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30 de April, 2025

Protestos pós-eleitorais: PGR instaurou 31 processos contra polícias, mas…só dois têm despacho de acusação

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O processo eleitoral do ano passado, em particular os protestos pós-eleitorais, mereceram um capítulo exaustivo no Informe Anual do Procurador-Geral da República à Assembleia da República, apresentado esta terça-feira por Américo Julião Letela aos deputados.

De acordo com o documento, em resultado das manifestações pós-eleitorais, o Ministério Público instaurou 31 processos-crime envolvendo membros da PRM (Polícia da República de Moçambique), sendo que apenas dois tiveram despacho de acusação e os restantes estão em instrução.

O documento não indica os crimes em causa e muito menos o número de membros da PRM constituídos arguidos. Lembre-se que mais de 350 pessoas, na sua maioria civis, perderam a vida durante os protestos pós-eleitorais, na sua maioria assassinadas pela Polícia, algumas no interior das suas residências e outras regressando dos seus locais de trabalho.’

Segundo o Procurador-Geral da República, às Forças de Defesa e Segurança, na qualidade de entidades estatais com responsabilidade de zelar pela ordem, segurança e tranquilidade públicas, exige-se uma actuação compatível com os princípios constitucionais e legais, “bem como com os padrões mínimos definidos pelas convenções internacionais de que o nosso país é parte”.

Para Américo Letela, “as ilações que se podem tirar da actuação de alguns agentes da Polícia em face dos actos de violência, decorrentes dos protestos ou manifestações ilegais, sugerem a necessidade do seu aperfeiçoamento para lidar com fenómenos desta natureza, impondo-se a sua capacitação, de modo a evitar excessos”.

Letela diz ainda que a violência “nunca será meio legítimo de reivindicação do que quer que seja”, pelo que “não pode ser tolerada”, visto que afecta a vida dos cidadãos, gera insegurança e desrespeito à convivência pacífica e ordeira na nossa sociedade.

Segundo o Procurador-Geral da República, que ocupa o cargo desde Dezembro de 2024 (no auge dos protestos populares) em substituição de Beatriz Buchili, a dimensão da violência ocorrida no período pós-eleitoral “pode reflectir aspectos que ultrapassam o processo eleitoral”, pelo que “urge a realização de estudos de índole sociológica e antropológica, com envolvimento de diversas sensibilidades de forma a delinear-se estratégias, visando assegurar a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e a estabilidade social”.

Aliás, para Letela, as manifestações de 2024 foram um movimento “sem paralelo na história da democracia multipartidária do nosso país”, traduzido em confrontos, com o registo de perda de vidas humanas e elevado número de feridos, entre civis e agentes das FDS. Cita a destruição de infra-estruturas públicas e privadas, com destaque para escolas, hospitais, armazéns de medicamentos, procuradorias, comandos da Polícia, esquadras, tribunais, estradas e portagens; e a vandalização e saque de fábricas, postos de abastecimento de combustíveis, estabelecimentos comerciais e de viaturas.

No entanto, o Informe do Procurador-Geral da República não avança o número de mortos, nem feridos e muito menos de detidos no âmbito das manifestações. Também não aborda o assassinato dos mandatários do ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane e do PODEMOS, Elvino Dias e Paulo Guambe, respectivamente, mortos a tiros, em Outubro de 2024, no âmbito das eleições gerais.

Refira-se que a violência policial é uma marca registada em Moçambique (incluindo no dia-a-dia), tal como o registo de processos-criminais contra polícias sem qualquer desfecho. Em Março de 2023, a PGR anunciou a abertura de processos-crimes contra agentes da Polícia, após torturar e ferirem dezenas de cidadãos, que tinham saído à rua para homenagear o falecido rapper Azagaia. Até hoje, não são conhecidos os resultados. O mesmo se aplica às mortes verificadas nas campanhas eleitorais de 2014 e 2019 e nos protestos contra os resultados das eleições de 2023.

É entendimento do timoneiro do Ministério Público de que deve haver uma reflexão sobre a possibilidade de se instituir um regime penal específico de criminalização que incida sobre as condutas ilícitas cometidas nas manifestações “e não das manifestações em si”. Entre os actos que devem ser penalizados, na visão de Américo Letela, está o bloqueio de estradas por limitar outros direitos, como a livre circulação.

“É indubitável que a pretensão da criminalização daquelas condutas pode ser controversa, na medida em que a manifestação e a crítica pública são essenciais à sociedade e à democracia, daí que o ideal é pautar pela sua promoção, com vista a ter uma sociedade mais plural e democrática, ao invés da sua confrontação criminal”, sublinha.

No entanto, “se os actos que ocorrem no decurso das manifestações ou protestos saírem do campo em que a lei protege, passando a revestir acções traduzidas na destruição de edifícios do Governo, de tribunais, procuradorias, de particulares, assaltos e incêndios às esquadras e roubo de armas de fogo, bloqueio de vias e cobranças ilícitas, devem merecer a devida penalização”, defende.

Em resultado das manifestações populares, refere o Informe Anual do Procurador-Geral da República, para além de processos instaurados contra agentes da Polícia, foram igualmente abertos 742 processos-crimes contra civis, visando a responsabilização criminal dos autores morais e materiais dos actos criminais verificados em quase todo o país.

Dos processos instaurados, 385 foram concluídos, enquanto 357 ainda estão em instrução. Dos processos concluídos, 356 foram acusados e 29 arquivados por insuficiência de provas. Sublinhar que, contrariamente aos casos dos agentes da Polícia em que não se conhecem os crimes, os processos contra manifestantes têm os crimes de roubo agravado (325), furto agravado (168) e danos (141) como os mais predominantes.

Igualmente, foram registados 328 processos-crime relativos a danos/destruição de bens públicos e privados, dos quais findaram 44 e 284 encontram-se em instrução. Dos findados, em 43 recaiu despacho de acusação e um foi arquivado por insuficiência de provas.

Também foram instaurados nove processos cíveis, com vista ao ressarcimento do Estado pelos danos causados, calculados em 165.865.527,36 Meticais. Não está especificado em que deverá recair a responsabilidade. Foram instaurados ainda seis inquéritos, que ainda correm seus termos, para o esclarecimento de ataques e evasões nas prisões durante as manifestações.

“As acções e os resultados advenientes do período pós-eleitoral desafiaram a actuação de todo o sistema de administração da justiça, particularmente no domínio penal, mormente da responsabilização dos infractores, gerando o sentimento de ineficácia do sistema, impunidade e insegurança dos cidadãos”, defende o Procurador-Geral da República.

Refira-se que o debate do Informe Anual do Procurador-Geral da República ao Parlamento continua hoje, com Américo Letela a responder às perguntas dos deputados.

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