Moçambique – país da Marrabenta, do Pandza, do Tufo, da Makwayela, e agora da Kadoda; país do extenso e lindo litoral de águas azuis e cálidas, e acidentes geográficos de cortar a respiração a qualquer um; país que viu nascer líderes como Samora, Mondlane, Dlhakama e outros tantos; jogadores como Eusébio, Coluna, Matateu, Chababe, Tico-Tico; escritores como Noemia de Sousa, Calane da Silva, José Craveirinha, Ungulani, Mia Couto; artistas como Malangatana, Naquib, escultores como Reinata Sadimba, e músicos como Zena Bacar, Jeremias Ngoenha, Dilon Ndjindji, Xidiminguana e Sukuma, e muitos outros talentosos filhos, celebra o jubileu da conquista da sua (In) Dependência – meio século que nos separa da mítica noite da Machava, onde milhares de moçambicanos movidos e imbuídos de espírito patriótico e alma nacionalista, esperaram pela meia noite para testemunhar o inaugurar de uma nova página com o içar da bandeira de Moçambique como país independente.
Era o concretizar de um sonho, marcado por momentos muitas vezes menos bons e episódios de cortar a respiração. A luta pela independência foi tudo, menos pacífica, amigável e romântica. Implicou renúncia, sacrifícios, abnegação e muita paciência; ocasiões não faltaram em que faltou fôlego, mas quem esteve na linha da frente sempre soube honrar a causa – a causa da liberdade de uma nação e de um povo – o povo moçambicano.
Nestas já 5 décadas, é nossa obrigação prestar a devida vénia a estes valentes heróis e fazer da sua luta e das suas conquistas, um marco inspirador e forca motriz para fazer de Moçambique um país uno, indivisível e próspero.
A (In) Dependência foi o culminar de uma longa luta que envolveu muitos sacrifícios, muita dor e tremenda abnegação. Foi um sonho lindo que foi-se resvalando em um pesadelo, com um conflito armado que durou aproximadamente 16 anos; alto endividamento do Estado, dívidas ocultas que corroeram o tecido económico do país, insurgência em Cabo Delgado, corrupção generalizada e um paulatino e progressivo processo de escangalhamento da máquina administrativa estatal.
Tivemos ganhos de nível macro sim! como a própria conquista do direito a auto-determinação e construção de um Moçambique que se pretendia inclusivo; à democracia multipartidária, a criação das bases para o país sustentar-se logo após a independência, a formação de quadros dentro e fora do país, e outros.
De lá para cá, muito aconteceu e muito vivenciamos como país. Experimentamos várias metamorfoses, reajustes, alinhamentos e toda gama de fenómenos típicos de um país que busca a sua afirmação. Todavia, muito temos de reflectir e avaliar. Há questões incontornáveis que devemos fazer enquanto cidadãos, enquanto povo e enquanto parte integrante deste projecto de construção do Estado e da Nação.
Quais os ganhos, realizações alcançadas nestes 50 anos e qual o maior legado independentista?
Será que o Moçambique de hoje, reflecte o Moçambique sonhado pelos que lutaram pela liberdade e pela independência? Onde foi que falhamos para não materializar os desígnios independentistas numa realidade viva e vivificadora?
Meu entendimento pessoal é de que como país, apesar de termos realizações notáveis e valiosas, permitimos que o nosso voo perdesse direção e começasse a sobrevoar zonas de penumbra. Conquistamos, como foi proclamado pelo nosso saudoso Marechal a Independência total e completa, que pressupunha o direito a autodeterminação, a liberdade, a soberania e o acesso aos bens como a terra e a riqueza. De novo, essas conquistas foram se mostrando vazias, maliciosas e pouco inclusivas. Apenas uma pequena elite se fez presente ao banquete e ao tacho das benesses de Moçambique independente; os libertadores e os burgueses acederam aos ganhos da independência e não se importaram com o mais importante – o povo!!!
