Com o cronómetro a contar, regressivamente, para a soltura dos 11 arguidos condenados, no âmbito do caso das “dívidas ocultas”, pelo facto de terem cumprido a metade da pena aplicada pelo juiz Efigénio Baptista (que conta a partir da data da prisão preventiva), retoma o debate sobre a recuperação de activos na posse dos “caloteiros”.
Segundo o Ministério Público, na voz da procuradora Sheila Marrengula, que representou a Procuradoria-Geral da República (PGR) no julgamento das “dívidas ocultas”, o Estado foi lesado em 2.902.500.000 USD, valor que deve ser pago pelos arguidos com os respectivos juros, “calculados à taxa legal, desde a prática dos factos, até à execução da sentença”.
De acordo com a acusação, os arguidos do caso das “dívidas ocultas” encaixaram mais de 100 milhões de USD em sua esfera patrimonial, valor gasto na compra de casas e viaturas de luxo, no país e no estrangeiro, assim como em viagens com amigos, familiares e amantes e em acções filantrópicas.
Por exemplo, Armando Ndambi “Cinderela” Guebuza, primogénito do antigo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, encaixou 33 milhões de USD, pagos pela construtora naval Privinvest por ter viabilizado a contratação das “dívidas ocultas”.
O valor foi gasto, de acordo com o Ministério Público, na compra de um imóvel na vizinha África do Sul; outro imóvel, na cidade de Maputo; uma vivenda para a sua irmã (a falecida Valentina Guebuza); 16 viaturas de luxo; e no aluguer de uma aeronave, por quatro dias, da África do Sul para as paradisíacas praias de Vilankulo.
Por sua vez, Teófilo Nhangumele recebeu 8.5 milhões de USD, investidos na compra de dois imóveis, no Condomínio Garden Park, na Matola; imóvel tipo 3, na cidade de Maputo; um imóvel tipo 3, também na capital do país; uma viatura da marca Mercedes-Benz, Modelo ML, na África do Sul; uma viatura de marca Land Rover, Modelo Range Rover Evoque; um Land Rover, modelo Discovery; e benfeitorias, em Bilene.
Tal como Nhangumele, o Ministério Público diz que Bruno Langa encaixou 8.5 milhões de USD, valor gasto na compra de dois imóveis, na cidade de Maputo; e um apartamento, no Condomínio Garden Park, na Matola.
Na vizinha África do Sul, Langa comprou um imóvel tipo 3, em Nelspruit; 845 cabeças de gado bovino do tipo braman; dois tractores agrícolas; uma máquina enfardadeira; construiu um imóvel tipo 2, em Panjane, distrito de Magude, província de Maputo; dois camiões da marca Niassan; uma retroescavadora; um buldózer; e viagens vários países.
O “Indivíduo A” do Relatório de Auditoria da Kroll, António Carlos Do Rosário, recebeu mais de 10 milhões de USD, que foram gastos na compra de um “duplex” tipo 3, em Quelimane, província da Zambézia, mais tarde transformado em hotel, denominado Mabassa Hotel, gerido pela Txopela Investimentos SA, sua empresa.
Do Rosário, que dirigia o sector da inteligência financeira à data dos factos, construiu ainda sua moradia, no bairro Belo Horizonte, no distrito de Boane, província de Maputo, que mais tarde seria requalificada e ampliada; construiu um Hotel, na cidade de Tete; e construiu um edifício multifuncional, composto por hotel, lojas e sala de conferências, em Belo Horizonte, no distrito de Boane, província de Maputo.
Já Cipriano Mutota, também do SISE, “caloteado” no meio do “calote”, recebeu um total de 980 mil USD, que converteu em sete camiões, mais tarde vendidos; uma residência na zona de Mapulango, distrito de Marracuene, província de Maputo; e no agro-negócio, cultivando gergelim, conforme disse ao Tribunal.
Por seu turno, o antigo Conselheiro de Armando Guebuza, Renato Matusse, recebeu dois milhões de USD, gastos na construção de um muro de vedação, no seu terreno de dois hectares, em Muzingane, distrito de Limpopo, província de Gaza; na instalação de uma moageira na mesma residência; reabilitação da respectiva residência; aquisição de prendas referenciáveis de aniversário e casamento; acções filantrópicas para pessoas próximas e grupos desportivos de Muzingane; viagens; e festas.
