Em Moçambique não se tem falado, ultimamente, de beleza, fala-se pouco. Até nos próprios quadros de arte, o belo é retratado pelas feridas vivas. Não há alegria, nem esperança na juventude. E assim, com este anoitecer violento, o sol parece não sair do ocaso para nos dar um novo amanhecer. Já não existe o medo aqui onde estamos, o medo está do outro lado da barricada onde a pólvora triunfa.
Há muitas incertezas nas avenidas, ninguém sabe o que vai acontecer amanhã, porém o que mantém a luta é a obstinação da juventude. As ameaças são aspergidas todos os dias pelo rosnar dos cães. A terra treme.
Mas estes tempos jamais foram vistos antes, vivemos no fio da navalha. As cataratas deixaram de despejar água cá para baixo. As albufeiras estão baixando de nível, então pode ser que haja o risco de pararem as turbinas da luz que vai enfraquecendo dentro de nós. Ora, se os rios secam, seca o país também. E os rios somos todos nós.
Pedro Langa já dizia: esta bela árvore já não tem folhas/caíram/o que significa que aqui em casa reina o pranto.
Há rosnares profundos em todo o lado, então somos carne para cães, talvez piores do que isso. É assim como somos tratados! Mas o que é isto? A morte agora é fabricada nas noites e nas madrugadas, e em plena luz do dia onde deviamos viver em liberdade. Serve-se essa morte em pratos de pólvora. Na verdade há um rastilho aceso no nosso chão inteiro, e não poderemos nos esconder nas grutas. Que serão estilhaçadas. É preciso vir cá fora gritar!
Já não se fala de beleza nos whatsapp e no facebook e noutras plataformas digitais. Passamos a vida total a escarnecermo-nos uns aos outros. A despejar todo o nosso fel por cima de nós mesmos. Tudo que se escreve agora nesses sítios só fala do medo e da morte. As coisas lindas que se lêem e se vem nos whatsapp e nos facebook, são as mulheres, que também estão vituperadas. Não têm receio de nos mostrarem a parte mais macia do seu corpo. E isso é sinónimo de desespero na juventude. Frustração.
O belo atrai o belo, mas em Moçambique o belo feneceu. Nos subúrbios das cidades é que se nota com maior ênfase o privilégio de ser cão, e nem é necessário o uso da lupa para que toda a nossa nudez se torne clara. Aliás, o músico moçambicano já cantava: vada voxe (comem sozinhos). E se comem sozinhos, então não nos resta mais nada senão ser cão, e andarmos por aí, na gandaia, revirando as latas dos ricos, até que todo o castigo e sofrimento termine. Não sabemos como, se de forma trágica, ou de outra forma. O que sabemos é que agora queremos lutar. Até ao fim.
A noite já vai longa demais, e nós queremos a aurora. Diz-se que não é por muito madrugares que o sol vai nascer mais depressa. Mas é preciso mudar esse paradigma, pelo paradigma da juventude. “Vamos madrugar muito, para que o sol nasça mais depressa”. Não precisamos de armas de fogo. A nossa pólvora são as mãos nuas que se abrem e se apertam a outras mãos. As nossas balas são as canções que vamos cantar de dia e de noite até que amanheça. Vamos dançar também, no palco dos becos e das ruas e das avenidas. São estas as nossas armas. Entregaremos, sem medo, o peito às verdadeiras balas que já começaram chovem em todo lado caçando os nossos corpos.