Não fomos capazes de traduzir a mesma união independentista em uma união e guisa para o desenvolvimento, para reconciliação e para inclusão. E as mesmas riquezas que atraíram e prenderam o colono em nosso solo, serviram para fazer dos libertadores os novos opressores e subjugarem o seu próprio povo. Temos hoje novas elites abastadas e alheias à realidade do povo e da população. E isto resvala nesta quase falência estatal e na quase nulidade dos ganhos da independência.
Os anos pós-independência foram dos mais desafiantes que podíamos ter e enfrentar. Foram uma autêntica prova sobre a capacidade de se reinventar e fazer a máquina andar. Havia um legado colonial e uma estrutura sólida em termos de bases para suster o recém-nascido Moçambique: Infraestruturas educacionais, de saúde, transporte, indústria, agricultura, etc.
Com o conflito armado regredimos muito e perdemos o pouco que havíamos conseguido manter. E ainda assim, mantivemo-nos firmes, acreditando nos sonhos que sempre perseguimos.
Do fim do conflito dos 16 anos a data de hoje, caminhámos rumo a um precipício com uma sucessão de actos de má governação e sedimentação do escangalhar e destruição dos pilares do país. A corrupção, o clientelismo, o nepotismo, a falta de transparência, a fraca cultura de prestação de contas e de responsabilização, tornaram-se parte do nosso modus operandi. Lesar a pátria virou um mandamento entre as lides políticas. E como a justiça e as suas instituições funcionam eficazmente apenas para pequenos infractores, os que abocanham e dilapidam o erário público e adiam o nosso sonho, dormem impunes e até são premiados.
Nestas últimas décadas em forma de meio século, o sonho foi sucumbindo e a esperança esmorecendo. Sucumbiu porque a política virou um palco de influência e desfile de empobrecidos ricos; um lugar de opressão, prepotência e saque, e o cartão do partido virou um trampolim para cargos, posições de poder, influência e enriquecimento.
O sonho de muitos é entrar na política para, com menor ou nenhum esforço e compromisso singrar e ter algum ou muito protagonismo. O ideal não é mais servir o próximo e ajudar a edificar um país próspero, sólido e progressista.
As liberdades que são uma conquista da humanidade e deveriam ser apanágio da nossa existência social e pol”itica, são hoje fortemente asfixiadas. O pensamento divergente é reprimido e o não-alinhamento é visto como momento de exaltação da falta de nacionalismo.
A democracia ainda nova, transformou-se num teatro em que os actores são marionetas de um regime mais preocupado em enfraquecer a oposição, do que em fortalecer a democracia.
A intolerância grassa a nossa sociedade e as perseguições políticas são uma realidade dura, nua e crua.
Os intelectuais, uns orgânicos e outros inorgânicos, esforçam-se em produzir e reproduzir saberes e contradições; estão presentes nas redes sociais, nas rádios e nas televisões a esgrimir argumentos, contra-argumentos, construções e desconstruções e a responder agendas alheias internas e externas.
No ano do jubileu, acho que devemos parar e reflectir e apontar o que falhou como país; por que falhou e como pode se fazer de forma melhor e diferente. Não se trata de um exercício de caçar e queimar as bruxas, mas de relançar um sonho.
Não quero tornar este escrito uma carta de negativismo em relação a estes 50 anos que deveriam ser de exaltação e júbilo desta apaixonante e desgastante epopeia.
Quando olho para o nosso Moçambique, para os jovens de ontem e os de hoje, e analiso o estágio das coisas, sou empurrado por uma inércia crítica e não necessariamente negativa. Acho que merecíamos muito mais e deveríamos ter avançado mais, enquanto país maduro.
Meio século depois, voltamos a Machava meio cabisbaixos e agastados, sem a ilusão de 1975, sem motivos e talvez, o pior sem capacidade de sonhar. Não é só a figura do Marechal que nos falta hoje, é o simbolismo, o significado e um novo rumo para o país.
O que vamos assistir será mais de uma trilogia:
- do milho que se deixou secar, tentando ganhar vida para as futuras sementeiras;
- do batuque que perdeu a força e a capacidade de fazer dançar e gerar melodia e provocar vibração; e,
- da enxada, símbolo do trabalho e esperança que tinha tudo para cultivar os campos férteis e verdes, mas morreu por que já não se SUSTENTA.
“Disse”.