleições. Embora tais actos tenham sido apresentados de forma isolada, não implicam a inaplicabilidade da norma. De facto, a última alteração legislativa que ratifica a autonomia de resolução dos tribunais locais de forma directa, contribui para ineficácia nos julgamentos das denúncias a nível local, configurando[1]se como estratégia intencional daqueles que a última hora aprovaram a referida norma.

 

Ainda assim, a declaração da fraude eleitoral exige identificação comprovada, em consonância com o princípio da legalidade, bem como responsabilização dos seus autores. À luz do Direito Constitucional, entende-se que, antes da declaração de fraude eleitoral como principal fundamento para anulação, o Conselho Constitucional (CC), deve ordenar uma auditoria forense imparcial e independente que deve avaliar a extensão e a consequente responsabilização dos seus autores, conforme como preconiza o articulado do artigo 160.º da CRM.

 

Vale destacar que no processo eleitoral foram envolvidos recursos financeiros públicos e financiamentos externos significativos, o que reforça a necessidade de uma investigação minuciosa, mesmo para promover “Accountability” por respeito aos parceiros externos e, sobretudo, ao dinheiro do povo moçambicano.

 

Neste contexto, e nos termos da Constituição da República de Moçambique, o CC não dispõe de competência directa para declarar fraude eleitoral sem que esta seja rigorosamente comprovada. Pois, a configuração de uma eventual fraude eleitoral implica, necessariamente, a recontagem dos votos, conforme previsto no artigo 179.º da CRM. Contudo, tal procedimento mostra-se materialmente impossível no actual contexto, perante aos inúmeros vícios constatados, embora se afirme que este procedimento esteja em curso.

 

Sobre os actos praticados pelo conselho constitucional

 

Recentemente, foi noticiado que o CC está a proceder à verificação da autenticidade dos documentos eleitorais, especialmente das actas e editais de apuramento, que são documentos essenciais para garantir a transparência e a veracidade dos resultados. Em resposta à solicitação de 02 de Novembro de 2024, em que o CC requereu à Comissão Nacional de Eleições (CNE) a entrega das actas e editais de apuramento de algumas províncias, com o objetivo de justificar os resultados atribuídos à Frelimo e ao seu candidato Daniel Francisco Chapo. No mesmo contexto, consta o incumprimento por parte do CNE, que não entregou documentos essenciais que determinam a conclusão da decisão por parte do CC, obrigando a este órgão a cingir-se nas provas apresentadas pelos partidos políticos reclamantes.

 

De acordo com informações veiculadas pela imprensa, o CC identificou a presença de documentos falsificados ou manipulados, apresentados pela CNE facto que, somado às irregularidades ora detectadas pela CNE no acto da proclamação dos resultados, configuram uma grave violação das normas de direito público. Estes cenários de ilegalidades evidenciam o comprometimento da integridade do processo eleitoral, abrindo espaço para responsabilização criminal e cível da própria CNE, em cumprimento do Código Penal de Moçambique.

 

Diante da situação em apreço, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve ser prontamente accionada para instaurar o devido procedimento de investigação e, se for o caso, proceder ao indiciamento dos indivíduos e entidades responsáveis pelas ilegalidades constantes da reavaliação feita pelo Conselho Constitucional, em conformidade com o disposto no artigo 181.º da CRM.

 

Concluída a investigação, e havendo elementos suficientes para a imputação de responsabilidades, a PGR deverá remeter o processo ao Tribunal Supremo, que, conforme a CRM e a legislação eleitoral em vigor, detém a competência exclusiva para o julgamento, em última instância, dos actos fraudulentos, bem como para esgrimir a responsabilidade penal dos infractores, aplicando as devidas sanções, conforme a gravidade das infracções cometidas.

 

Por isso;

 

A ocorrência de fraude eleitoral comprovada não apenas compromete a ordem democrática, mas também representa uma violação grave das regras do Estado de Direito.

 

Caso se prove a existência de fraude eleitoral, a anulação das eleições será medida imperiosa para restabelecer a legalidade e a legitimidade do processo democrático. A fraude eleitoral, enquanto acto ilícito e violador dos princípios constitucionais, comprometeria a genuinidade da expressão da vontade popular, atentando contra direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente o direito ao voto e o direito à livre escolha dos seus representantes, consagrados no artigo 46.º da CRM.

 

Nesta conjuntura, e nos termos do artigo 179.º da CRM, o Conselho Constitucional (CC) deverá declarar a nulidade do processo eleitoral e determinar a realização de novas eleições, em conformidade com as normas legais aplicáveis, com o objectivo de garantir a plena observância dos princípios democráticos para a restauração da confiança pública no sistema eleitoral.

