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quarta-feira, 25 novembro 2020 06:45

Carlos Cardoso e os anos do Metical*

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O Metical nasceu porque o Editor rompeu com a Mediacoop. Ele não concordava com certas práticas de gestão na cooperativa. Não concordava que o MediaFAX fosse a melhor fonte de facturação e o Savana o principal centro de custos.

 

Exigia que o jornalismo do SAVANA melhorasse suas vendas. Houve vários debates dentro da cooperativa sobre como resolver essa inquietação.

 

O editor também lutava por melhores salários para os jornalistas do MediaFAX.

 

Num certo momento, as coisas ficaram insustentáveis. Cardoso acabou sugerindo que a Mediacoop lhe vendesse o MediaFAX. A proposta foi chumbada pela maioria dos membros da cooperativa. E o Editor bateu as portas e foi fundar o Metaical na velha garagem onde o MediaFAX nascera. Chamou-lhe Metical, mas era o mediaFAX continuado. Em tudo. Até no conjunto de colaboradores.

 

Com o Metical, Carlos Cardoso abraça uma contingência: a de produzir e, ao mesmo tempo, gerir um jornal. Um dos grandes desafios do novo patrão era colocar em prática na empresa seus valores de esquerda e seus princípios de transparência, que tão aguerridamente defendia em seus editoriais.

 

E ao longo dos quase 4 anos de existência do Metical, ele foi praticando sua gestão transparente. Ele deixara a Mediacoop por razões de gestão. Então, era preciso provar um registo completamente diferente.

 

E fê-lo: todos os meses, ele publicava, numa vitrina, a receita mensal e os extratos bancários; todos os jornalistas ganhavam o mesmo salário (e aqui eu discordava); todos os gastos mensais do jornal eram publicados. E no fim do ano, havia um bónus salarial para todos, sem diferenciação. Posso dizer que a face do Metical mostrou um Cardoso mergulhado numa personalidade multifacetada: um detentor de meios de produção, aplicando seus princípios de socialismo e transparência.

 

A fase do Metical mostra um jornalista envolvido na politica activa. Ele não era um politico ingênuo. Ele era um politico cheio de utopias. Uma utopia com forte base empírica. Um politico sonhador e pragmático também. Comprovamos isso com sua adesão ao JPC, no advento da Municipalização.

 

Ele usou essa oportunidade para praticar sua cidadania activa. Deixava a redacção para ir discutir, na Assembleia Municipal, a gestão da cidade de Maputo. Seu foco era a gestão financeira. A qualidade dos sistemas de colheita de receita nos mercados, a gestão do solo urbano, que estava a ser vendido ao desbarato, incluindo a terras de enorme valor junto da marginal.

 

Um dos grandes legados do seu activismo politico foi a persistência num modelo de estradas que acabou vingando em termos de resistência: as estradas feitas com base em pavê. Ele lutou, juntamente com o antigo representante do Banco Mundial, Roberto Chavez. Conseguiram numa das ruas de Maputo: o prolongamento da Vladimir Lenine, a partir da Praça da OMM, até ao Xiquelene. Aquela estrada e, para usar a palavra da moda, é a mais resiliente da cidade de Maputo. E isso deveu-se também ao papel do Cardoso como político.

 

O Metical nasce nos anos da corrupção desenfreada em Moçambique, que ainda perdura. A transição para a democracia relaxou a repressão do Estado. Em meados dos anos 90, muitas das empresas privatizadas haviam aberto falência.

 

Mas todos queriam ser empresários. A promiscuidade entre a politica e negócios avulta. O tráfico de drogas ganha espaço, assim como o recurso a fundos do tesouro que nunca foram devolvidos. A criminalidade organizada implanta raízes nas autoridades policiais e judiciais. Penetra no Estado, comprando sua impunidade.

 

O Metical surge sob este pano de fundo, embora a matriz editorial fosse de cariz econômico, melhor dizendo de economia politica. Cardoso prossegue a defesa da indústria, o debate fiscal, o comercio informal, o ambiente de negócios, a luta contra os malefícios do ajustamento estrutural. Mas o crime organizado e a corrupção quase que tomam conta da economia. Os bancos são defraudados. Com o judiciário e a policia tomados pelo crime organizados, a imprensa independente é a trincheira restante. Contudo, dentro da imprensa, nem todos estavam limpos. Cardoso e o Metical são o ultimo baluarte da integridade.

 

E, por isso, o jornal torna-se a provedoria publica da denuncia contra a corrupção. Cardoso desdobra-se na investigação. Tem sob a mesa diversos casos de promiscuidade nas elites politicas, denúncias de rombos e fraude, lavagem de dinheiro. Ele foi abatido quando começou a expor uma das fraudes marcantes do nosso sistema financeiro: a fraude ao antigo BCM. Outras fraudes ficaram por investigar, muita gente ficou aliviada pois o assassinato de Carlos Cardosos foi uma garantia da sua impunidade.

 

*Este texto foi escrito para ser apresentada no Webinário evocativo de Carlos Cardoso, que teve lugar na segunda feira.

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