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19 de Março, 2025

Jude e Chapo: A Hora da Viragem?

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“Quando o vento sopra forte, algumas árvores caem, mas outras aprendem a dobrar-se e erguem-se ainda mais fortes.” — Provérbio africano

Este ano, Moçambique celebra 50 anos de independência, mas a efeméride corre o risco de ficar marcada, na memória colectiva dos moçambicanos, como o ano em que substituímos o civismo e a imagem de um povo alegre, resiliente e acolhedor, apesar da miséria, pela de um povo que instrumentaliza os processos políticos para reivindicar a pobreza, instaurando uma miséria ainda maior, com recurso à pilhagem, incêndios, destruição, perseguição a adversários políticos e assassinatos.

Porque a miséria nunca anda sozinha, enfrentamos agora o ciclone Jude, mais um fenómeno devastador que expõe, de forma crua, as fragilidades estruturais de um país que, apesar de ter conquistado a sua independência há 50 anos, ainda não assegurou a protecção e a segurança das suas populações.

Coincidentemente ou não, o Presidente Chapo herda um país onde 60% da população vive com menos de 2 dólares por dia (Banco Mundial, 2023), e em que o Estado gasta 40% do orçamento apenas no pagamento de juros de uma dívida equivalente a 97,5% do PIB (FMI, 2024). Por outras palavras, o Presidente assume a liderança do país com o dever e a oportunidade histórica de deixar um legado de transformação, e não de continuidade de práticas que perpetuam uma governação ineficaz e circular.

Caso contrário, continuaremos num ciclo vicioso, exemplificado por tragédias como:

• Mais de 3.000 vidas perdidas em apenas cinco anos (de Idai a Jude);

• Prejuízos superiores a 3,5 mil milhões de dólares desde 2019;

• Um INGD que levou mais de 72 horas a intervir em Gaza após o Ciclone Freddy (2023);

• Apenas 30% dos municípios com sistemas de alerta climático (Banco Mundial);

• 30% dos recursos destinados às vítimas do Freddy desviados por corrupção.

Compatriotas, “Quando o perigo bate à porta, o líder sábio não espera que ele entre para agir.”

Cheias, secas e fome não são acidentes, mas sim fenómenos previsíveis. A grande questão é: por que não nos preparamos?

Este é o Ciclo da Catástrofe: uma História que se Repete, e já não podemos continuar a culpar apenas a pobreza por aquilo que é, em larga medida, falta de planeamento, liderança e responsabilidade pública.

O Jubileu de Moçambique precisa de marcar uma mudança real e corajosa. As ruas clamam por acções concretas e colectivas, que nos unam em torno de um projecto nacional galvanizador e progressista. É preciso ACTUAR com soluções claras e, nesse sentido, proponho quatro caminhos que considero essenciais para uma verdadeira transformação estrutural:

• Cadastro Nacional de Eventos Extremos: Saber para Proteger, Saber para Agir.

Sem dados precisos e actualizados, o apoio não chega, chega atrasado, ou vai parar às mãos erradas. Assim, propõe-se:

• Criação de um Cadastro Nacional, digital e unificado, com dados completos e permanentemente actualizados sobre os afectados por desastres, para garantir uma gestão justa e eficiente.
• Vantagens: Previne desperdícios e fraudes, permite um planeamento realista, eficaz e confere dignidade às vítimas.

• Desafios: Exige tecnologia e coordenação; porém, instituições como a Universidade Eduardo Mondlane, outras universidades privadas, e empresas do sector tecnológico poderão ser mobilizadas para o desenho e implementação do sistema.

• Reforma da Gestão de Desastres: Preparar em vez de reagir, fim do INGD, início da Eficiência

O INGD tem demonstrado limitações sérias e não se pode continuar a esconder o problema. Reconhecer isso não é criticar os seus trabalhadores, mas sim assumir a necessidade de mudança profunda. Propõe-se:

• Extinção do INGD e criação de uma Agência Nacional de Resiliência Climática, autónoma, com poder técnico e logístico para actuar e influenciar os municípios e províncias operando de forma coordenada com as Agências de Gestão de Águas e Bacias hidrográficas e bem como o INAM.

• A Agência pode também ser integrada como Secretaria de Estado ou dentro do Ministério da Defesa, com comando técnico e logístico militar para garantir eficácia.

• Vantagens: Resposta rápida e eficaz, coordenação eficiente, mais vidas salvas e menos perdas. Utilização de recursos já existentes (ex.: helicópteros, camiões, efectivos militares), formação e reconhecimento de território, bem como adaptação de equipamento logístico.
Desafios: Exige coragem política e profundas reformas institucionais.

• Lei de Protecção dos Apoios: Cortar o Mal pela Raiz, Combater Corrupção com Fogo

O desvio e a fraude na gestão de apoios são tragédias adicionais para quem já perdeu tudo. Assim, propõe-se:

• Aprovação de uma Lei de Protecção dos Apoios Públicos e Humanitários, com penas severas de 10 a 20 anos de prisão para infracções.

• Num país que ocupa o 142.º lugar no Índice de Percepção da Corrupção (2023), esta lei poderá reforçar a justiça, a ética e a confiança nacional e internacional na nossa governação.

• Desafios: Reforçar mecanismos de fiscalização e aplicação efectiva da lei.

• Ginásios Multiusos: Abrigos Dignos sem Comprometer Educação

O uso de escolas como abrigos interrompe o ensino e prejudica gravemente o futuro das crianças. Propõe-se:

• Construção de Ginásios Multiusos nas escolas mais vulneráveis, para servirem como abrigos em emergências, mas também para actividades desportivas e cívicas.
• Vantagens: Abrigos seguros e dignos, educação sem interrupção, espaços para cidadania activa.

• Desafios: Necessidade de investimento inicial e de um modelo de gestão comunitária. O financiamento pode ser buscado junto dos Fundos Verdes para o Clima, e mediante advocacia internacional para a concretização de compromissos assumidos na COP29, entre outros mecanismos.
Em forma de Conclusão, podemos dizer que entre Jude e Chapo, existe uma escolha histórica.

Passamos a ter abrigos seguros e adequados, processo de educação sem interrupção, espaço para cidadania activa. Os Desafios são o investimento inicial e boa gestão comunitária para o efeito, o País pode recorrer aos Fundos Verdes para o Clima, revisitar e fazer a advocacia internacional para exigir o cumprimento das promessas do COP29 entre outros.

De uma forma resumida, temos a oportunidade de Chapo diante de uma Jude ou seja, o Presidente Chapo enfrenta o maior desafio de liderança nacional que é continuar o ciclo do improviso ou liderar a viragem histórica de Moçambique.

Jude devastou, mas deixou também a oportunidade para reformar. O Jubileu da Independência deve ser o marco da coragem de fazer diferente.

“Quando o vento muda, os fracos constroem muros, mas os sábios constroem moinhos.”

A escolha é sua, Presidente Chapo. O povo espera — e o vento sopra forte.

 

* Dereck de Zeca Mulatinho, gestor sénior e consultor em soluções tecnológicas para o sector bancário, financeiro e de seguros, especializado em projectos de grande escala, em Moçambique e Angola.

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