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2 de June, 2025

Elon Musk, a tragédia da “démesure”

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Entre o homem que se acomoda na mediocridade e o homem que se consome na desmedida, está a virtude da medida. A ética  – se quiser ser mais do que moral de conveniência – deve ensinar este equilíbrio difícil: ambicionar sem se perder; desejar sem se devorar; conquistar sem destruir.

Na Grécia antiga, sophrosyne era o nome dessa virtude: autocontrolo, moderação, sentido de proporção. Aristóteles chamou-lhe a virtude do meio, o justo ponto entre dois excessos: o da falta e o do excesso. Mais tarde, a tradição latina sintetizou isso na expressão: in medio virtus – a virtude está no meio.

Mas o nosso tempo perdeu o meio. Vivemos num mundo de extremos: onde se exalta o sucesso sem freios, o crescimento sem limites, a inovação sem consciência. A démesure – a desmedida – tornou-se um valor. E é nessa idolatria da ambição que se perde o espírito da ética.

Não se trata de demonizar o desejo de ir mais longe. A ambição é um motor da história. Foi ela que levou Prometeu a roubar o fogo, Galileu a afrontar a Inquisição, Giordano Bruno a morrer por ideias, Einstein a desvelar o tempo, e mesmo Reinildo Mandava ou Geni Catamo a se auto superarem. É a ambição que impulsiona a ciência, a técnica, a arte, a mística. Sem ela, viveríamos numa resignação de casulo.

A ambição, quando nutrida por ideais, é generosa. Quando guiada por serviço, é nobre. Quando movida pelo desejo de verdade, é fecunda.

Mas o problema ético começa quando a ambição se autonomiza, quando já não serve nada senão a si mesma. Quando se transforma em voracidade. Quando a conquista de mais, e mais, e sempre mais, se torna um fim em si.

O exemplo mais pungente desta tragédia contemporânea talvez seja o de Elon Musk. Ele foi, durante anos, o rosto do génio criativo. Um homem que desafiou os monopólios estatais da exploração espacial, que impulsionou a mobilidade eléctrica, que inspirou uma geração de jovens com a ideia de que era possível ir além do imaginável. Musk foi o novo Fausto, o novo Leonardo, o novo herói americano-global.

Mas a mesma ambição que o elevou aos céus foi a que o fez cair. Não soube parar. Não soube aprofundar o que melhor sabia fazer. Começou a multiplicar-se, a intervir em campos alheios, a confundir poder tecnológico com autoridade moral. Envolveu-se com ideologias, financiou projectos políticos duvidosos, destruiu plataformas de diálogo global em nome de uma liberdade sem responsabilidade. A certa altura, Elon Musk deixou de ser o símbolo do engenho humano e tornou-se símbolo da hybris, do excesso.

Musk é hoje o retrato da démesure: o homem que, podendo ter sido o arquétipo da modernidade criativa, quis ser tudo – e por isso, deixou de ser alguém.

O que está em causa aqui não é apenas uma biografia. É um desafio civilizacional. Como educar os nossos jovens – os africanos, os europeus, os do norte e os do sul – a ter ambição, sem cair na idolatria do sucesso?

Como ensiná-los que é preciso desejar – sim – mas também saber quando basta? Como formar uma ética da interioridade, onde o contentamento não é desistência, mas sabedoria? Onde a ambição não é ganância, mas vocação? Onde o sucesso não é ruído, mas silêncio conquistado?

Precisamos de recuperar o sentido da dimensão, da medida, da limitação criadora. Isso que os filósofos gregos chamaram métron, os latinos modus, e que nós podemos chamar hoje – no tempo do algoritmo e da arrogância – simplesmente humanidade.

Há uma hora para ir mais longe. E há uma hora para saber parar. A maturidade ética consiste em distinguir essas duas horas. Quem não sabe parar, destrói-se. E destrói o que criou.

É preciso ensinar às novas gerações que nem tudo o que é possível é desejável. Que nem tudo o que é grandioso é justo. Que a liberdade sem medida é tirania. E que o sucesso sem alma é ruína.

Que se ensine a virtude da medida – para que não tenhamos mais ídolos de barro, nem heróis caídos pela sua própria ambição.

Severino Ngoenha

Sir Motors

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