Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

18 de Março, 2025

Obrigado, Mestre Noel Langa

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As convulsões sociais artificiais, porque engendradas e realizadas pelo homem, que vivemos no nosso solo pátrio fazem de nós, seres humanos moçambicanos, como diz o fabuloso Ungulani, nenhumanos! Como humanos, em princípio, deviamos estar providos de valores, sentimentos e princípios humanísticos. Significa que deveríamos prestar toda a atenção, ternura, solidariedade, colaboração e apoio ao nosso semelhante, seja ele quem for e onde quer que estejamos. Ser nenhumano é justamente o contrário, a não observância destes valores todos. E nós, moçambicanos, estamos a viver e a vivenciar esta nenhumanação ao longo destes últimos quinze, vinte anos, com maior acuidade nos últimos anos, em que temos estado a assistir à zênite apoteótica da irracionalidade humana.

É no meio deste escuro deserto que factos sociais importantes nas nossas vidas vão acontecendo sem registo. Como por exemplo a perda de um ente querido. O Mestre Noel Langa deixou-nos no dia 12 de Dezembro de 2024, aos 86 anos de idade. Por tanto o que ele foi, representou, o papel que desempenhou na sociedade, mas também nas nossas vidas particulares, o estatuto atingido, uma carreira de cerca de 70 anos, o Mestre Noel merece todas as nossas honras, glórias, cantos e vênias, coisa que devíamos ter feito no momento certo, embora deva ser cantado sempre, eternamente!

O conhecimento, mútua atracção e convívio com o Mestre Noel, para nós outros Pai Noel, data dos anos 80 do século passado, por ai 1988, 1989, praticamente quando se inicia a nossa carreira jornalística, que começou efectivamente na área cultural. Quando entro para o semanário domingo, o falecido mestre Albano Naroromele (Deus o tenha) atira-me com a coordenação das páginas culturais do jornal. Por esse imperativo, passei a fazer mais cobertura de assuntos culturais, desde literatura, artes plásticas, pintura, escultura, música, até teatro. Foi nesta sequência que nos fomos familiarizando com tantas personalidades do mundo cultural: escritores, artistas plásticos, músicos, actores, promotores, etc.. Muitas amizades, muitas convivências, muitas exposições foram brotando, forjando-se e consolidando-se nalguns casos.

Com o Noel Langa, só foi “fazer katla”!, como dizia a música que não mais se tocou na nossa praça. Apesar da enorme diferença de idades (eu tinha por aí 27, 28 anos e ele 54, 55), houve, logo à primeira vista, empatia mútua, uma certa atractividade e muita amizade entre nós, que se aumentou quando descobrimos que ambos provínhamos de origens próximas – ele de Ndhavene (Mandlakazi) e eu de Xipadja (Chibuto) – 20 a 30 quilômetros entre uma região e outra – e completávamos anos no mesmo mês, com a diferença de dois dias – eu, 28 e ele 30 de Outubro! Como muitas das suas exposições eram feitas no seu próprio sítio, o Centro Cultural Arco-Íris, aliás, lá sempre havia exposição permanente dos quadros dele, novos e não novos, aquele passou a ser um dos nossos locais mais frequentados. Homem bastante ternuroso, raramente ia ao atelier dele duas ou três vezes e não encontrar pessoas visitando-o, numa animada cavaqueira, apreciando os seus quadros; ou, durante a estada, não aparecer alguém, amigo, conhecido, individualidades e ou personalidades diversas, até desconhecidos. Íamos lá sempre que nos apetecesse e tivéssemos tempo; não era necessário avisá-lo, nem “marcar audiência”. Inicialmente, bastava chegar à porta dele e dizer “com licença”, lá vinha ele, sumptuosamente, com o seu sorriso permanente na boca e lá nos convidava a entrar. Mais adiante, passei a entrar sem pedir licença, só para o não fazer caminhar de onde se encontrava, a idade já lhe pesava também, e para não fazê-lo desconcentrar-se de um certo engajamento ou exercício intelectual em que estivesse acometido.

As conversas entre nós – mas raramente ficávamos sós, sempre aparecia alguém – eram incabáveis, levavam ou uma manhã ou uma tarde inteira! Conversava-se sobre tudo. Dava muitos conselhos e ou ensinamentos. Um homem de coração muito aberto aquele e pronto a fazer o bem para o outro e para toda a gente. Quando lhe falei que tinha reunido as minhas crónicas para publicar em livro, depois de ler os textos, entregou-me um quadro e disse: esta é a imagem de capa do teu livro. E foi. Não mo vendeu, ofereceu. E ofereceu um cocktail a umas 30 a 40 pessoas que tinham participado do lançamento do livro na Fortaleza de Maputo: só saímos da casa dele perto das 23 horas. Algo semelhante voltou a acontecer quando lhe dei a saber que estava a preparar o segundo livro – leu o original e, no encontro seguinte, estendeu-me outro quadro e repetiu aquelas palavras da primeira situação, mas já sem cocktail. Conservo cinco quadros da pintura do Mestre/Pai Noel Langa e conto usar os restantes três como usei os outros.

Estas palavras não são sobre a pintura dele, são sobre a pessoa dele, sobre o homem que ele era e o seu nobre coração. Acerca da fabulosa pintura dele, especialistas foram/vão dizendo alguma coisa e acredito que continuarão a dizer. Mas, trata-se de uma pintura fina, articulada, integrada, fabulosa, contagiante, não agressiva; bastante aprazível!

Continuando: a magnanimidade deste Grande Homem não se ficava por ter como amigos toda a gente. Desde muito cedo procurou partilhar o seu saber com quem desejasse; tratou de formar jovens na arte que dominava e que era a sua vida, a pintura. Chegou a ir anualmente a escolas circunvizinhas mobilizar crianças para lhes ensinar a arte de pintar! O Centro Cultural Arco-Íris era também uma academia de pintura.

Muitos para ali acorreram para irem beber do Mestre/Pai Noel. E tudo era a custo zero. O velho tratava de encontrar materiais e punha-se ali a ensinar aos continuadores. Uma das muitas crianças que para ali foram parar para aprenderem a pintar dá pelo nome de Cáceres Moisés Mabunda! Pena é que não deu seguimento, foi estudar outras coisas. Mas ficou uma das evidências da grandeza, dedicação ao outro, simplicidade e empatia de um Grande Homem!

Obrigado Pai Noel. Quem dera que o Mundo tivesse muitos com o coração como o seu! Mestre Noel Langa.

Descanse em paz!

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