Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

10 de June, 2025

Os PALOP e o Delírio da Unidade: Um Romance Mal Acabado com Portugal como Narrador

Escrito por

Interlúdio: A nova fraternidade e o voto contra nós

Somos irmãos, sim — quando escolhemos consultores portugueses para projetos que podíamos gerir sozinhos, quando aceitamos que sejam portugueses a intermediar negócios entre financiadores internacionais e países africanos de língua oficial portuguesa, quando abrimos as portas dos nossos governos e das nossas praias a empreendimentos com sotaque europeu e promessas em PowerPoint.

Mas experimentemos nós ir para lá — com ambição, com diploma, com ideias. Aí, os irmãos tornam-se carcereiros. Os novos partidos da extrema-direita europeia — que cresceram confortavelmente sob o silêncio cúmplice da velha esquerda — fazem da nossa presença um incômodo, um perigo, um “problema a resolver”.

E o mais perverso: muitos desses que hoje votam pelo nosso exílio são os mesmos imigrantes que enriqueceram nos nossos países. Fizeram dinheiro em Luanda, Bissau, Maputo e São Tomé, abriram padarias, construíram escolas privadas, conquistaram mercados — e agora, da diáspora, votam com entusiasmo para expulsar-nos de uma Lisboa erguida com ouro brasileiro e suor africano. Uma Lisboa onde a calçada brilha sobre ossadas e a memória se lava com vinho verde.

Somos irmãos, sim. Irmãos num retrato pendurado na parede, mas não no testamento.

A Irmandade num voo de cabeça através da RTP África

“Chamam-se irmãos, mas vivem como vizinhos que não se cumprimentam. E, quando se escrevem, o correio passa por Lisboa.” — se Lumumba estivesse vivo, talvez dissesse isso antes de apagar a luz e desligar a RTP África.

Vamos aos fatos, com a crueza que só a frustração alimenta: os PALOP — essa sigla melancólica que nos vende a imagem de uma fraternidade lusófona africana — não conseguem sequer marcar um voo direto entre si. De Luanda a Bissau, de Maputo a São Tomé, de Cabo Verde a Moçambique, não se constrói nem uma ponte aérea, quanto mais uma ponte de verdade. Para nos encontrarmos, temos de fazer escala em Lisboa, como bons ex-colonizados que ainda precisam do selo metropolitano para garantir o bilhete.

Portugal continua a ser o mediador oficial da nossa comunicação.

Quer saber o que acontece na Guiné-Bissau? Ligue a RTP África. Quer ouvir os debates de Angola? Espere o programa português fazer o “giro dos PALOP”. Somos como filhos que só se conhecem porque a madrasta europeia insiste em organizar jantares familiares. Não há estrutura nossa, canal nosso, nem vontade nossa de nos ouvirmos diretamente.

O PALOP não voa — nem metafórica, nem literalmente

Falamos de integração sul-sul, lusofonia, irmandade histórica… mas somos apenas ilhas emocionais cercadas de passado por todos os lados. A sigla PALOP funciona melhor como desculpa para relatórios da cooperação do que como política pública concreta. Não há bancos comuns, nem redes de universidades integradas, nem linha marítima, aérea ou sequer política que nos una de fato.

O que temos? Palavras. E talvez seja por isso que os PALOP ainda existam — porque são uma invenção sem consequências. É fácil dizer que somos irmãos quando não há exigência de convivência. Nenhum casamento sobrevive sem encontros. E nenhuma comunidade se sustenta se precisa de autorização da antiga metrópole para levantar voo.

CPLP: um clube de chá com sotaques diversos

E se os PALOP falham, será a CPLP a resposta? A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é, em muitos momentos, mais salão do que comunidade, mais vernissage diplomática do que bloco de integração. É onde se serve vinho do Porto, se entrega medalhas e se discursa em português clássico enquanto os voos entre os próprios países-membros continuam passando por hubs europeus. Um espetáculo de cortesia lusitana com pouco impacto na mobilidade, economia ou cooperação prática.

Enquanto isso, a juventude africana lusófona migra para Portugal. Não para Bissau. Não para Luanda. Para Lisboa. Porque é mais fácil e menos penoso. Porque temos mais voos para Frankfurt do que para Maputo. E porque o nosso sonho ainda carrega, envergonhado, o selo “made in Europe”.

Quem lucra com esse silêncio aéreo?

O vazio entre nós não é apenas geográfico: é político. Porque manter os PALOP desconectados mantém cada país pequeno, isolado, vulnerável. E, convenhamos, ninguém gosta de uma África unida e auto-suficiente, ainda mais se falar português e decidir pensar por conta própria.

Portugal continua sendo o grande curador da nossa língua, da nossa imagem e das nossas narrativas. E nós, como bons colonizados emocionais, ainda batemos palmas quando nos convidam para os salões de Lisboa para debater “a importância da cooperação”. No fim, voltamos aos nossos aeroportos vazios, onde nenhuma aeronave voa até ao irmão mais próximo.

O que nos falta?

Falta vergonha. Vergonha de aceitar esse arranjo ridículo.

Falta rebeldia. Rebeldia para romper com o mapa que nos foi imposto.

Falta-nos fazer da língua comum um caminho real, não apenas literário.

Falta-nos dizer: ou voamos entre nós ou deixamos de falar em irmandade.

Porque, sejamos claros: PALOP não é comunidade, é nostalgia. E CPLP, sem coragem política, é apenas um glossário de boas intenções em papel timbrado.

Até lá, seguimos vendo os nossos irmãos pela RTP África, como se estivéssemos todos numa Casa dos Segredos, comentados por apresentadores lusitanos. Esperando um dia sermos notícia… entre uma novela e um noticiário sobre o preço do bacalhau.

São Tomé, sexta-feira, 6 de junho de 2025

*Ivanick Lopandza é um jovem intelectual, poeta e activista social santomense, com ADN paternal congolês, membro fundador do colectivo Ilha dos Poetas Vivos em São Tomé no ano de 2022, com seus companheiros santomenses Marty Pereira, Remy Diogo e moçambicano MiltoNeladas (Milton Machel). Autor de livros de poesia, Ivanick é também bloguista, curando seu blogue Lopandzart.

Sir Motors

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *