Três semanas depois da passagem do ciclone Jude, as províncias da zona norte do país, principalmente Nampula e Cabo Delgado, continuam a ressentir-se dos efeitos da tempestade, que causou intransitabilidade em várias estradas e pontes na capital do norte, o epicentro do fenómeno. A destruição limitou a actividade logística, resultando no aumento do valor de frete, escassez de combustíveis e produtos alimentares de primeira necessidade.
O ciclone pôs a nu problemas de fundo e com ”barba branca” no sector logístico no país e especialmente no corredor do norte do país, nomeadamente, a reduzida capacidade de armazenamento de combustíveis; falta da cabotagem e dependência de Cabo Delgado da província de Nampula para importar e exportar produtos, através do porto de Nacala.
Três dias depois de ciclone sacudir a capital do norte do país, a Administração Nacional de Estradas (ANE) reportou para a província de Nampula, os seguintes troços afectados: de acesso aos distritos de Meconta, Malema, Lalaua e as vilas de Namapa, Monapo, Quixaxe, Ribáuè, onde as intempéries causaram o desabamento de aquedutos, corte de aterros, a destruição de algumas pontes, entre outros.
Volvidos 21 dias da passagem do Jude, algumas vias já foram intervencionadas, mas a ligação por terra entre as províncias de Nampula e Cabo Delgado continua interrompida, devido ao desabamento da ponte em Namialo (distrito de Meconta), ao longo da Estrada Nacional Número 1 (EN1), em Nampula, cuja reparação continua longe de terminar. O corte de estradas e desabamento de pontes e aquedutos estão a tornar a actividade logística bastante desafiante para muitos operadores.
Operadores com actividade amputada
Proprietários de empresas de transportes de carga baseados em Nampula e Cabo Delgado relatam que, derivado do ciclone, a sua actividade está a passar por dias muito difíceis. É o caso de Luís Vasconcelos, de Nampula. Em conversa telefónica, o empresário contou-nos que há muitos camiões-cavalo com várias mercadorias estacionados na Cidade Nampula sem acesso à província de Cabo Delgado.
Nos primeiros dois dias após o Jude aterrar, inundar todos os rios e deixar incomunicáveis vários distritos de Nampula, os operadores logísticos estiveram totalmente paralisados, de acordo com Vasconcelos, o que gerou ruptura de stock de combustíveis e escassez de produtos alimentares.
“O fenómeno limitou a actividade logística. Há alguns camiões carregados de produtos alimentares como arroz, com destino a Cabo Delgado que pararam na Cidade de Nampula. Até hoje há alguns que continuam parados porque não há passagem. Além disso, registamos falta de combustível, mas dois dias depois esta situação foi ultrapassada”, afirmou a fonte.
Para reverter a situação, Vasconcelos, que também é presidente da Associação de Transportadores Rodoviários de Passageiros e Carga de Nampula, disse que alguns operadores logísticos têm encontrado alternativas para chegar a Cabo Delgado, passando pela província de Niassa. Antes do desabamento da ponte em Namialo na EN1, os transportadores levavam cinco horas de viagens, mas pela via alternativa (via Niassa), o tempo de viagem triplicou.
Por consequência do ciclone, a nossa fonte disse que o valor de frete aumentou, tendo saído de 200 a 250 mil Meticais por contentor para 300 a 400 mil Meticais, de Maputo para Nampula. “O ciclone veio agravar a insegurança na transitabilidade das estradas, que antes resultava do impacto das manifestações pós-eleitorais. Ao invés de dois dias de viagens, de Nampula a Maputo, ou vice-versa, os transportadores acabavam levando cinco dias na estrada porque tinham muitas paragens pelo percurso. Com o corte de estradas e desabamento de pontes, a situação agravou-se. Alguns viram-se obrigados a retornar a procedência”, relatou o empresário.
Já em Cabo Delgado, segundo Alcino Pinheiro, baseado em Pemba, regista-se falta de combustíveis. O culpado? Ciclone Jude. “O ciclone não passou por Cabo Delgado, mas afectou as vias de acesso que ligam a província de Nampula. Como consequência, a capital da província, Pemba, está isolada do resto do país, para além de Niassa. É uma espécie de ilha. Não temos combustível. Para piorar, estão previstos cortes de energia, mas mesmo tendo dinheiro as pessoas não poderão comprar combustível para geradores. As empresas de transportes que vivem de combustíveis estão paradas e os supermercados já se ressentem da falta de produtos”, relatou a fonte.
