No início, é quase imperceptível.
A infecção começa com pequenas falhas no sistema imunológico social:
uma injustiça ignorada, um grito abafado, uma dor alheia que não desperta reacção.
As células da cidadania — outrora activas, vibrantes e combativas — começam a perder a capacidade de reconhecer as ameaças.
A anomalia instala-se sorrateira, multiplicando-se nas veias do quotidiano.
Num corpo saudável, a dor de um membro desperta o organismo inteiro para a defesa.
Mas neste corpo social infectado pela indiferença, a dor dos outros não é mais reconhecida como um sinal de perigo.
É tratada como uma inflamação distante, suportável, irrelevante.
A infecção progride sem sintomas visíveis.
O tecido social perde elasticidade, a empatia adormece, a reacção imunitária contra o mal torna-se preguiçosa e, por fim, ausente.
O vírus da indiferença alimenta-se da exposição contínua à miséria, à corrupção, à violência.
Com o tempo, a repetição da tragédia torna-se banalidade.
A sociedade, antes sensível, torna-se apática; os olhos acostumam-se à ferida aberta sem pestanejar.
Quando o sistema nervoso do corpo social já não reage, o colapso é questão de tempo:
– As injustiças espalham-se como metástases.
– A corrupção infiltra-se nas articulações da administração pública.
– A violência atrofia as artérias da confiança colectiva.
É uma septicemia moral: o veneno espalha-se rapidamente e afeta todos os órgãos essenciais — a educação, a justiça, a política, a economia.
E tal como num corpo em estado terminal, as funções vitais continuam a operar num modo automático, mas já sem força real.
A nação respira, caminha, movimenta-se — mas está clinicamente morta no que diz respeito à sua consciência.
A pergunta urgente é:
Estamos ainda num estado de infecção reversível?
Ou já cruzámos o ponto sem retorno, onde a necrose moral é irreversível?
Porque num corpo, como numa nação,
não se pode esperar cura sem diagnóstico,
nem recuperação sem choque de consciência.
A indiferença é a doença silenciosa que destrói na sombra — e se não reagirmos agora, o prognóstico é reservado.