Renato Matusse investiu também em dois apartamentos, localizados no Prédio Serafim, na Julius Nyerere, e ainda por uma vivenda de dois pisos; comprou duas viaturas, uma Toyota Hilux, modelo KUN26R-PR-3.0D, e uma Hyundai, modelo IX355L, ao preço de 53 mil USD.
Já Maria Inês Moaine, antiga Secretária Particular de Armando Guebuza, recebeu 877.5 mil Euros, gastos na compra de dois imóveis, na cidade de Maputo; e em depósitos a prazo nos bancos comerciais.
Referira-se que do valor recebido por Inês Moiane, 127.5 mil Euros, ficou com o seu “testa-de-ferro” Sérgio Namburete, indivíduo usado pela antiga Secretária Particular de Guebuza para receber a propina. Com o valor, Namburete adquiriu benfeitorias de um terreno, no bairro de Laulane, na cidade de Maputo. Outra parte do valor foi levantada em pequenas parcelas.
O casal Gregório e Ângela Leão recebeu, através do arguido Fabião Mabunda, 8.9 milhões de USD, investidos na compra de três imóveis (um na Costa do Sol e dois geminados na Praia da Ponta D’Ouro); contratou serviços para elaboração de projectos de quatro moradias, na Costa do Sol, discoteca, no Belo Horizonte (Boane), casa habitacional, em Marracuene, espaço comercial, em Quelimane, imóvel habitacional, em Jonasse (Boane).
Igualmente, construiu duas moradias no bairro da Costa do Sol (cidade de Maputo), obras executadas por Fabião Mabunda, seu “testa-de-ferro” no “calote”. Aliás, como pagamento, para além de ter executado as obras da família Leão (que lhe renderam 17.5 milhões de MT), Fabião Mabunda também comprou uma retroescavadora.
Refira-se que, na acusação, o Ministério Público não conseguiu rastrear todos os gastos feitos pelos arguidos, havendo investimentos cujo valor aplicado não é conhecido. Parte do valor também foi levantado em cheques, não se sabendo o destino dado pelos mesmos.
Do arresto de bens à recuperação de activos
Até ao momento, ainda não é conhecido o valor recuperado pelo Ministério Público, no âmbito das “dívidas ocultas”. Anualmente, o titular da acção penal tem anunciado números do que já conseguiu recuperar dos criminosos, no âmbito da implementação da Lei sobre Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos, aprovada em 2020, pela Assembleia da República, porém, sem dados específicos sobre as “dívidas ocultas”.
Dados do Informe da Procuradoria-Geral da República, de 2023, indicam que entre 2020 e 2023, foram recuperados, de mãos alheias, um total de 3.884.144.006,42 Meticais, fruto da apreensão de móveis, imóveis e dinheiro. Dos activos recuperados, o Ministério Público disse que 614.932.008,85 Meticais foram apreendidos em 2020; 734.571.308,22 Meticais, em 2021; 1.149.273.163,94 Meticais, em 2022; e 1.385.367.525,41 Meticais, em 2023.
Sem qualquer informação sobre o valor recuperado pela PGR, no caso das “dívidas ocultas”, sabe-se apenas que o Ministério Público requereu ao Tribunal Judicial da Cidade de Maputo o arresto de bens dos arguidos, em Fevereiro de 2022.
Da lista de bens que constam do documento, o destaque vai para os imóveis registados em nome de António Carlos do Rosário e/ou em nome das empresas usadas pelo espião na lavagem de dinheiro das “dívidas ocultas”, nomeadamente, a Indico Property – Sociedade Unipessoal Lda., a Txopela Investiments SA e a Mabassa Hotel Lda.
Trata-se de 30 apartamentos do “tipo 1”, que se encontram entre o 11º e 18º andar do prédio Xenon Urban Apartments, na capital do país. No mesmo edifício, António Carlos Do Rosário é proprietário de uma loja (no rés-do-chão); de um auditório; de um escritório; de uma sala de reuniões; e também de um apartamento do “tipo 2”. Detém também uma fracção autónoma do tipo 3 no 18º andar daquele prédio e um terraço com piscina.