O operador logístico contou ao semanário que os automobilistas fazem longas filas à procura de combustíveis. “Aliás até ficamos dias na fila para abastecer. Saímos de casa, mas sem saber se conseguiremos voltar para casa com combustível e de carro. O depósito da empresa Petróleos de Moçambique (PETROMOC) não consegue fazer face à procura. Há semanas atracou um navio para descarregar combustível, mas a procura é maior. Isto está mal. Nem as motorizadas circulam. Nunca tinha visto muita gente a andar a pé nesta cidade, como nos últimos dias”, relatou a fonte.
Como consequência, Pinheiro disse que, no mercado negro, o preço do litro de gasóleo ou gasolina custa acima de 110 Meticais. Para além dos transportadores e automobilistas em geral, o nosso interlocutor disse que a crise de combustíveis está também a afectar o sector industrial. Com essa crise, o empresário disse ainda haver escassez de produtos de primeira necessidade nos supermercados.
Para Pinheiro, o agravante é que as autoridades governamentais não falam sobre o assunto. “Alguém já se pronunciou sobre a ponte de Namialo? Ninguém já deu uma data sobre a reabertura. Já começaram a colocar intentes, mas quando o trabalho termina? Quando o navio vai disponibilizar mais um navio de emergência?”, questionou o empresário.
O empresário questionou também os planos da PETROMOC na expansão da capacidade de armazenamento de produtos petrolíferos naquela província. Contudo, poucos dias depois da passagem do ciclone, o Presidente do Conselho de Administração da empresa pública, Hélder Chambisse, reconheceu que a província de Cabo Delgado tem “uma limitada capacidade de armazenagem de combustíveis”. Neste momento temos 7.5 mil metros cúbicos de capacidade. O volume é limitado. Contudo, neste momento estamos na fase final de expansão da capacidade de armazenamento. Com esses investimentos, a capacidade será elevada de 7.5 mil para 18.5 mil metros cúbicos nos próximos meses”.
Problemas de fundo
O ciclone Jude veio reavivar o debate sobre vários problemas estruturais que afectam a economia no geral e a logística, em particular, sobre a necessidade de maior investimento na construção e manutenção de estradas e pontes, bem como na aposta na cabotagem marítima. Cabo Delgado está a ser severamente afectada por efeitos de um ciclone que não sacudiu a província directamente. Somente porque depende principalmente do porto de Nacala para exportar e importar diversos produtos, com destaque para combustíveis.
Os operadores logísticos têm sempre se queixado de deliberadamente desviar-se a carga de e para as províncias de Cabo Delgado e Niassa, para o porto de Nacala, na província de Nampula, para servir os interesses da concessionária da infra-estrutura.
No que toca ao combustível, o PCA da PETROMOC disse que, além da reduzida capacidade de armazenamento em Cabo Delgado, o limitado fornecimento de combustíveis resulta também de falta de moeda estrangeira no mercado financeiro nacional, embora o Banco Central diga, recorrentemente, que o sistema financeiro tem divisas suficientes para fazer face às necessidades de importação de diversos produtos para o país.
Diante dessa situação, a cabotagem, que é o transporte marítimo de mercadorias entre portos do mesmo país seria uma solução. Contudo, “Carta” sabe que o transporte marítimo não está a ter sucesso por ser combatido por proprietários de empresas de camiões, para além de ser muito oneroso por aplicar preços de frete internacionais.
Para minimizar os impactos das calamidades naturais, os agentes económicos defendem que o Governo deve elaborar e executar um plano de manutenção de estradas e pontes porque isso não é feito actualmente. Num passado recente o Estado Moçambicano já foi accionista e patrão da ECMEP, EP (Empresa de Construção e Manutenção de Estradas e Pontes – Empresa Pública).
Exigem também, que o Executivo, principalmente provincial, fale sobre os planos de emergência e soluções para minimizar o impacto do ciclone Jude. Para ajudar as empresas afectadas, os agentes económicos clamam ainda por linhas de financiamento, sem taxas de juro.