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14 de Abril, 2025

Crise de combustíveis: uma bomba relógio sobre Maputo

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A crise na importação e distribuição de produtos petrolíferos, principalmente gasolina e gasóleo, tem vindo a ganhar contornos alarmantes nas últimas semanas. Como consequência, verifica-se a escassez de combustíveis, principalmente nas cidades de Maputo e Matola, sul de Moçambique.

Em causa está a dificuldade que as gasolineiras têm de emitir garantias bancárias para importação de combustíveis, porque o sistema financeiro não tem moeda externa (principalmente o dólar) para o efeito.

Dados que a “Carta” teve acesso revelam que há nos terminais oceânicos cerca de 100 mil toneladas métricas de combustível em financial hold. Isto é, estão retidas por falta de emissão de garantias bancárias. A quantidade é avaliada em 70 ou 80 milhões de USD. A falta de divisas não é um problema novo em Moçambique e as consequências para o sector de combustíveis também não são de agora.

Na última semana, a escassez de combustíveis ganhou contornos preocupantes para os automobilistas e para a economia no geral. Em alguns postos de abastecimento não havia principalmente gasolina para a maioria dos carros ligeiros. Noutros casos, raros, não havia gasóleo para veículos pesados, indústria e transporte semi-colectivo de passageiros. Há casos, ainda, em que nenhum destes combustíveis era vendido, o que originava longas filas nos postos de abastecimento com os produtos.

“Carta” constatou essas realidades em diferentes postos instalados nas cidades de Maputo e Matola. Fez uma ronda por 16 postos de abastecimento. Na Cidade de Maputo, visitámos seis postos, dos quais dois (da Engen e Puma) localizados nos arredores do mercado grossista do Zimpeto.

Desses postos, o da Puma não tinha combustível. Aliás, tal situação verificava-se há mais de seis meses. O da Engen só tinha gasolina, mas não dispunha de gasóleo há uma semana. Entretanto, na última sexta-feira (11), o posto recebeu o gasóleo.

Visitámos igualmente o posto de abastecimento de Nkomazi, localizado no bairro Jardim ao longo da Estrada Nacional Número 1 (EN1). No dia da visita, quinta-feira (10), o posto dispunha tanto de gasóleo como de gasolina, de tal modo que nas primeiras horas era caracterizado por longas filas de diversos veículos para abastecer.

Na cidade de Maputo, estivemos em três postos de abastecimento, dois da Total, na Avenida 25 de Setembro, próximo ao Hotel VIP e o outro na Avenida 24 de Julho, próximo à Escola Francisco Manyanga. O terceiro, na mesma Avenida, pertence à PETROMOC. Com excepção do posto da Avenida 25 de Setembro (que não tinha nenhum combustível), os restantes só tinham gasóleo e não gasolina. Frustrando o grosso dos automobilistas ligeiros.

Na cidade da Matola, “Carta” visitou 10 postos, quatro ao longo da Avenida da União Africana (vulgo estrada velha). Desses, dois são da TotalEnergies, um da Galp e o outro da Engen. Ao que constatámos, quatro desses postos tinham combustível, na tarde de quinta-feira, mas nas primeiras horas o da Galp não tinha gasolina. Entretanto, um posto da Total (Mariliza) não tinha, aliás, há vários meses que está encerrado. Ao longo da EN4, a equipa visitou dois postos da Total, um dos quais mais próximo da portagem. Por causa da escassez, este posto limitava o fornecimento de gasolina até dois mil Meticais.

Ainda na Cidade da Matola, percorremos os bairros Fomento e Cinema 700. No entroncamento entre a EN4 e a Avenida da Namaacha, no Fomento, o posto da Galp estava a fornecer tanto o gasóleo como a gasolina, mas nas primeiras horas não tinha gasolina.

Ao longo da Avenida 05 de Fevereiro (vulgo Avenida), no bairro Cinema 700, a equipa visitou um posto da Rabit Energy, que na altura da visita (tarde de quinta-feira) estava a abastecer gasolina. Na EN4, o posto de abastecimento da PETROMOC e SASOL, próximo ao Shoprite, não estava a fornecer combustíveis.

Outro posto visitado, ainda na Matola, localiza-se no bairro Intaka I, próximo à Primeira Rotunda ao longo da Estrada Circular de Maputo. Até sexta-feira, o posto não fornecia gasolina há uma semana, mas naquele dia esperava receber o produto.

No cômputo geral, dos 16 postos, cinco não tinham combustíveis na hora da visita, seis só vendiam gasóleo, um vendia apenas gasolina e os restantes quatro dispunham de gasóleo e gasolina. Da ronda constatou-se ainda que os postos da Galp tendem a manter o fornecimento apesar da ruptura de stock que não leva um dia.

