Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

21 de Abril, 2025

Francisco, o Papa que reformou a Igreja (1936-2025)

Escrito por

Jorge Mario Bergoglio nunca tinha visto a Capela Sistina. Era já cardeal quando entrou pela primeira vez na esplendorosa capela adornada com os frescos de Miguel Ângelo no dia 18 de abril de 2005 — e terá tido de implorar, em lágrimas, aos seus colegas cardeais que não votassem nele para Papa.

Um movimento de cardeais reformistas procurava bloquear a eleição do cardeal Joseph Ratzinger, que tinha sido o número dois do recém-falecido João Paulo II durante duas décadas, e fazia campanha em torno do cardeal Bergoglio, o reputado arcebispo de Buenos Aires conhecido pelo trabalho com os pobres e marginalizados.

Bergoglio representava uma Igreja diferente da europeia, cansada e gasta, fechada sobre si própria, fechada nas catedrais com medo das ameaças do mundo moderno. Mas aquele não era ainda o momento certo.

Depois do longo pontificado de João Paulo II, era preciso um período de transição. Ratzinger foi mesmo o escolhido. Bento XVI governaria a Igreja até renunciar ao cargo, em 2013. Aí, o segundo classificado de 2005 não escaparia de novo: ao final da tarde de 13 de março de 2013, Francisco apareceu na varanda da Basílica de São Pedro e inaugurou o pontificado com um “boa noite”.

Os primeiros dias do pontificado do Papa Francisco ficaram marcados por pequenas historietas que atraíram a atenção mediática global: a recusa dos sapatos vermelhos e das vestes pomposas, o telefonema para o quiosque de Buenos Aires a pedir que deixassem de lhe guardar o jornal, o outro telefonema para cancelar pessoalmente uma consulta no dentista que já estava marcada, a insistência em ir ele próprio até à residência romana onde se tinha alojado antes do conclave para arrumar as malas e pagar a conta, e por aí fora.

Tudo isto surpreendeu o mundo, mas não terá surpreendido muitos na Argentina. Nada daquilo era teatro. Bergoglio era mesmo aquele homem simples que, em todos os lugares por onde tinha passado, implementara profundas reformas guiadas por um desejo de regressar à fonte da fé: o Evangelho. Tinha sido assim na Companhia de Jesus na Argentina, nos bairros pobres da diocese de Buenos Aires, na Igreja da América Latina. E seria assim agora na Igreja global. Poucos dias depois da eleição, os jornais italianos, habituados a outro tipo de papas, falavam de Francisco como o “pároco do mundo”, por causa do estilo próximo e acessível do novo pontífice.

O Papa Francisco morreu esta segunda-feira aos 88 anos de idade, após um pontificado de 12 anos que ficou marcado pelos esforços de reforma da Igreja a partir das fontes originais da fé. Durante estes anos, mais do que implementar decisões neste ou naquele sentido, Francisco procurou abrir debates e processos — incluindo alguns que, alguns anos antes, teriam sido absolutos tabus — e convocou a generalidade dos fiéis para esse trabalho. Abriu o Sínodo dos Bispos à participação dos leigos, reformou a Cúria Romana para a tornar menos centrada no poder dos cardeais e abriu a discussão em relação a temas que deixaram de ser interditos, incluindo a ordenação de mulheres e a relação da Igreja com as pessoas homossexuais. Nos temas “fraturantes”, preferiu abdicar de generalizações e falar ao concreto de cada história pessoal.

Foi também durante o pontificado de Francisco que a crise dos abusos sexuais na Igreja se aprofundou para níveis sem precedentes, o que obrigou o Papa a dar um murro na mesa e a convocar uma cimeira global dos bispos católicos para discutir o assunto. Na sequência de decisões do Papa, foram implementadas novas leis e criados organismos para combater a realidade dos abusos — que, nos últimos anos, se têm traduzido em ações concretas nas dioceses católicas de todo o mundo.

Mas, afinal, quem foi este homem? O Papa que reformou a Igreja não foi sempre uma personagem unânime. Nos jesuítas, foi um líder popular antes de ser mandado para o exílio. Enfrentou duras acusações de conluio com a ditadura militar argentina antes de virem a público as histórias das dezenas de pessoas que salvou da perseguição dos militares. Os intelectuais acusaram-no de dar demasiada importância à religiosidade popular e de passar o tempo nos bairros pobres a fazer de pároco, mesmo quando já era cardeal. Tudo capítulos de uma história que podia nem ter chegado a começar. (Observador.pt)

Sir Motors