 

Ainda assim, não seria expectante a realização das próximas eleições sem que se estabeleçam reformas profundas nos órgãos envolvidos na possível fraude eleitoral.

 

Da homologação os resultados

 

A mais grave violação seria a tentativa de homologar resultados fraudulentos, o que resultaria na instauração de um colapso social, onde nenhum dos actores envolvidos conseguiria garantir a contenção da tensão popular.

 

Outrossim, a utilização do Estado de Emergência para justificar a limitação de direitos fundamentais, com o intuito de criar condições para a proclamação de resultados, pode configurar uma estratégia irresponsável, passível de degenerar em um conflito civil, em razão da crescente conflituosidade entre a revolta popular e a repressão estatal.

 

O que o Governo de Nyusi e o seu partido se obstinam em não admitir é que perderam, de forma quase irreversível, a legitimidade e a capacidade de liderança perante o povo. Consta, ainda, que Nyusi tem recorrido às chamadas "profecias Kagamentitas", sem a devida consideração pelo contexto histórico social e territorial em que essas práticas foram implementadas, desrespeitando flagrantemente a Constituição em nome da perpetuação da FRELIMO no poder.

 

Embora os prazos processuais estejam formalmente actualizados, a tramitação do  processo pelo Conselho Constitucional (CC) tem vindo a revelar-se excessivamente morosa.

 

Este prolongamento temporal compromete a confiança nas conclusões emitidas, dado que, até ao presente momento, não se observa um acto concreto que indique de forma clara o rumo do processo, o que prejudica directamente a transparência e a legitimidade da sua condução.

 

Em conformidade com os princípios da transparência e da legalidade dos actos processuais, é imperativo que o CC, enquanto órgão competente pela fiscalização da constitucionalidade e supervisão dos processos eleitorais, demonstre de  forma clara e objectiva a evolução do processo, conforme estipulado no artigo 239.º da CRM.

 

A ausência de um posicionamento definitivo por parte do CC agudiza o ambiente de incerteza, permitindo por isso que qualquer resultado seja questionável, facto que, por sua vez, fomenta desconfiança generalizada e contribui para a desestabilização do ambiente político e social.

 

Além disso, a controvérsia gerada pelos resultados proclamados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) e as subsequentes manifestações populares indicam a possibilidade de irregularidades no processo eleitoral, visto que os legítimos reclamantes (manifestantes) são os próprios eleitores. Por sua vez, a opinião pública reflecte uma percepção de que fraude pode ter ocorrido, e é razoável de esperar que a este momento o Conselho Constitucional tenha ciência dessa situação.

 

É neste contexto que compreende-se que o impasse parece transcender a esfera exclusivamente jurídica, exigindo uma intervenção política firme que vise restaurar a confiança nas instituições democráticas. Importa ainda sublinhar que, de acordo com o artigo 120.º da CRM, o processo eleitoral deve ser conduzido com imparcialidade, transparência e respeito pela soberania popular, princípios fundamentais da ordem democrática, que parece estar longe do sucedido das presentes eleições.

 

Os observadores eleitorais, apesar de não reportarem distúrbios significativos do processo de votação, relataram sérias dúvidas quanto à metodologia de apuramento dos votos, alinhando-se com a opinião pública, que aponta para a possibilidade de fraude.

 

Assim sendo, mesmo que o Conselho Constitucional venha a declarar anulação as eleições, seria imprudente convocar de imediato um novo pleito. Isso se deve ao facto de que, sendo os mesmos órgãos e na mesma composição envolvidos no processo fraudulento anterior poderiam comprometer a transparência e a legitimidade de um novo ciclo eleitoral. Todavia, a Constituição não prevê expressamente os procedimentos a serem seguidos em tais circunstâncias, mas o artigo 120.º impõe que se assegure a confiança no processo eleitoral, o que, do actual contexto exige uma solução política, mais do que jurídica. A situação actual requer uma abordagem política assertiva, que não só restaure a ordem, mas também acalme a população e minimize os impactos negativos na economia do país.

 

Perspectiva de solução

 

Face ao actual impasse político-eleitoral, conclui-se que a constituição de um Governo de

 

Unidade Nacional ou de um Governo Transitório configura-se como a única solução viável para ultrapassar a actual crise pós-eleitoral e resolver a crise política em curso. Tal medida deve, acima de tudo, colocar-se à vanguarda dos interesses da população, garantindo a primazia do bem comum sobre quaisquer interesses partidários, com o objectivo de restaurar a ordem e a estabilidade no país. A governação conjunta e participativa seria fundamental para evitar o colapso econômico iminente e para promover a coesão social. Porém a estratégia da FRELIMO DE NYUSI de aderir ao diálogo apenas após a homologação dos resultado ressalva a ideia de que o diálogo só será possível quando houver garantias que legitimem a fraude, na plena visão de que a contraparte da contenda será importante para repor alguma ordem popular, esquecendo-se que, o simples anúncio dos resultados fraudulentos descomandaria o controle necessário sobre a população.

