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Maputo -

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22 de Abril, 2025

Criminalidade agrava-se nos bairros do Grande Maputo

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“Esperamos que nas próximas 48 horas haja uma subida vertiginosa do aumento da criminalidade na cidade de Maputo”. Foi com estas palavras que o ex-Comandante-Geral da Polícia da República de Moçambique, Bernardino Rafael, dirigiu-se aos moçambicanos, minutos após a evasão de mais de 1.500 reclusos das cadeias central e de máxima e segurança, ambas de Maputo, a 25 de Dezembro último.

Quase quatro meses após a histórica e polémica fuga dos reclusos das principais cadeias do país, as palavras do ex-Chefe da Polícia moçambicana começam a ganhar peso. Todos os dias há relatos de roubos e assaltos a pessoas indefesas nos bairros periféricos do Grande Maputo. Os criminosos estão a semear terror entre as famílias.

O caso mais recente ocorreu no bairro Luís Cabral, quando Felizarda Cossa regressava do trabalho por volta das 19h00. Segundo conta, ao passar pela portagem de Maputo em direcção à paragem da Drenagem, o cobrador do “chapa” alertou para que fechassem as janelas, pois naquela zona os ladrões assaltam até com o veículo em andamento. Todos obedeceram prontamente.

“Logo depois de fecharmos as janelas, um dos jovens conseguiu, não sei como, subir à viatura, abriu uma janela e puxou a minha peruca, levando também o meu telemóvel. Assim que desci na paragem da Maquinag, dirigi-me ao posto policial mais próximo para reportar o caso”, contou Felizarda.

Em conversa com residentes do bairro Luís Cabral, nas imediações da Drenagem, relataram que desde o período pós-eleitoral, vive-se um ambiente de medo. Ana Maria Cossa referiu que os actos de violência ocorrem em plena luz do dia, protagonizados por adolescentes que recusam frequentar a escola.

Segundo ela, muitos passageiros deixaram de utilizar o comboio na zona do Infulene devido aos frequentes assaltos, muitas vezes cometidos sob o olhar passivo dos seguranças dos Caminhos de Ferro de Moçambique. Os jovens circulam armados com facas e ameaçam quem passa perto da Drenagem.

“Hoje em dia, já não se pode passar pela Drenagem com uma bolsa na mão ou com uma peruca na cabeça, pois arriscamos chegar ao destino sem os nossos pertences. Aconselhamos as pessoas a passarem por esta zona em grupo, nunca sozinhas. Aqui vive-se um verdadeiro filme de terror. Se fores assaltado, não deves reagir, pois podes ser ferido. São jovens do próprio bairro, os mesmos que, durante as manifestações, colocavam portagens clandestinas. Como isso cessou, procuram agora outras formas de ganhar dinheiro, prejudicando os vizinhos”, lamentou.

“Já não andamos em paz. Temos medo dos filhos dos nossos próprios vizinhos – aqueles que vimos crescer e que hoje são autênticos criminosos. Vivemos em constante temor e apelamos às autoridades competentes que cuidem de nós. Temos um posto policial próximo, mas até a Polícia parece ter medo destes delinquentes”, acrescentou Ana Maria.

No bairro Patrice Lumumba, que foi bastante afectado pelas manifestações, quase todas as barracas e mercearias foram saqueadas e forçadas a encerrar. Aldo Nhabinde relatou que os comerciantes que se tentam reerguer são ameaçados por grupos de jovens locais. Algumas mercearias reabriram, mas foram novamente saqueadas, levando os proprietários a desistirem.

“Muitos comerciantes estão retraídos, sobretudo porque Venâncio e Chapo ainda não chegaram a um consenso. As pessoas têm receio de recomeçar e voltar a ser assaltadas. Agora somos ameaçados à luz do dia e à noite é ainda pior. Queremos retomar a normalidade, para que os comerciantes possam vender, as bombas reabram e a vida volte ao normal”, afirmou.

No bairro de Guava, no Município de Marracuene, também há relatos de criminalidade. A senhora Vivi, mãe solteira de três filhos e um neto, contou que recentemente ela e os seus vizinhos foram vítimas de roubos em série.

“Vivo em Guava há mais de cinco anos e nunca tínhamos sido assaltados dentro de casa. Mas, há um mês, acordámos e a casa tinha sido arrombada. Levaram um televisor, uma botija de gás e os telemóveis que estavam na sala”, disse.

“No mesmo dia, duas casas vizinhas também foram assaltadas. Numa, roubaram três televisores e noutra retiraram um termo-acumulador do tecto. Ao apresentar queixa na esquadra do bairro, o oficial disse-me que os roubos aumentaram desde as manifestações. Um grupo de jovens terá ganho o vício de roubar e agora volta-se contra os próprios vizinhos.”

Ainda em Guava, um pai e encarregado de educação relatou que há jovens armados com facas a ameaçar estudantes que vão ou regressam da escola. As crianças precisam ser acompanhadas pelos pais, com receio de serem assaltadas no caminho.

Na zona do chamado “Campo Nyusi”, arredores da vila de Marracuene, algumas famílias também sofreram assaltos nas suas residências. Nesses casos, os ladrões entraram de madrugada para roubar comida (arroz, farinha, feijão, galinhas), entre outros bens essenciais.

“Conseguimos apanhar um jovem que saía da casa da vizinha com um saco de arroz à meia-noite. Tocamos o apito para que os vizinhos saíssem e espancaram o criminoso. Não levámos à polícia, porque estes ladrões nem passam 24 horas detidos. Esta onda começou nas manifestações: enquanto uns saqueavam contentores, outros roubavam a pouca comida que conseguimos com sacrifício”, contou João Nhamussua, que recentemente perdeu seis patos.

A criminalidade na área metropolitana de Maputo também se manifesta com contornos mais graves. Tem-se registado uma onda de feminicídios com extracção de órgãos. O primeiro caso chocante deste ano foi o de Amina Mussany, de 21 anos, residente na Costa do Sol. Depois de sair para jantar com amigas, foi encontrada morta em Mavalane, sem alguns órgãos. Poucas semanas depois, Finoca, residente na Matola, desapareceu após sair da igreja. Dias depois, foi encontrada morta, também com órgãos removidos.

“Carta” apurou que, nos últimos meses, as queixas por furto com recurso à violência aumentaram nas esquadras. No entanto, por questões burocráticas, não foi possível obter dados oficiais.

Contactámos o Posto Policial de Luís Cabral, mas o agente apenas confirmou o aumento da criminalidade. Para obter os dados, remeteu-nos à Esquadra do Jardim, que, por sua vez, nos dirigiu ao Comando da Cidade de Maputo.

Também visitamos a Esquadra de Guava, onde fomos aconselhados a submeter um pedido formal por escrito. Um agente, sob anonimato, explicou que os crimes em Guava são cometidos por antigos manifestantes que agora assaltam as próprias comunidades. O porta-voz da PRM da cidade de Maputo, Daniel Macuácua, prometeu compilar os dados e fornecer à “Carta” nos próximos dias.

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