O Ministério Público requereu ainda o arresto de quatro imóveis, localizados na cidade de Quelimane, província da Zambézia; de cinco apartamentos no Condomínio Zimpeto; uma casa na Avenida Ahmed Sekou Touré, na cidade de Maputo; e um armazém (nos armazéns ZTC) no bairro do Zimpeto, nas proximidades da Inspecção de Veículos, na Estrada Nacional nº 1.
O arresto inclui também um imóvel R/C e 1º andar, ainda em construção, no bairro Belo Horizonte, em Boane; 16 parcelas de terra; e dois terrenos, sendo um no bairro da Costa do Sol (cidade de Maputo) e outro no distrito de Pebane, província da Zambézia.
Por sua vez, Renato Matusse vai perder 15 talhões, que se encontram no bairro do Romão, na cidade de Maputo, mesmo bairro em que reside o ex-Chefe de Estado, Armando Emílio Guebuza. Vai igualmente perder uma residência, localizada no bairro Muzingane, no distrito de Limpopo, província de Gaza.
Já para a antiga Secretária Particular de Armando Guebuza, Maria Inês Moiane vai perder um imóvel no bairro Triunfo, na cidade de Maputo; um salão de eventos, designado “Quinta Happy”, na Matola Rio, distrito de Boane, província de Maputo; e uma parcela, localizada no bairro da Polana Caniço, também na cidade de Maputo.
O “caloteado” Cipriano Mutota viu o Ministério Público requer o arresto de três imóveis, sendo dois nos bairros 25 de Junho A e B, na cidade de Maputo, e um no bairro Mapulango, no distrito de Marracuene, província de Maputo.
O casal Gregório e Ângela Leão vai perder cinco imóveis e parcelas de terra. Trata-se de dois imóveis localizados no Edifício Karibu, Avenida da Marginal, na capital do país, registados em nome de Anlaba Investments SA; um imóvel localizado na Rua José Craveirinha, também na cidade de Maputo; uma vivenda localizada na rua das Maçanicas, na cidade de Maputo, registada em nome de Ângela Leão; e uma vivenda no bairro do Triunfo, na cidade de Maputo.
O Ministério Público pediu também o arresto de uma parcela no Condomínio Natureza Viva, no bairro Belo Horizonte, no Município de Boane, província de Maputo, registada em nome da Anlaba Investments e Angi Anlaue.
Entretanto, Teófilo Nhangumele, Bruno Langa e Fabião Mabunda vão perder cada apenas uma casa. Teófilo Nhangumele e Bruno Langa vão perder as suas casas que se localizam no bairro Djuba, no distrito de Boane, província de Maputo, enquanto Fabião Mabunda vai perder uma casa que está no bairro de Magoanine “A”.
Quem também viu seus investimentos “protegidos” é Ndambi Guebuza, que vai perder um imóvel com ligações, localizado no Condomínio Xiluva, na cidade de Maputo. Também vai perder uma quota de apenas 5.000,00 Meticais (cinco mil Meticais), correspondente a 5% da sua participação nas empresas Focus 21 – Gestão e Desenvolvimento Lda. e Focus 21 Constroi Lda., uma holding da família Guebuza.
Refira-se que o juiz Efigénio Baptista condenou, a 07 de Dezembro de 2022, Ângela Buque Leão a 11 anos de prisão maior, juntamente com os arguidos Fabião Mabunda, Inês Moiane e Sérgio Namburete. Igualmente, condenou seis réus com penas máximas de 12 anos de prisão maior (António Carlos do Rosário, Gregório Leão, Armando Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele, Bruno Langa e Manuel Renato Matusse), enquanto Cipriano Mutota foi condenado a uma pena máxima de 11 anos de prisão maior.
Segundo o Tribunal, após a produção da prova, não foi possível provar os crimes imputados aos restantes réus, nomeadamente, Elias Moiane, Sidónio Sitoi, Crimildo Manjate, Mbanda Anabela Buque, Khessaujee Pulchand, Simione Mahumane, Naimo Quimbine e Zulficar Ahmad, pelo que foram todos absolvidos.