 

Por estas e mais, seria prudente considerar a demissão de algumas figuras-chave envolvidas no processo eleitoral e na administração pública, incluindo o Presidente da CNE, o Comandante[1]Geral da Polícia, a Procuradora-Geral da República e a Presidente do Conselho Constitucional, bem como a possível reformulação do próprio órgão eleitoral. Tais medidas poderiam ser vistas como um esforço do Estado para iniciar um diálogo com as forças políticas e sociais, restaurando a confiança no processo democrático, conforme preconizado pelo artigo 240.º da CRM.

 

Dada a situação de governação actual, amplamente criticada por diversos sectores socioeconómicos, seria sensato que o Presidente da República considerasse a sua resignação e que o partido FRELIMO considere promover a destituição do seu presidente, como forma de se promover legitimidade face a necessidade de diálogo que se impõe. Pois, o Governo em exercício  tem obstruído a legitimidade do diálogo no que tange ao “com quem dialogar” visto que o chefe do governo ocupa cumulativamente o cargo do presidente da FRELIMO em fim de mandato do Estado.

 

Ademais o mesmo governo tem sido amplamente considerado como um dos piores da história recente, contribuindo para uma das fases mais difíceis desde a independência do país. Este cenário de instabilidade política, aliado a relações externas deterioradas, ameaça a paz e a estabilidade do país.

 

Portanto, uma solução política, que promova a restauração da confiança nas instituições e permita uma transição ordenada, é crucial para evitar maiores danos à economia e à coesão social.

 

Das manifestações

 

É fundamental compreender que as manifestações não devem ser vistas apenas como um acto de contestação aos resultados eleitorais, mas sim como um movimento popular que reflete uma profunda insatisfação com as desigualdades sociais. A forma massiva como essas manifestações têm ocorrido revela um claro descontentamento em relação ao governo em exercício e a actual linha ideológica partido no poder. Este descontentamento não se restringe à esfera eleitoral, mas abrange um desajuste mais amplo entre a gestão do Estado versus a necessidades da população.

 

A liderança de Venâncio Mondlane e o partido PODEMOS, frequentemente caracterizados por seus opositores como anti-patrióticos, devem ser analisados em um contexto mais amplo e ponderado. A população, imersa em um ciclo de frustração e desilusão, encontrou na figura de Mondlane uma expressão legítima de seu descontentamento frente às desigualdades sociais e económicas persistentes. Embora, em algumas manifestações, os excessos possam ter ultrapassado os limites das formas normativas de protesto, é preciso considerar que isso decorre, em parte, de factores como o baixo nível educacional e a presença de infiltrados, que buscam desvirtuar as manifestações pacíficas, instigando a violência e atribuindo responsabilidades indevidas aos líderes. Esses infiltrados, muitas vezes com intenções desestabilizadoras, acabam prejudicando a mensagem original do movimento, mas não devem ser vistos como representantes da totalidade da população.

 

O movimento popular, em vez de ser entendido como um ataque à estabilidade do Estado, deve ser interpretado, do ponto de vista constitucional, como uma reação legítima a condições de extrema adversidade que afetam amplas camadas da população, incluindo a pobreza, a exclusão social e a carência de oportunidades. Trata-se de um fenómeno social que, embora em algumas circunstâncias possa se desvirtuar, reflete as dificuldades profundas que marcam a vida de muitos cidadãos. A análise política e jurídica desse movimento deve ir além da simplificação de uma mera expressão de violência ou distúrbio, reconhecendo-o, antes, como um clamor legítimo por mudanças estruturais nas condições de vida da população, de acordo com os preceitos constitucionais de dignidade humana e justiça social.

 

Considerando a hipótese da formação de um Governo de Unidade Nacional (GUN), é imperativo que, simultaneamente à recuperação da ordem política, se desenvolva um debate abrangente sobre as políticas públicas que atendam às necessidades prementes da população. A economia não pode ser paralisada durante o processo de reformas; é essencial que estas sejam implementadas de forma a garantir a continuidade do desenvolvimento económico e a preservação das condições de vida.

 

Assim, no eventual estabelecimento de um governo transitório ou GUN, torna-se imprescindível que este busque restaurar a credibilidade do Estado e assegurar a satisfação das necessidades essenciais da sociedade, com vistas à reconciliação e fortalecimento das instituições democráticas. Apenas assim será possível iniciar um processo de reconstrução política e social que leve o país à estabilidade duradoura, em conformidade com os princípios constitucionais da justiça social e do bem-estar coletivo.

Sir Motors

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