Entretanto, grande parte dos postos da PETROMOC e Total só têm gasóleo. Curiosamente, os poucos funcionários dos postos que aceitaram falar, mas em anonimato, disseram não saber por que havia escassez de combustíveis. Para obter tal informação remetiam sempre aos seus superiores.

As divisas, mais divisas e divisas!

Por que afinal há aparente escassez de combustíveis? “Carta” contactou o Director Nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis, Moisés Paulino; o Director-geral da Importadora Moçambicana de Petróleos (IMOPETRO), João Macanja; e o Secretário da Associação Moçambicana de Empresas Petrolíferas (AMEPETROL), Ricardo Cumbe. Debalde! Nenhum deles atendeu às nossas chamadas e mensagens. Por seu turno, o CEO da Galp Moçambique, Paulo Varela, acessível via telefone, explicou que a crise se deve à escassez de divisas no mercado financeiro nacional.

Apesar de garantir o fornecimento com alguma regularidade em todos os postos, Varela revela que a Galp também se ressente dos efeitos da crise. Frisou que o problema é de todos, apesar de a empresa que gere conseguir controlar a situação. Varela negou que a estabilidade da Galp seja pelo facto de obter garantias bancárias internacionais. “Não. Isso não constitui verdade. Nós também recorremos aos bancos nacionais”, disse o CEO da Galp Moçambique.

Quanto à falta de gasolina e maior disponibilidade de gasóleo, Varela explicou que tal se deve ao facto de as gasolineiras importarem mais gasóleo, por ser um produto de maior consumo em relação à gasolina.

Ao nosso interlocutor custou apresentar soluções e prever quando a crise termina, numa altura em outros actores no sector entendem que o Banco de Moçambique deveria voltar a comparticipar na factura de combustíveis.

Lembre-se que o Banco Central suspendeu a comparticipação nas facturas de importação de combustíveis, em Junho de 2023, com o objetivo de economizar divisas. Todavia, a medida gerou dificuldades para as empresas que dependem do combustível importado. A Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) chegou a sugerir que o regulador do sistema financeiro reavaliasse essa decisão e considerasse a comparticipação, pelo menos em parte, nas faturas de combustíveis e outros produtos críticos, mas a instituição continua longe de considerar a medida.

Quem também não sabe como e quando a crise será ultrapassada é o Governo. O porta-voz do Executivo, Inocêncio Impissa, reconheceu na última sexta-feira que o problema resulta da falta de divisas no sistema financeiro e falhas na logística dos combustíveis, nomeadamente, dos terminais oceânicos aos postos de abastecimento.

Eximindo o Governo de poder colocar a mão para solucionar o problema, Impissa escudou-se nas leis de mercado, aberto, por se tratar de um negócio entre particulares, em que Executivo não tem espaço para tomar medidas. Para o porta-voz do Governo, os bancos e as gasolineiras é que devem encontrar soluções para pôr fim à crise na importação e distribuição de combustíveis.

Automobilistas alarmados

Sem soluções à vista para a crise, diversos automobilistas dizem-se preocupados com a falta de combustíveis. O destaque vai para privados e operadores de transporte semi-colectivo. Na Matola, arredores da Primeira Rotunda, ao longo da Estrada Circular de Maputo, no bairro Intaka II, interpelámos um jovem automobilista.

Na cada vez mais habitual postura de cidadania resguardada, sob o anonimato, disse que tem acompanhado com elevada preocupação as notícias sobre a escassez de combustíveis em Maputo e Matola. “No princípio desta semana, saí daqui da Rotunda para a Zona Verde e notei que não havia combustível nas poucas bombas existentes nesse troço. Por essa razão, procurei encher o tanque do carro. Para evitar que o carro pare por falta de combustível, abasteço sempre que consigo uns 200 ou 300 Meticais”, disse a fonte.

Caso a crise continue por mais tempo, o nosso entrevistado disse esperar que a maior procura pelo combustível resulte no incremento do preço dos próprios produtos petrolíferos e de mais mercadorias de primeira necessidade. O que vai agravar ainda mais o custo de vida no país.

Além do jovem em anonimato, a nossa equipa interpelou Jorge Chirindza, no Zimpeto, operador de transporte semi-colectivo. Chirindza opera na rota Zimpeto – Cidade da Matola. Ele também disse que teve dificuldades para abastecer, na última semana, porque nos postos por onde passava não havia gasóleo. Segundo o transportador, se esta situação preval_ecer “o impacto será muito negativo e tal pode causar o aumento da tarifa de transporte”.

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